As transformações na regulamentação do sistema decisório administrativo com a volta do voto de qualidade do CARF
Rosa Lima
A Lei nº 14.689/2023 que disciplina a proclamação de resultados de julgamentos na hipótese de empate na votação no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), por meio de voto de qualidade, foi sancionada em 20 de setembro pelo Presidente da República em exercício, Geraldo Alckimin.
De início, vale lembrar que o CARF é órgão colegiado paritário, formado por Conselheiros, representantes da Fazenda Nacional e dos Contribuintes, com atribuição de julgar, em segunda instância administrativa, os litígios em matéria tributária e aduaneira (1).
Na hipótese de empate na votação dos casos, com a sanção da Lei nº 14.689/2023, será aplicado o voto de qualidade como critério de desempate, isto é, o voto do presidente da sessão, sempre um representante do Fisco, terá peso duplo.
De acordo com a nova lei, para equilibrar o jogo, nos casos decididos a favor do fisco, por meio do voto de qualidade, as multas aplicadas serão excluídas, bem como o Fisco ficará impedido de representar contra o contribuinte ao Ministério Público por crime tributário. Além disso, os juros de mora também poderão ser excluídos desde que haja a efetiva manifestação do contribuinte para pagamento no prazo de 90 (noventa) dias.
Ressalta-se que as exclusões das multas e juros são aplicáveis até mesmo para os casos já julgados pelo CARF, cuja análise de mérito esteja pendente pelos Tribunais Regionais Federais (“TRFs”).
As condições para pagamento também se tornaram mais benéficas. Agora, o pagamento do débito tributário controvertido, resolvido pelo voto de qualidade, poderá ser quitado em 12 (doze) parcelas mensais, possível a utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”). Tais créditos devem ser de titularidade do sujeito passivo, de pessoa jurídica controladora ou controlada, de forma direta ou indireta, ou de sociedades que sejam controladas direta ou indiretamente pelo mesmo contribuinte, apurados e declarados à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (“RFB”), independentemente do ramo de atividade.
Também poderão ser utilizados precatórios para amortização ou liquidação do remanescente, na forma do § 11 do art. 100 da Constituição Federal.
A lei também traz inovações nos casos de transação tributária, método de autocomposição, por adesão ou de forma individual, no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica (2). Houve o aumento dos limites de negociação para redução do débito tributário de 50% (cinquenta por cento) para até 65% (sessenta e cinco por cento) com prazo máximo de quitação de 120 (cento e vinte) meses.
Na hipótese de transação que envolva pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno porte, a redução máxima será de até 70% (setenta por cento), com ampliação do prazo máximo de quitação para até 145 (cento e quarenta e cinco) meses.
Tratando-se de discussão judicial dos créditos resolvidos favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade, aos contribuintes com capacidade de pagamento (3), será dispensada a apresentação de garantia, desde que nos 12 (doze) meses que antecederam o ajuizamento da medida, o contribuinte tenha certidão de regularidade fiscal válida por mais de 3 (três) meses, consecutivos ou não, expedida conjuntamente pela Secretaria Especial da RFB e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Já no âmbito de medidas de incentivo à conformidade tributária serão adotados, com finalidade de autorregularização, procedimentos de orientação tributária e aduaneira prévia; não aplicação de eventual penalidade administrativa; concessão de prazo para o recolhimento de tributos devidos sem a aplicação de penalidades; prioridade de análise em processos administrativos, inclusive quanto a pedidos de restituição, de compensação ou de ressarcimento de direitos creditórios; e atendimento preferencial em serviços presenciais ou virtuais.
Tais benefícios poderão ser graduados e condicionados em função de apresentação voluntária, antes do início do procedimento fiscal, de atos ou negócios jurídicos relevantes para fins tributários para os quais não haja posicionamento prévio da administração tributária; atendimento tempestivo à requisição de informações realizada pela autoridade administrativa; ou recolhimento em prazos e em condições definidos pela Secretaria Especial da RFB.
