O contrato de corretagem e a comissão do corretor: reflexões a partir de recente decisão do STJ
Daniele Persegani, Felipe Melazzo e Fernanda Galvão
1) Introdução
Presente no cotidiano das relações comerciais e imobiliárias, a atividade de corretagem tem desempenhado relevante função econômica, auxiliando nas mais variadas transações legais.
Além de tecer breve abordagem sobre os principais aspectos jurídicos dos contratos de corretagem, este texto analisa o recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) sobre o momento do pagamento da remuneração dos corretores e orienta sobre as melhores práticas contratuais a serem observadas pelas partes contratantes, para conferir-lhes maior segurança jurídica.
2) O contrato de corretagem como contrato típico e um dos meios de colaboração empresarial
A doutrina jurídica define corretagem como a atividade de intermediar interesses de pessoas que desejam celebrar negócios jurídicos, aproximando-as para que atinjam seus objetivos (1).
O contrato de corretagem passou a ser considerado típico (2) a partir da entrada em vigor do Código Civil de 2002 (3), por meio dos artigos 722 a 729, que regulamentam os deveres do corretor, obrigações das partes e regramento sobre comissão e estabelecem diretrizes claras para esse instituto, proporcionando maior segurança jurídica aos envolvidos.
O artigo 722 do Código Civil diferenciou o contrato de corretagem de outras modalidades afins, ao prever que o corretor não está ligado ao cliente em virtude “de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência” (4). Nesse contexto, assim como os instrumentos de franquia, comissão, agência, concessão comercial etc., a corretagem classifica-se atualmente como “contrato de colaboração empresarial”.
Os contratos de colaboração empresarial consistem em acordos por meio dos quais empresas independentes se unem para buscar objetivos comuns, compartilhar recursos, conhecimentos e experiências, visando a otimização de resultados e a criação de valor mútuo (5).
Esses contratos são frequentemente utilizados para fortalecer as vantagens competitivas das empresas, explorar oportunidades de mercado e enfrentar desafios em conjunto e, sob essa perspectiva, o corretor não atua apenas na intermediação de negócios, mas como agente de colaboração ativa, cooperando com as partes na busca de eficiência quanto aos resultados esperados.
A remuneração do corretor, denominada “comissão” (6), é aspecto polêmico desse tipo contratual. De acordo com a legislação, a comissão é devida ao corretor uma vez que este tenha conseguido o resultado previsto em contrato, ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes (7).
No que se refere à jurisprudência, os julgados do STJ se posicionaram no sentido de não ser devido o pagamento da comissão quando o corretor apenas realizar a mera aproximação das partes (8).
Segundo essa Côrte, como abordado adiante, para garantir o recebimento da comissão, o corretor deve alcançar o “resultado útil” do negócio, ainda que seu desfecho não seja concluído por arrependimento imotivado das partes.
Para eficácia e legalidade desses acordos, a doutrina jurídica enfatiza a recomendação de que sejam observados elementos como autonomia da vontade das partes, boa-fé nas negociações, além da clareza na redação das cláusulas contratuais.
3) O STJ e o pagamento de comissão no contrato de corretagem em negócios imobiliários
Em julgamento recente do Recurso Especial nº 2.000.978/SP (“REsp”), em 21 de março, a Terceira Turma do STJ discutiu a nulidade de cláusula que condicionou o pagamento do corretor ao registro imobiliário da venda de imóvel que foi objeto de contrato de corretagem de negócios imobiliários, firmado entre duas pessoas jurídicas empresárias.
Segundo o voto da ministra relatora Nancy Andrighi (acompanhado pelos ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro), a cláusula não poderia ser considerada nula, pois o direito do corretor de ser remunerado pela mediação realizada consiste em direito disponível das partes no contrato de corretagem (9).
Ou seja, em determinado contrato de corretagem, apesar de ser contrato típico com regulação disposta no Código Civil, as partes envolvidas, especificamente sobre a comissão a ser paga ao corretor, têm o poder de dispor sobre o momento desse pagamento, para condicionar esse fato, inclusive, a evento futuro e incerto, isto é, que poderá ou não ocorrer (nesse caso, respeitados os limites legais sobre as condições suspensivas como os arts. 121 a 130 do Código Civil).
