A regulamentação das apostas desportivas no Brasil pela Medida Provisória nº 1.182/2023
Anna Julia Costa
Apostas desportivas são definidas como espécie de jogo de azar, em que duas ou mais pessoas tentam antecipar resultados de determinada competição esportiva real. De acordo com pesquisa realizada pela empresa SimilarWeb, o Brasil é o país que mais acessa sites de apostas esportivas no mundo, apresentando uma diferença de mais de 50% em relação ao Reino Unido, que é o segundo colocado.
Considerando essa popularização da prática em nível nacional por meio de plataformas estrangeiras, em 2018 foi promulgada a Lei nº 13.756, por meio da qual se criou a modalidade “apostas de quota fixa”. Essa modalidade lotérica se caracteriza por apostas relativas a eventos reais, em que a quantia a ser ganha em caso de acerto é definida já no momento de efetivação da jogada.
Após cinco anos existindo legalmente, mas sem regulação adequada para as características do setor, as apostas esportivas formaram verdadeiro “mercado cinza” no Brasil. Isso significa que as casas de aposta, embora tivessem sua atividade permitida pela lei, não estavam submetidas a regras específicas que estabelecessem, por exemplo, qual o limite de remessa de ganhos para o exterior. Em mercado que movimenta bilhões de reais anualmente e é composto majoritariamente por empresas estrangeiras, regras desse tipo são essenciais para que não se crie estímulos indevidos ao setor.
Nesse cenário, em julho de 2023, foi publicada a Medida Provisória nº 1.182, que se propõe a regular a exploração de apostas desportivas no Brasil, complementando a Lei nº 13.756. Por meio dessa medida provisória, a modalidade lotérica passa de serviço público exclusivo da União (Casas Lotéricas) para objeto de concessão, permissão ou autorização, a ser definida pelo Ministério da Fazenda.
Na prática, isso quer dizer que não só pessoas jurídicas estrangeiras, mas também aquelas sediadas no Brasil poderão oferecer plataformas para apostas desportivas, estando submetidas às leis brasileiras.
Assim, as “bets”, como são chamadas, terão carga tributária prevista de 18% sobre a receita bruta, subtraindo-se os prêmios pagos aos apostadores. Da mesma forma, a medida provisória também prevê a taxação do usuário da plataforma. No caso, ficou estabelecido que, caso o apostador receba prêmios superiores a R$2.112,00, haverá incidência de Imposto de Renda com alíquota de 30%.
Para as casas de aposta, um aspecto importante do texto legal é que os cassinos on-line e jogos virtuais também passam a ser regulados pela medida provisória, nos casos em que seus resultados forem determinados pelo desfecho de evento futuro aleatório. O mesmo não acontece, no entanto, com os chamados fantasy sports (ex.: Cartola F.C.), que não são objeto das disposições da nova lei.
Além disso, o aumento do número de patrocínios e de recursos midiáticos envolvendo as apostas desportivas fez surgir também a necessidade de regulamentação das propagandas no setor. No caso, ficam proibidas peças publicitárias que indiquem a aposta como alternativa de emprego, como solução de problemas financeiros ou como forma de investimento. A medida funciona como mecanismo de proteção do apostador, além de reafirmar o caráter de entretenimento das bets.
Inclusive, nesse sentido, a Medida Provisória nº 1.182/2023 reafirma a garantia de todos os direitos de consumidor para os apostadores. Com isso, a relação entre o operador e os usuários dessas plataformas passa a ser expressamente regulada pela Lei nº 8.078/1990, gerando às casas de aposta o dever de transparência em relação a todo o procedimento, condições e requisitos para acerto do prognóstico e para retirada do prêmio.
A medida provisória também trouxe mecanismos de mitigação da manipulação de resultados nas competições esportivas, problema que vem ganhando destaque na mídia em razão de escândalos recentes. Um desses mecanismos é a determinação expressa de que dirigentes e sócios do operador, agentes públicos ligados à fiscalização federal ou qualquer pessoa que possa ter influência nos resultados dos eventos objeto da loteria não possam realizar apostas.
Dessa forma, nota-se que o “mercado cinza” das apostas esportivas no Brasil está encontrando seu fim por meio da devida regulamentação. Além de representar grande avanço na garantia de direitos e em observância do princípio do jogo responsável, a Medida Provisória nº 1.182/2023 apresenta nova oportunidade de arrecadação e destinação de recursos para o país, tornando um mercado, já rentável, ainda mais seguro.
Anna Julia Costa
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados