Emoji pode ser interpretado como assinatura de contrato?
Bruno Costa Carvalho e Lucas Santos Auer
Um contrato consiste no “mútuo consentimento de duas ou mais pessoas sobre o mesmo objeto” (1). Porém, há algum requisito mínimo da manifestação desse consentimento para a formação do negócio jurídico? Se sim, qual é o limite para manifestação válida da vontade? Uma conversa informal pode constituir um contrato?
No Canadá, recentemente, a justiça reconheceu que o emoji do polegar para cima pode ser interpretado como o consentimento e a aprovação com os termos de um contrato. O caso envolveu disputa contratual entre um comprador de grãos e um fazendeiro, que teriam negociado a compra e venda por telefone e circulado a foto do contrato, recebido por esse último com o emoji do polegar para cima. Em juízo, o comprador defendeu que o emoji deveria ser interpretado como aceite da proposta, enquanto o fazendeiro, que não entregou os grãos, sustentou que representava apenas a confirmação de recebimento da mensagem com o contrato, mas não a aceitação dos seus termos.
Ao analisar o caso, o magistrado considerou que os avanços na comunicação on-line não podem ser ignorados e que o emoji deve ser interpretado como forma válida de transmitir os propósitos de assinatura de contrato entre ausentes (2) (3).
Essa interpretação da justiça canadense pode ser aplicada no Brasil? Em consonância com o art. 427 do Código Civil, a professora Maria Helena Diniz esclarece o seguinte acerca da declaração de vontade:
a declaração de vontade pode ser tácita, quando a lei não exigir que expressa (CC, arts. 104, III, 107 e 659; RT, 160:140; RF 106:305), desde que se evidencie inequivocadamente de um ato, positivo e induvidoso, do contraente a manifestação e seu querer, pois não teria sido praticado, sem o ânimo de aceitar o contrato. (4)
Assim, à primeira vista, salvo os negócios jurídicos solenes, que exigem forma expressa de acordo com o disposto na legislação vigente, entende-se que é possível a aceitação de negócio por meio de simples “emoji”, já que, como regra, a validade da declaração de vontade não depende de forma especial (art. 107, Código Civil) (5).
Contudo, há de se atentar quanto aos vícios de consentimento. A manifestação da vontade deve ser indene de dúvidas ou quaisquer vícios de consentimento, tais como o erro, o dolo, a coação, o estado de perigo e a lesão previstos, como se infere dos artigos 138 a 165 do Código Civil. Assim, caso a vontade das partes seja afetada por algum desses vícios, o contrato poderá ser anulado ou rescindido, em respeito aos princípios da autonomia da vontade e da boa-fé objetiva.
Diante disso, embora o posicionamento da justiça canadense seja reflexo da modernidade das relações comerciais, não há como afirmar a sua aplicação no contexto nacional. O aceite contratual pode ser exercido de forma tácita em contratos não solenes, contudo a manifestação da vontade deve ser observada em conjunto com outros elementos passíveis de evidenciar a aceitação inequívoca, como a prática de atos de anuência, que, juntamente ao envio do “emoji”, reflitam a concordância e o consentimento das partes.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas junto à equipe da área do contencioso cível do VLF Advogados.
Bruno Costa Carvalho
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Lucas Auer
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações. 2ª parte. 35. ed., rev. e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007.
(2) É o contrato realizado à distância, quando há intervalo na comunicação entre os contratantes. Conforme art. 434 do Código Civil, “os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida”.
(3) CANADIAN judge rules thumbs-up emoji can represent contract agrément. Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2023/jul/06/canada-judge-thumbs-up-emoji-sign-contract. Acesso em: 20 jul. 2023.
(4) DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. v. 3. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
(5) Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.