Ainda sobre o direito disponível, a Terceira Turma do STJ pontuou que, conforme já decidido anteriormente neste mesmo Tribunal, há a predominância no direito civil brasileiro da autonomia privada, de forma a conferir aos sujeitos da relação obrigacional, total liberdade negocial, com exceção de direitos indisponíveis, como é o caso daqueles regulados por regras gerais e algumas específicas dos contratos típicos (10).
É importante ressaltar que esse raciocínio do STJ foi ratificado também pela Lei nº 13.874/2019 (“Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”), ao incluir no Código Civil (a) a prevalência nas relações contratuais privadas do princípio da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual (art. 412, Parágrafo Único); e (b) que os contratos civis e empresariais são paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que demonstrem o contrário, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, como é o caso do Código de Defesa do Consumidor (art. 421-A, caput).
Complementarmente, em relação a remuneração do corretor, o STJ também mencionou no REsp que, independentemente do momento em que ela ocorrerá, a comissão só será devida ao corretor, uma vez que ele tenha conseguido obter o resultado útil do contrato de corretagem, ainda que este não seja assinado por conta de arrependimento dos contratantes. Esse entendimento decorre diretamente da interpretação do art. 725 do Código Civil (11).
Para o STJ, é cristalino o entendimento de que “resultado útil” no contrato de corretagem por intermediação imobiliária significa dizer que os trabalhos de aproximação do corretor envolvido foram suficientes para gerar, de forma efetiva, o consenso das partes em relação aos elementos essenciais do contrato, ainda que o instrumento não chegue a ser de fato assinado (12).
Apenas a título de informação, ressalta-se que a posição do STJ mencionada acima contraria o entendimento de alguns autores da literatura jurídica, que entendem que a obrigação assumida pelo corretor para que seja considerada cumprida, na verdade, não depende do resultado auferido, mas sim da dedicação de todos os seus esforços para angariar o negócio pretendido (13).
Sobre o conceito de “resultado útil” ligado ao STJ, mostra-se relevante apresentar decisões anteriores, com entendimentos distintos deste prolatado no REsp acerca da comissão do corretor:
A assinatura da promessa de compra e venda e o pagamento do sinal demonstram que o resultado útil foi alcançado e, por conseguinte, apesar de ter o comprador desistido do negócio posteriormente, é devida a comissão por corretagem. (REsp 1.339.642/RJ, 3ª Turma, DJe 18/3/2013)
Não cabe o pagamento de comissão de corretagem quando, apesar da celebração de compromisso de compra e venda, a negociação se revele precária e incompleta em relação à análise dos documentos concernentes ao imóvel e ao vendedor, subordinando o pagamento do sinal à higidez das certidões cartorárias. (REsp 1.272.932/MG, 3ª Turma, DJe 2/10/2017)
Verifica-se que a expressão resultado prevista do contrato de mediação ou simplesmente resultado útil (art. 725 do CC/2002), para fins de obrigação do pagamento de comissão de corretagem em negócios imobiliários, não exige, em regra, o registro da escritura pública de compra e venda. (REsp 1.272.932/MG, 3ª Turma, DJe 2/10/2017)
Se havia documento válido a corroborar o negócio jurídico – suficiente para a exigência do registro imobiliário –, não obstante seu posterior desfazimento, é salutar reconhecer que a corretora alcançou o “resultado útil” da avença. (REsp 1.228.180/RS, 4ª Turma, DJe 28/3/2011)
Conquanto se exija o aperfeiçoamento do negócio jurídico para a cobrança da comissão de corretagem, é certo que nos negócios imobiliários a intermediação do corretor pode se encerrar antes da conclusão da fase de registro imobiliário. (AgInt no AREsp 1.352.680/SP, 3ª Turma, DJe 6/4/2020). Na mesma linha: AgInt no AREsp 1.168.989/RS, 4ª Turma, DJe 4/10/2019
Conquanto o contrato de promessa de compra e venda tenha sido assinado pelas partes, o resultado útil da mediação não se concretizou, na medida em que a escritura de compra e venda não chegou a ser lavrada, em decorrência de gravame judicial averbado na matrícula do imóvel, razão pela qual não há que se falar em pagamento da comissão de corretagem no caso em apreço. (REsp 1.786.726/TO, 3ª Turma, DJe 17/2/2021)
Dito isso, entende-se que remuneração do corretor no contrato de corretagem de negócios imobiliários decorre de um direito disponível das partes de delimitarem o momento em que seu pagamento irá ocorrer, mas também envolve o resultado útil a ser alcançado em relação ao negócio.
