Procedimentos Especiais de Jurisdição Voluntária no Novo CPC (Parte 3)
Leonardo Wykrota
Divórcio e separação consensuais, extinção consensual de união estável e alteração do regime de bens do matrimônio (arts. 731 a 734)
O Novo Código de Processo Civil (“NCPC”), em sintonia com a evolução legislativa da matéria (1), estendeu a aplicação do procedimento para homologação da separação consensual ao divórcio consensual, à extinção consensual de união estável e à alteração do regime de bens do matrimônio (NCPC, art. 732).
As partes interessadas no divórcio ou separação consensuais assinarão petição conjunta, requerendo a homologação de seu pedido pelo juiz competente. Serão igualmente observadas as disposições gerais sobre os procedimentos especiais e a petição deverá conter: (a) a descrição dos bens comuns do casal e a forma da partilha; (b) as disposições sobre a pensão alimentícia entre os cônjuges; (c) o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes, incluindo o regime de visitas; bem como (d) o valor da contribuição de cada um para criar e educar os filhos (NCPC, art. 731).
Na ausência de nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, todavia, o casal poderá realizar o divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável em cartório, por meio de escritura pública que contenha os mesmos requisitos vistos acima (NCPC, art. 733), exigida a assistência de advogado ou defensor público para a celebração do ato (NCPC, art. 733, §2º) (2).
O divórcio e a separação poderão ser homologados mesmo quando não houver concordância sobre a partilha. Neste caso, a questão patrimonial será estabelecida posteriormente, na forma dos arts. 647 a 658 do NCPC (NCPC, art. 731, parágrafo único).
Já o pedido de alteração do regime de bens do casamento deverá expor as razões que justificam a alteração em petição igualmente assinada por ambos os cônjuges, ressalvados os direitos de terceiros (NCPC, art. 734). Aqui o procedimento sofre alteração em relação às disposições gerais, tendo em vista que, ao receber a petição inicial, o juiz além de determinar a intimação do Ministério Público, determinará a publicação de edital para dar publicidade ao ato (NCPC, art. 734, §1º). O objetivo é dar ciência do pedido de alteração a terceiros que eventualmente possam ser prejudicados pela mudança no regime de bens do casal. Daí a determinação de que o juiz somente decida o pedido de alteração trinta dias após a publicação do edital (NCPC, art. 734, §1º).
A respeito da publicação para ciência de terceiros, o Novo Código faculta aos cônjuges propor ao juiz meio alternativo de divulgação da alteração do regime de bens (NCPC, art. 734, §2º). Não havendo oposição e respeitado o mencionado lapso temporal de trinta dias, o juiz sentenciará dizendo se acolhe ou não a justificativa para alteração do regime de bens.
Após o trânsito em julgado da decisão favorável à alteração, a Secretaria providenciará a expedição dos mandados de averbação a serem apresentados aos cartórios de registro civil e de imóveis, além de ofício dirigido à Junta Comercial, quando o cônjuge for empresário (NCPC, art. 734, §3º).
Testamentos e codicilos (arts. 735 a 737)
O Novo Código pouco inovou, para além de ajustes no texto do Código anterior, no que diz respeito aos procedimentos para cumprimento de disposição de última vontade. Foi mantida, pois, a sistemática da legislação anterior, por sua vez atenta à disciplina civil da matéria, a qual distingue os testamentos em ordinários (público, cerrado e particular) e especiais (marítimo, militar e aeronáutico), e estes do codicilo (3). Permanece válida, assim, a afirmação alusiva ao procedimento previsto no Código anterior, de que se trata de expediente singelo e destinado a “(...) conhecer a declaração de última vontade do morto, verificar a regularidade formal do testamento e ordenar seu cumprimento” (4).
O Novo Código trata expressamente apenas das regras para validação dos testamentos ordinários, as quais se aplicam subsidiariamente aos especiais (NCPC, art. 737, §3º) e variam de acordo com a forma da disposição de última vontade. Em qualquer caso, porém, o procedimento terá início com a apresentação do testamento ao juízo competente (5). Daí em diante, tratando-se de testamento cerrado, o juiz deverá verificar a existência de algum vício externo, abri-lo e determinar que seja lido ao apresentante pelo escrivão (NCPC, art. 735).
Todo os atos então praticados deverão constar de termo de abertura lavrado na ocasião, com a indicação do apresentante e do modo como se obteve o testamento. Também deverá constar a data e o lugar do falecimento do testador, com as respectivas provas, a declaração de outras circunstâncias relevantes para os fins de validade ou cumprimento das disposições de última vontade (NCPC, art. 735, §1º).
O Ministério Público deverá ser ouvido e, não havendo dúvidas a serem esclarecidas, cabe ao juiz determinar o registro, arquivamento e cumprimento do testamento.
