Mudanças promovidas na Lei Geral de Desapropriações pela MP 700/15 (Parte 1)
Maria Tereza Fonseca Dias
O Decreto-Lei nº 3.365/1941 (“DL 3.365/41”), que dispõe sobre a desapropriação, sofreu diversas alterações promovidas pela Medida Provisória nº 700, editada em 8 de dezembro de 2015 (“MP 700/15”). O objetivo destas alterações é dar maior clareza à aplicação da legislação, considerando a existência de divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre a matéria.
As alterações foram muitas, mas serão discutidos nesta oportunidade: (1) a desapropriação de bens públicos no sistema federativo (art. 2º, §2º e §2º-A); (2) a ampliação dos agentes privados que podem executar e/ou promover as desapropriações (art. 3º); e (3) os efeitos da declaração de utilidade pública (art. 7º). As alterações promovidas pela MP 700/15 também gerarão impactos significativos no âmbito das concessões urbanísticas – instrumento por meio do qual o poder público transfere ao agente privado a tarefa de executar operações urbanas; nos assentamentos sujeitos a regularização fundiária de interesse social e na abrangência e conceito dos juros compensatórios (art. 15-A). Estes últimos aspectos merecerão comentário específico e ainda mais aprofundado.
1. Desapropriação de bens públicos no sistema federativo
A principal alteração quanto à desapropriação de bens públicos é a possibilidade de acordo entre os entes federativos nas hipóteses de desapropriação dos bens de domínio dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal pela União e dos bens de domínio dos Municípios pelos Estados. A regra geral para este tipo de desapropriação continua sendo a necessidade de autorização legislativa para que a desapropriação possa ser realizada. No entanto, com a possibilidade de realização de acordo entre os entes federativos para a desapropriação – previsto no §2º-A do art. 2º do DL 3.365/41, introduzido pela MP 700/15 –, deverão ser fixadas as respectivas responsabilidades financeiras quanto ao pagamento das indenizações correspondentes. A regra resolve um grande impasse que ocorria nas desapropriações de bens públicos, pois mesmo havendo acordo entre os entes, e até mesmo interesse comum na expropriação, era necessária a formalização do procedimento expropriatório por meio de autorização legislativa, tornando morosas e inexequíveis essas desapropriações.
2. Agentes privados que podem executar e/ou promover as desapropriações
Na legislação vigente já era possível que uma entidade federativa declarasse de utilidade/necessidade pública ou interesse social um determinado bem, e um terceiro promovesse a desapropriação. Estes terceiros eram os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas de poder público. Além de aperfeiçoar a redação do dispositivo anterior, o art. 3º introduzido pela MP 700/15 ampliou o rol de terceiros que podem executar a desapropriação. Assim, de acordo com o novo dispositivo, poderão promover a desapropriação mediante autorização expressa constante de lei ou contrato:
“I – os concessionários, inclusive aqueles contratados nos termos da Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, permissionários, autorizatários e arrendatários;
II – as entidades públicas;
III – as entidades que exerçam funções delegadas do Poder Público; e
IV – o contratado pelo Poder Público para fins de execução de obras e serviços de engenharia sob os regimes de empreitada por preço global, empreitada integral e contratação integrada.”
No aperfeiçoamento da redação do dispositivo, ficou textualmente prevista a possibilidade de a desapropriação ser promovida pelos “permissionários, autorizatários e arrendatários”, os quais já poderiam ser incluídos no conceito de “delegatários”, presente na redação anterior.
A ampliação ocorrida, para além dos concessionários de serviços públicos e dos parceiros público-privados, decorre da possibilidade de particulares promoverem a desapropriação em virtude de contratos oriundos da Lei nº 8.666/1993 e do Regime Diferenciado de Contratações (Lei nº 12.462/2011) para fins de execução de obras e serviços de engenharia. Assim, não só concessionários e delegatários de serviços públicos poderão promover a desapropriação, mas também os contratados no âmbito de obras públicas. Esta ampliação vai ao encontro das novas legislações editadas no âmbito da gestão compartilhada, entre o setor público e privado, de infraestrutura.
A alteração promovida também deixou claro que, quando os particulares forem promover a desapropriação, o edital de licitação que originou o contrato que cria esta obrigação de promover a expropriação deverá prever expressamente:
“I – o responsável por cada fase do procedimento expropriatório;
II – o orçamento estimado para sua realização; e
III – a distribuição objetiva de riscos entre as partes, incluído o risco pela variação do custo das desapropriações em relação ao orçamento estimado.”
Trata-se, portanto, de ampliação do rol de legitimados para executar a desapropriação, e não de uma inovação legislativa propriamente dita.
3. Efeitos da declaração de utilidade pública
A nova redação do art. 7º, reproduzida a seguir, aprimorou a redação dos efeitos da declaração de utilidade pública. Já estava previsto que as autoridades administrativas poderiam “penetrar nos prédios” objeto da expropriação, podendo recorrer a auxílio de força policial. A redação, em consonância com o que foi discutido no item anterior, previu que também seus “representantes autorizados”, ou seja, os elencados no art. 3º, possam fazê-lo. O escopo desta autorização tornou-se mais preciso para incluir a possibilidade de realização de inspeções e levantamentos de campo.
“Art. 7º. Declarada a utilidade pública, ficam as autoridades administrativas do expropriante ou seus representantes autorizados a ingressar nas áreas compreendidas na declaração, inclusive para realizar inspeções e levantamentos de campo, podendo recorrer, em caso de resistência, ao auxílio de força policial.”
Uma questão que a nova redação não corrige é a incompatibilidade desta previsão com a inviolabilidade do domicílio, prevista no art. 5º, XI, da Constituição da República, na qual a desapropriação não é exceção à entrada em imóvel particular. Conforme o dispositivo citado, “[...] XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
Seria necessário, portanto, buscar maior compatibilidade entre o poder expropriatório do Estado de interferir na propriedade privada e os direitos fundamentais dos cidadãos, albergados na Carta Magna.
Outra questão preliminar importante a ser destacada é o tratamento da matéria por Medida Provisória, notadamente por se tratar de assunto que não é enquadrado nas hipóteses de urgência e relevância, devendo ser discutida, de maneira mais aprofundada, no âmbito do devido processo legislativo, por se tratar de interferência do Estado na propriedade e no exercício do seu poder excepcional de aquisição originária e compulsória da propriedade.
Maria Tereza Fonseca Dias
Consultora em Direito Público do VLF Advogados.