Nesse sentido, extrai-se que a comissão do corretor em contrato de corretagem poderá estar condicionada a diversos momentos da execução contratual (ex.: assinatura da promessa do contrato de compra e venda do imóvel, pagamento do preço do imóvel pelo comprador, registro no cartório competente etc.), ficando facultado às partes pactuar conjuntamente, a seu exclusivo critério, desde que essa condição esteja ligada também ao alcance do resultado útil do negócio.
4) Conclusões e recomendações
Nos contratos de corretagem, apesar de serem típicos, tendo em vista a prevalência da autonomia das partes no direito brasileiro, há espaço para as partes envolvidas deliberarem acerca de diversos pontos dos negócios, como é o caso do pagamento da comissão ao corretor.
Logo, como disposto no tópico 3, por ser direito disponível, a remuneração do corretor ocorrerá naquele momento em que as partes elegerem como devido. Entretanto, esse direito só se concretizará caso o corretor alcance o resultado útil do negócio, nos termos legais e jurisprudenciais.
Conclui-se, portanto, que a definição sobre o pagamento da comissão do corretor depende das partes, mas também deve observar outras disposições oriundas da lei e dos tribunais superiores, mesmo que se trate de direito disponível.
Nesse sentido, é de extrema importância que as partes estejam amparadas e orientadas acerca da sua previsão no contrato e das outras regras que circundam o tema, para não correrem o risco de elaborarem uma cláusula inválida.
Caso o contrato de corretagem seja recorrente no desenvolvimento do seu negócio e tenha dúvidas acerca da comissão do corretor e outros tópicos, o VLF Advogados possui equipe especializada de consultoria em contratos. Caso queira saber mais sobre esse assunto, basta entrar em contato conosco.
Daniele Persegani
Advogada da Equipe de Consultoria e Compliance do VLF Advogados
Felipe Melazzo
Advogado da Equipe de Consultoria e Compliance do VLF Advogados
Fernanda Galvão
Sócia-executiva e Coordenadora da Equipe de Consultoria e Compliance do VLF Advogados
(1) JÚNIOR, Humberto Theodoro Júnior; DE MELLO, Adriana Mandim Theodoro. Contratos de Colaboração Empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 491.
(2) O contrato típico é aquele que se encontra expressamente previsto em lei, com sua regulamentação própria, com conteúdo de obrigações e direitos previsto na norma, ou seja, a regra vem estabelecida mais ou menos ampla em uma determinada lei, seja o próprio Código Civil (há 23 tipos contratuais), seja na legislação extravagante.
(3) BRASIL. Lei nº 10.406/2002 (Institui o Código Civil).
(4) BRASIL. Lei nº 10.406/2002 (Institui o Código Civil). Art. 722. Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas.
(5) COELHO, Fábio Ulhoa. Contratos de colaboração. In: Novo manual de direito comercial: direito de empresa. 29. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.
(6) e (11) BRASIL. Lei nº 10.406/2002 (Institui o Código Civil). Art. 725. A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes.
(7) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp 1.385.390/RS, 3ª Turma, DJe 05/09/2019.
(8) BRASIL. Lei nº 10.406/2002 (Institui o Código Civil). Art. 724. A remuneração do corretor, se não estiver fixada em lei, nem ajustada entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais.
(9) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 2.000.978/SP, 3ª Turma, DJe 23/3/2023.
(10) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.987.016/RS, 3ª Turma, DJe 13/9/2022.
(12) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp 1.262.428/ES, 3ª Turma, DJe 10/4/2019; AgRg no REsp 1.440.053/MS, 3ª Turma, DJe 28/3/2016; REsp 1.765.004/SP, 3ª Turma, DJe 5/12/2018; AgInt no AREsp 1.020.941/RS, 4ª Turma, DJe 4/5/2017; AgInt no AREsp 881.041/RJ, 4ª Turma, DJe 16/11/2016.
(13) JÚNIOR, Humberto Theodoro Júnior; DE MELLO, Adriana Mandim Theodoro. Contratos de Colaboração Empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 492.