Após o registro, o testamenteiro será intimado para assinar o termo da testamentária. Na falta de testamenteiro nomeado ou estando ele ausente ou recusando o encargo, o juiz deverá nomear testamenteiro dativo, observando-se a preferência legal.
Compete ao testamenteiro cumprir as disposições testamentárias, obrigando-se a prestar contas em juízo daquilo que recebeu e despendeu.
As regras do procedimento de abertura do testamento cerrado aplicam-se subsidiariamente ao testamento público, cujo cumprimento pode ser requerido por qualquer interessado, mediante apresentação do respectivo traslado ou da certidão de testamento público em juízo (NCPC, art. 736). Também se aplicam ao testamento particular (NCPC, art. 737, §4º), cuja publicação poderá ser requerida pelo herdeiro, legatário, testamenteiro ou terceiro detentor do testamento (quando impossibilitado de entregá-lo a algum dos outros legitimados, cf. art. 737 do NCPC).
Os herdeiros que não tiverem requerido a publicação do testamento serão intimados para comparecer à audiência de validação das disposições de última vontade. No Código anterior, falava-se expressamente na inquirição das testemunhas que presenciaram o ato (CPC/1973, art. 1.130), condicionando-se a validade do testamento à confirmação por pelo menos três delas (CPC/1973, art. 1.133), facultando-se a manifestação dos interessados nos cinco dias subsequentes à oitiva (CPC/1973, art. 1.132). Já o Novo Código dispõe apenas que “verificando a presença dos requisitos da lei, ouvido o Ministério Público, o juiz confirmará o testamento” (NCPC, art. 737, §2º).
O legislador optou, pois, por eliminar a confirmação por pelo menos três testemunhas como requisito mínimo de validação do testamento. Até porque, mesmo sob a égide da legislação anterior, o recebimento e a aprovação da disposição de última vontade não impediam o questionamento de seu conteúdo (ou mesmo a invalidade por aspectos formais) nas vias ordinárias (6). Ao que tudo indica, o intuito é evitar a anulação prematura da disposição de última vontade, por apego à lógica tarifária ao se aferir a validade do testamento. Desse modo, os depoimentos tomados poderão, futuramente, servir para formar a convicção do magistrado a respeito da validade ou não do testamento.
Leonardo Wykrota
Sócio responsável pela equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados.
(1) A Lei nº 11.441, de 04.01.2007, já havia alterado o Código de Processo Civil para possibilitar a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa. O Novo Código segue essa tendência, permitindo a homologação judicial do pedido, inclusive facultando a via extrajudicial nos casos em que o casal não tiver nascituro ou filhos incapazes.
(2) Vale anotar que a escritura pública de divórcio consensual, a separação consensual ou extinção consensual de união estável prescinde de homologação para registro e serve como prova para autorizar o levantamento de valores depositados em instituições financeiras (NCPC, art. 733, §1º).
(3) Testamento, na autorizada lição de Caio Mário da Silva Pereira, é negócio jurídico unilateral, personalíssimo, gratuito, solene e revogável, pelo qual a pessoa “dispõe de seus bens para depois de sua morte, ou faz outras declarações de última vontade” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. v. VI, p. 130). A lei autoriza, porém, que sejam feitas por instrumento particular datado e assinado e sem maiores formalidades, certas disposições de última vontade mais simples, quais sejam, substituir ou nomear testamenteiro, dispor sobre o enterro ou esmolas de pouca monta, legar móveis, roupas ou joias de uso pessoal e não muito valiosas. A esse instrumento, dá-se o nome de codicilo (cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. v. VI, p. 170).
(4) THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. III, p. 373. Ou seja, “não entra o juiz em questões de alta indagação, que poderão ser discutidas pelas vias ordinárias. Nem mesmo as interpretações das cláusulas testamentárias são feitas nesse procedimento gracioso. Só deve o juiz negar o ‘cumpra-se’ quando seja visível a falta de requisito essencial, como a inobservância do número de testemunhas ou violação do invólucro do testamento cerrado.” (THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. III, p. 373).
(5) A competência para determinar o cumprimento das disposições de última vontade é a do local onde se encontrar o apresentador do documento (cf. MENDONÇA LIMA, Alcides de. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 1982. v. XII. p. 223; THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. III, p. 374).
(6) Na lição de Alexandre Freitas Câmara: “(...) a aprovação do testamento (ou codicilo) não impede seja ele, posteriormente, impugnado em processo de jurisdição contenciosa, ainda que por vício formal, já que, como se sabe, a decisão proferida em processo de jurisdição voluntária não alcança a autoridade de coisa julgada material” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. v. I, p. 506).