Litigância Climática: um novo risco no radar da gestão empresarial?
Leonardo Corrêa
Em caso inédito no Direito norte-americano, a juíza Kathy Seeley decidiu que Montana está violando os direitos dos jovens com políticas que proíbem o estado de considerar os efeitos das mudanças climáticas ao analisar a mineração de carvão, a extração de gás natural e outros projetos de combustíveis fósseis. Na decisão, a magistrada determinou que é incumbência do Poder Legislativo deliberar sobre as normas relacionadas à obrigação do Poder Executivo de avaliar os riscos climáticos no processo de autorização de empreendimentos intensivos na utilização de combustíveis fósseis. Essa decisão é resultado de uma ação movida por jovens com idades entre 5 e 22 anos e pode ser considerada um marco no âmbito da litigância climática (1).
A litigância climática pode ser definida como conjunto de estratégias jurídicas utilizadas por diversos atores (Ministério Público, organizações civis, defensorias públicas) que têm como objetivo responsabilizar Estados Nacionais e empresas pela formulação ou implementação de ações que abrangem: a) mitigação – com o propósito de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (“GEE”) em projetos, programas e políticas (públicas e privadas); b) adaptação – visando diminuir a vulnerabilidade dos ecossistemas e das populações suscetíveis aos impactos da mudança climática; c) compensação de perdas e danos – buscando reparação por prejuízos ambientais e climáticos (sejam materiais ou morais) decorrentes das mudanças climáticas (2).
No Brasil, segundo dados da Plataforma de Litigância Climática, cerca de 20% dos réus são empresas. Ao longo dos próximos anos, entretanto, a tendência é um aumento de ações de litigância climática em face do setor privado, em razão das seguintes situações (3):
1) Climate-washing: No contexto atual brasileiro, o maior risco de ações climáticas envolvendo o setor privado está ligado ao “climate-washing”, ou seja, a utilização excessiva de peças publicitárias, relatórios e compromissos públicos de metas climáticas. O “climate-washing” se refere também ao processo de questionamento judicial sobre a implementação de medidas ineficazes em relação aos próprios compromissos públicos de redução de gases de efeito estufa. Torna-se, sem dúvida, essencial uma aproximação entre os setores de meio ambiente, marketing e o jurídico, buscando alinhamento de estratégias e discursos para mitigar o risco de litigância climática.
2) Regulação setorial: A regulação de metas setoriais assumirá papel decisivo no aumento da litigância climática direcionada ao setor privado, uma vez que estabelece conjunto de obrigações vinculativas e de caráter compulsório. Empresas de setores intensivos em carbono – como o transporte público urbano e os sistemas modais de transporte interestadual de cargas e passageiros, a indústria de transformação e bens de consumo duráveis, indústrias químicas finas e de base, indústria de papel e celulose, mineração, indústria da construção civil, serviços de saúde e agropecuária – devem desde já elaborar estratégias e planos de transição de baixo carbono aplicáveis aos seus processos produtivos. Nesse sentido, o monitoramento regulatório das metas setoriais de redução de gases de efeito estufa assume importância fundamental.
3) Engajamento do Ministério Público: No Brasil, as ações coletivas ambientais sempre tiveram no Ministério Público uma figura de grande protagonismo. No contexto da litigância climática, a tendência é a construção de cenário de atuação ministerial também intensa. Em 2022, a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (“ABRAMPA”) lançou o relatório “Manual de Litigância Climática: estratégias de defesa do clima estável para o Ministério Público”. Nesse documento, a ABRAMPA apresenta conjunto de estratégias processuais e estudos de casos que podem servir como referência para seus membros atuarem no contexto das mudanças climáticas. Percebe-se neste documento a identificação de padrões argumentativos que poderão ser replicados nos ajuizamentos de outras ações civis por todo o Brasil (4).
4) Licenciamento ambiental: O licenciamento ambiental é instrumento da política nacional de meio ambiente (Lei nº 6.938/1981) que tem como objetivo avaliar a variável ambiental da construção, instalação, ampliação e operação de empreendimentos e atividades que utilizem recursos ambientais, sejam poluidores efetivos ou potenciais ou capazes, de qualquer forma, de causar degradação ambiental. Observa-se clara tendência para a discussão da questão climática no âmbito do licenciamento ambiental. Na Ação Civil Pública nº 5569834-31.2021.8.09.0051, ajuizada pelo Ministério Público de Goiás, por exemplo, a temática climática foi levantada em sede de Avaliação de Impactos Ambientais (“AIA”), especialmente no que concerne aos estudos de micro e macroclima, bem como à exigência e apresentação de inventário de GEE. Portanto, embora a legislação ambiental vigente não trate da avaliação dos impactos climáticos, há tendência marcante de considerá-los como variante da poluição em geral (conforme o art. 3º, III da Lei n. 6.938/81) e, por conseguinte, incluí-los nos Termos de Referência dos procedimentos de licenciamento ambiental.
Apesar do atual cenário institucional no qual os Estados Nacionais são os principais réus em processos de litigância climática, observa-se crescente inclinação para o aumento substancial da judicialização climática voltada ao setor privado nos próximos anos. As empresas devem incorporar a litigância climática em sua avaliação de riscos, com o objetivo de compreender o movimento atual dos atores estratégicos, tais como o Ministério Público, ONGs e Defensorias Públicas. A adoção de medidas e políticas preventivas é a decisão estratégica fundamental em um cenário de intensificação da litigância e do aumento das demandas ambientais por parte dos stakeholders.
Leonardo Corrêa
Sócio-executivo da área de Direito Ambiental e Negócios Sustentáveis do VLF Advogados
(1) Judge Rules in Favor of Montana Youths in a Landmark Climate Case. Disponível em: https://www.nytimes.com/2023/08/14/us/montana-youth-climate-ruling.html. Acesso em: 28 ago. 2023.
(2) Atualmente já existe bibliografia especializada em litigância climática: 1) BOUWER, Kim. The Unsexy Future of Climate Change Litigation. Journal of Environmental Law, Volume 30, Issue 3, November 2018, Pages 483–506; 2) KEELE, Denise. Climate change litigation and the national environmental policy act. Journal of Environmental Law, Oxford, v. 30, n. 2, 2018. p.285-309; 3) SETZER, Joana; VANHALA, Lisa. Climate change litigation: a review of research on courts and litigants in climate governance. WIREs Climate Change, Hoboken, 2019.
(3) JUMA. Grupo de Pesquisa Direito, Ambiente e Justiça no Antropoceno. Disponível em: https://www.juma.nima.puc-rio.br/. Acesso em: 28 ago. 2023.
(4) Manual de Litigância Climática. Disponível em: https://abrampa.org.br/wp-content/uploads/pdfs/Manual.pdf. Acesso em: 28 ago. 2023.