Resolução Normativa nº 1.000/2021 da ANEEL: simplificação das normas de energia elétrica e fortalecimento dos direitos dos consumidores
Lucas Santos Auer e Raul Celistre Oliveira Freitas
Em dezembro de 2023, completarão dois anos da publicação da Resolução Normativa nº 1.000/2021, da Agência Nacional de Energia Elétrica (“ANEEL”), que representou importante passo para simplificar as normas e reforçar os direitos dos consumidores no setor de distribuição de energia elétrica no Brasil. O advento desta resolução conduziu a amplo diálogo com diversas entidades e instituições, incluindo o Conselho Nacional de Consumidores de Energia Elétrica, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica, o que garantiu que as mudanças fossem desenvolvidas levando em conta diferentes perspectivas, buscando estabelecer relacionamento mais transparente e justo entre as distribuidoras de energia elétrica e os usuários desse serviço essencial.
A Resolução Normativa nº 1.000/2021 consolidou as principais regras que regem o setor de energia elétrica no país. Ela unificou o conteúdo de 61 (sessenta e uma) normas anteriores, revogando-as, além de ter incorporado parcialmente o conteúdo de 3 (três) resoluções, simplificando, assim, o sistema regulatório. Houve também a simplificação da linguagem utilizada, com a adoção de frases mais curtas e estrutura mais direta, a fim de que a resolução passasse a ser mais acessível aos interessados.
Outra mudança introduzida foi a ênfase à aplicação do Código de Defesa do Consumidor (“CDC”), com destaque para o direito à restituição em dobro nos casos de cobrança indevida por parte da distribuidora e o prazo de até 5 (cinco) anos para solicitar o ressarcimento de danos causados a equipamentos pela falha no fornecimento de energia.
Confira a seguir alguns aspectos relevantes destacados na norma:
Ressarcimento de danos (art. 599 ao art. 621): Os consumidores passaram a ter até 5 (cinco) anos para solicitar o ressarcimento por danos causados por falhas no fornecimento de energia, podendo consertar o equipamento por conta própria antes do término do prazo de verificação pela distribuidora. Além disso, caso o consumidor faça o pedido em até 90 (noventa) dias, o rito será simplificado, sendo desnecessária a apresentação de nota fiscal ou outro documento que comprove a aquisição do bem antes da data provável da ocorrência do dano elétrico, como também, comprovação ou declaração das condições em que ocorreu o dano.
Mudança para imóvel com conta de luz atrasada (III, art. 346): Caso o ocupante anterior do imóvel tenha deixado dívidas de conta de luz em atraso, a distribuidora de energia elétrica não poderá mais cobrar do novo ocupante, nem exigir que ele assine qualquer termo de compromisso se responsabilizando pela quitação. Ou seja, a dívida fica vinculada ao ocupante e não ao imóvel. Tal regra já existia em resolução normativa da ANEEL, mas agora passou a ser mais explícita.
Simplificação de prazos para conexão à rede (art. 90): A Lei nº 14.195/2021, que tratou da Modernização do Ambiente de Negócios no Brasil e abrangeu segmento relacionado à obtenção de eletricidade, estabeleceu prazo de 45 (quarenta e cinco) dias para a conexão de unidades consumidoras do Grupo A, com potência contratada de até 140 kVA, em áreas urbanas, a uma distância de até 150 metros da rede elétrica e que não demandassem obras de ampliação, reforço ou melhoria no sistema de distribuição. Por enquanto, esse novo prazo se aplica às capitais, devendo ser estendido aos demais municípios a partir de 1º de janeiro de 2024.
Devolução de cobrança indevida (art. 323): Se a distribuidora realizar cobrança indevida, em excesso, o valor deverá ser devolvido em dobro. A devolução apenas será no mesmo valor pago se a cobrança indevida tiver ocorrido por responsabilidade exclusiva do consumidor ou de terceiros não relacionados à distribuidora, hipótese em que a distribuidora deverá justificar sua decisão por escrito.
Conexão gratuita de comunidades indígenas/quilombolas (§1º do art. 104): Com a resolução, foi reconhecido o direito ao atendimento gratuito nessas comunidades com fundamento na Constituição Federal de 1988, ainda que o imóvel já seja atendido.
Necessidade de avisar quando começa o corte de energia (art. 360): A empresa distribuidora passou a ser obrigada a comunicar ao consumidor o dia inicial da suspensão de fornecimento, conforme garantido pela Lei nº 14.015/2020, além de prestar informações sobre a cobrança durante esse período e informar prazo para retorno.
Redução de juros na quitação antecipada das parcelas do débito (§ 4º do art. 344): O consumidor possui o direito à quitação antecipada do parcelamento, total ou parcial, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos. Tal direito já existia no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) e foi reforçado pela Resolução Normativa nº 1.000/2021.
Vedação de corte de energia nos finais de semana e feriados (art. 359): Passou a ser vedada a suspensão do fornecimento de energia por falta de pagamento nas sextas-feiras, sábados, domingos, feriados ou vésperas de feriado, conforme garantido pela Lei nº 14.015/2020.
Pagamento de compensações financeiras por descumprimento de prazos por parte da distribuidora (art. 440): Com a resolução, a compensação financeira por atraso foi majorada com o intuito de incentivar as distribuidoras a cumprir seus prazos. O cálculo da compensação é feito com base em fórmula que considera coeficientes de compensação diferenciados a partir do grupo de utilização de energia ao qual pertence o imóvel e o tempo pelo qual o prazo foi descumprido.
Atendimento ao consumidor (art. 370 ao art. 431): Com a Resolução Normativa nº 1.000/2021, foram criadas possibilidades de atendimento do consumidor. Dentre elas, autoatendimento gratuito, videochamada em postos presenciais, atendimento via internet, chat ou e-mail e reclamação na plataforma consumidor.gov do Ministério da Justiça, cuja adesão passou a ser obrigatória para todas as distribuidoras. Além disso, a geração de protocolo de atendimento passou a ser obrigatória em todos os canais e, em caso de ligação telefônica, a chamada não pode ser finalizada até ser concluído o atendimento, como determina a Lei do Serviço de Atendimento ao Consumidor (“SAC”).
Micro e minigeração distribuída: A consolidação aprimorou os procedimentos e condições para a conexão das instalações do consumidor e demais usuários, o que incluiu as unidades consumidoras com geração distribuída, melhorando as condições e tornando mais claras as regras em relação àqueles que utilizam geradores a fim de abater o consumo de energia elétrica da unidade. Não houve mudança nas regras de participação financeira e o sistema de compensação continua conforme previsto na Resolução Normativa nº 482/2012, que permanece em vigor.
Como se vê, não há dúvidas de que a Resolução Normativa nº 1.000/2021 da ANEEL representou marco significativo na regulamentação do setor de energia elétrica no Brasil. Ao simplificar as normas, foram prestigiados os direitos dos consumidores, promovendo relacionamento mais equilibrado entre as partes, aumentando a qualidade dos serviços e garantindo, assim, a equidade e transparência para todos os envolvidos.
Lucas Auer
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Raul Celistre de Oliveira Freitas
Estagiário da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados