Breves reflexões sobre o alcance da quitação em contratos e acordos extrajudiciais
Daniele Persegani
1) Introdução
A quitação é tema relevante para o Direito Civil, em especial no que diz respeito aos contratos e acordos extrajudiciais. Trata-se de instituto jurídico que envolve a liberação das partes em relação a dívidas, encargos e obrigações assumidos, tendo como contrapartida o recebimento integral de valores, benefícios, serviços, ou qualquer outro compromisso acordado entre os contratantes.
O objetivo deste texto é fazer breve análise acerca do alcance da quitação extrajudicial e seus reflexos contratuais, explorando sua definição, requisitos, embasamento legal, além da recente jurisprudência relacionada ao assunto.
2) A quitação em contratos e acordos extrajudiciais à luz do Código Civil
A quitação é mecanismo fundamental para a conclusão satisfatória das relações jurídicas estabelecidas entre as partes envolvidas. Ela representa a extinção das obrigações originadas em contratos, de modo que ambas as partes estejam liberadas de cumprir quaisquer outras prestações futuras relacionadas ao acordo em questão. Em outras palavras, a quitação é a confirmação de que as partes cumpriram com suas obrigações contratuais e não existem mais pendências a serem resolvidas.
Alguns exemplos práticos de instrumentos que conferem quitação extrajudicial aos contratos são as transações, termos de encerramento, recibos, acordos extrajudiciais, entre outros. No ordenamento jurídico brasileiro o instituto da quitação extrajudicial encontra embasamento no Código Civil (1), que estabelece os requisitos básicos a serem observados para que sejam evitados conflitos futuros, garantindo a segurança jurídica das partes envolvidas.
De acordo com o art. 320 do Código Civil (2), a quitação deve ser precisa quanto ao valor e à espécie da dívida quitada, identificar claramente o devedor ou quem realizou o pagamento em seu nome, indicar o momento e o local em que ocorreu o pagamento e ser assinada pelo credor ou por alguém com poderes para representá-lo. A ausência desses requisitos não invalida a quitação, desde que comprovado o pagamento (3), e, nesse sentido, a doutrina entende que a quitação ampla e geral, sem qualquer menção aos elementos que tornem possível precisar a dívida, não teria validade sem a demonstração da respectiva liquidação (4).
Dependendo da natureza da dívida e das circunstâncias, poderão ser adicionadas cláusulas específicas, como a garantia de que não haverá ações judiciais futuras relacionadas àquele débito, ou mesmo a concessão de quitação para eventuais juros ou penalidades.
Na hipótese de débitos a serem pagos em parcelas sucessivas, a legislação estabelece (5) que, até que se prove o contrário, a quitação conferida para a última parcela admite a presunção do pagamento quanto às anteriores e, sendo omissas as partes, entende a doutrina que a presunção da quitação do pagamento deverá ocorrer em benefício do devedor (6).
3) Entendimentos jurisprudenciais quanto aos efeitos e ao alcance da quitação extrajudicial
A jurisprudência brasileira tem desempenhado papel relevante na interpretação dos efeitos e alcance da quitação extrajudicial. Nas diversas decisões sobre o tema, os Tribunais destacam a necessidade de que a quitação seja inequívoca, ou seja, que não deixe margem para dúvidas ou interpretações divergentes entre as partes. Além disso, enfatizam a importância de que a quitação seja dada de forma consciente e voluntária, sem qualquer tipo de vício de consentimento como, por exemplo, coação, erro ou dolo.
Quanto ao alcance desse instituto, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) consolidou o posicionamento de que, em regra, a quitação ampla, geral e irrevogável conferida em acordo extrajudicial deve ser presumida válida e eficaz, não se autorizando o ingresso na via judicial para ampliar verbas indenizatórias anteriormente aceitas e recebidas (7).
Contudo, advertem os julgadores que essa interpretação deve ser restritiva, repercutindo apenas quanto aos valores ou prestações a que se refere. Nessa linha de raciocínio, em situações excepcionais, os julgadores autorizam a cobrança posterior de valores que não tenham sido expressamente quitados, como nas hipóteses de acréscimo da incapacidade parcial apurada em laudo médico posterior, seguro obrigatório pago a menor e expurgos inflacionários não pagos em restituição de reserva de poupança.
Também é relevante mencionar que a jurisprudência tem se debruçado sobre casos em que a quitação foi obtida mediante erro, dolo ou fraude, reforçando a ideia de que a quitação não pode ser utilizada como meio de lesar os direitos de uma das partes.
4) Conclusão
A quitação extrajudicial desempenha papel fundamental na conclusão satisfatória dos contratos e acordos extrajudiciais celebrados entre as partes. Portanto, as partes envolvidas devem estar atentas aos requisitos legais e aos precedentes jurisprudenciais, a fim de garantirem a segurança e a eficácia de suas contratações. A quitação, quando oferecida de forma correta e transparente, contribui para a estabilidade das relações jurídicas e para a solução pacífica de conflitos.
Assim sendo, ao fim das relações contratuais, ou até mesmo aditamentos contratuais, é essencial que, no momento da instrumentalização da cláusula, ou termo de quitação, as partes estejam amparadas e orientadas quanto às regras legais que circundam o tema, evitando o risco de elaborarem cláusula inválida ou cláusula com redação falha que poderá ensejar desembolso de valores adicionais judicialmente.
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Daniele Persegani
Advogada da Equipe de Consultoria e Compliance do VLF Advogados
(1) BRASIL. Lei nº 10.406/2002 (Institui o Código Civil). Art. 320 a 326.
(2) BRASIL. Lei nº 10.406/2002 (Institui o Código Civil). Art. 320. A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante.
(3) BRASIL. Lei nº 10.406/2002 (Institui o Código Civil). Art. 320. Parágrafo único. Ainda sem os requisitos estabelecidos neste artigo valerá a quitação, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida.
(4) TEPEDINO, Gustavo. Código Civil Comentado: Direito das Obrigações. v. IV. São Paulo: Atlas, 2008.
(5) BRASIL. Lei nº 10.406/2002 (Institui o Código Civil). Art. 322. Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores.
(6) BEVILÁQUA, Clovis. Código Civil, p.78.
(7) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp 1.868.389/SC, 4ª Turma, DJe 24/03/2022; AgInt no REsp 1.974.559/RS, 3ª Turma, DJe 08/09/2022; AgInt no REsp 1.925379/SP, 4ª Turma, DJe 01/07/2021.