Para que possam aproveitar as medidas de incentivo à conformidade tributária, os contribuintes passarão por análise da Secretaria Especial da RFB que considerará os seguintes critérios:
a) regularidade cadastral;
b) histórico de regularidade fiscal do sujeito passivo;
c) compatibilidade entre escriturações ou declarações e os atos praticados pelo contribuinte;
d) consistência das informações prestadas nas declarações e nas escriturações.
Por fim, nos casos de aplicação de multa de ofício qualificada – por fraude, conluio ou sonegação –, a penalidade deve ser de até 100% (cem por cento) do valor do débito tributário, de maneira que caberá à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (“PGFN”) providenciar o cancelamento imediato da inscrição de dívida ativa de todo o montante da multa acima de 100% do valor do crédito, consideradas excessivas.
Nesses termos, as multas de ofício de 150% (cento e cinquenta por cento) só poderão ser aplicadas em caso de reincidência do contribuinte. Isto é, quando, no prazo de 2 (dois) anos, contado do ato de lançamento em que tiver sido imputada a ação ou omissão por fraude, conluio ou sonegação, ficar comprovado que o sujeito passivo incorreu novamente em qualquer uma dessas ações ou omissões.
Embora advogados tenham se lamentado porque algumas alterações benéficas aos contribuintes tenham sido vetadas na redação final, o saldo da Lei nº 14.689/2023 parece positivo para os contribuintes, sobretudo porque o voto de qualidade poderia ter retornado sem qualquer medida para equilibrar o sistema decisório administrativo. Portanto, vale comemorar as novas regras para as multas e juros, as medidas de incentivo à conformidade tributária, a utilização de prejuízos fiscal e base negativa para pagamento, a redução da multa de ofício.
Mais informações podem ser obtidas com a equipe de tributário do VLF Advogados.
Rosa Lima
Advogada da Equipe de Direito Tributário do VLF Advogados
(1) CARF. Perguntas frequentes. Disponível em: https://carf.economia.gov.br/perguntas-frequentes. Acesso em: 22 set. 2023.
(2) Conforme a Portaria nº 247/2020, que disciplina os critérios e procedimentos para a elaboração de proposta e de celebração de transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica e no de pequeno valor, o contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica é aquele que trata de questões tributárias que ultrapassa os interesses subjetivos da causa e, preferencialmente, ainda não afetadas a julgamento pelo rito dos recursos repetitivos, nos moldes dos arts. 1.036 e seguintes da Lei nº 13.105, de 2015. Segundo o art. 30 da Portaria:
§1º A controvérsia será considerada disseminada quando se constate a existência de:
I - demandas judiciais envolvendo partes e advogados distintos, em tramitação no âmbito de, pelo menos, três Tribunais Regionais Federais;
II - mais de cinquenta processos, judiciais ou administrativos, referentes a sujeitos passivos distintos;
III - incidente de resolução de demandas repetitivas cuja admissibilidade tenha sido reconhecida pelo Tribunal processante; ou
IV - demandas judiciais ou administrativas que envolvam parcela significativa dos contribuintes integrantes de determinado setor econômico ou produtivo.
§2º A relevância de uma controvérsia estará suficientemente demonstrada quando houver:
I - impacto econômico igual ou superior a um bilhão de reais, considerando a totalidade dos processos judiciais e administrativos pendentes conhecidos;
II - decisões divergentes entre as turmas ordinárias e a Câmara Superior do CARF; ou
III - sentenças ou acórdãos divergentes no âmbito do contencioso judicial.
(3) A capacidade de pagamento será aferida considerando-se o patrimônio líquido do sujeito passivo, desde que o contribuinte:
I – apresente relatório de auditoria independente sobre as demonstrações financeiras, caso seja pessoa jurídica;
II – apresente relação de bens livres e desimpedidos para futura garantia do crédito tributário, em caso de decisão desfavorável em primeira instância;
III – comunique à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a alienação ou a oneração dos bens de que trata o inciso II deste parágrafo e apresente outros bens livres e desimpedidos para fins de substituição daqueles, sob pena de propositura de medida cautelar fiscal; e
IV – não possua outros créditos para com a Fazenda Pública, presentes e futuros, em situação de exigibilidade.