Tipos contratuais em série: contrato de prestação de serviços vs. contrato de empreitada
Felipe Melazzo e Fernanda Galvão
Muitos são os contratos regulados pelo Código Civil. Classificados como contratos “típicos”, e regulados pelos artigos 481 a 853-A, alguns desses instrumentos apresentam similaridades que, na prática contratual, podem gerar dúvidas para os contratantes na definição do tipo apto a regular a operação pretendida.
Esse é o caso dos contratos de empreitada e de prestação de serviços, sendo em sentido amplo ou nomeado como contrato de prestação de serviços civil, isto é, que não está sujeito à legislação trabalhista e demais leis especiais.
No contexto empresarial, as dúvidas surgem, pois, ambos os tipos contratuais envolvem, em alguma medida, a execução de trabalho humano e podem ser aplicáveis a uma mesma operação, principalmente quando essa envolve construção de bem móvel (equipamentos, máquinas, veículos etc.) ou imóvel (construções, edifícios, pontos comerciais etc.).
Entretanto, tal similaridade não está limitada aos dias atuais e remonta ao Direito Romano. Os contratos de prestação de serviços e empreitada eram originários de uma mesma classificação e figuravam duas das três formas de locações existentes, ao lado da locação de coisas (ou locatio-conductio rerum); o contrato de prestação de serviços como “locação de serviços” (ou locatio conductio operarum) e o contrato de empreitada como “locação de obras” (ou locatio conductio operis). Entretanto, ressalta-se, desde já, que tal classificação não é atualmente utilizada, tendo sido, inclusive, abandonada pelo Código Civil, por representarem “um estágio menos evoluído das relações econômicas e sociais” (1).
Dito isso, neste primeiro texto da coleção “Tipos contratuais em série”, o objetivo é apresentar o conceito de cada um desses tipos para diferenciar os seus principais aspectos a partir do ponto de vista empresarial. Entretanto, não se pretende esgotar aqui todas as diferenças existentes, mas sim apresentar aquelas suficientes para auxiliar a eleição e identificação desses tipos contratuais.
1) Contrato de prestação de serviços
O contrato de prestação de serviços regulado pelos artigos 593 a 609 do Código Civil, consiste naquele em que um dos contratantes (o prestador de serviços) se obriga perante a outra parte (o tomador) a lhe fornecer a prestação da sua atividade, mediante remuneração. Nesse caso, o objeto do contrato consiste na prestação de atividade, que pode ser de natureza intelectual, material ou física (resultantes da energia humana), a ser aproveitada por outro (2). No contrato de prestação de serviços, portanto, o contratante que presta o serviço executa a atividade pretendida a partir de normas técnicas aplicáveis à arte ou ao ofício em questão (3).
Além disso, nesse contrato típico a remuneração a ser paga não está necessariamente subordinada ao resultado esperado da atividade contratada. Isso significa que a simples prestação dos serviços conforme as regras ajustadas no contrato dá direito ao pagamento (4). Nesse sentido, para a remuneração são levados em consideração fatores da atividade em si, como o tempo despendido, a reputação do profissional, os recursos do cliente e a importância do serviço (5).
2) Contrato de empreitada
A empreitada, regulada pelos artigos 610 ao 626 do Código Civil, é o tipo contratual em que uma das partes (o empreiteiro) se obriga a realizar certo trabalho ou obra para a outra (o dono da obra), sem subordinação ou dependência, com material próprio ou fornecido pelo dono da obra, mediante remuneração global ou proporcional ao trabalho executado (6).
No contrato de empreitada o objeto regulado consiste na obra executada, que pode ser de natureza material, intelectual, artística ou artesanal (7). Logo, por meio desse contrato, o empreiteiro se obriga a entrega do resultado de seu trabalho, isto é, a obra, e passa a ser remunerado por ela (8).
3) Principais diferenças entre prestação de serviços e empreitada
Ultrapassado o conceito de cada um dos tipos contratuais em exame, serão apresentadas as principais diferenças entre os contratos de prestação de serviços e de empreitada. Ressalta-se que se pretende também retomar e aprofundar as noções trazidas acima, na medida em que as diferenças entre eles são apresentadas.
3.1) Distinções em relação à maneira de execução
Na prestação de serviços, geralmente, a execução do contrato é dirigida e fiscalizada pelo tomador, a quem o prestador de serviços fica subordinado, com exceção daquilo que se refere à técnica ou às qualidades profissionais necessárias aos serviços (9).
Na empreitada a lógica se inverte. Isso porque, compete ao próprio empreiteiro, isto é, aquele que executa a obra, a direção e fiscalização das suas atividades. Nesse sentido, o dono da obra não tem interferência sobre a condução dos trabalhos, tendo em vista que lhe cabe apenas receber a obra concluída (10).
3.2) Distinções em relação ao objeto e à obrigação principal a ser executada
As distinções acima decorrem diretamente da diferença entre os objetos que cada um desses tipos contratuais regula. Se na prestação de serviços a obrigação principal a ser executada é a atividade em si, é razoável que aquele que toma os serviços tenha interesse em como ela irá se desenrolar para que o resultado pretendido com o contrato seja atendido, ainda que essa frequentemente não seja a finalidade principal do contrato. Contrária é a lógica do contrato de empreitada, em que a obrigação principal é a obra já finalizada por outrem, independentemente da forma que foi realizada.
Nesse mesmo sentido, e ainda sobre as obrigações a serem executadas por meio desses contratos, pode se estabelecer que, usualmente, no contexto empresarial e nas operações relacionadas à construção de bem móvel ou imóvel, para fins de responsabilidade civil, na prestação de serviços, a obrigação principal pactuada no instrumento é obrigação de meio, e na empreitada, obrigação de resultado.
Isso significa que, nesses casos, na prestação de serviços a essência da obrigação é a reunião de todos os esforços do devedor para atingir determinado objetivo. Já na empreitada, a obrigação está diretamente ligada à entrega do resultado, isto, é ao bem jurídico almejado com o contrato, nesse caso a obra (11).
3.3) Distinções quanto a forma de pagamento
Podem ser estabelecidas distinções também em relação a forma de remuneração dos contratos de prestação de serviços e dos contratos de empreitada, que também decorrem diretamente da diferença dos seus objetos.
Como adiantado anteriormente, no contrato de prestação de serviços, geralmente, a remuneração é calculada a partir da atividade em si, isto é, a partir do período gasto na execução dos serviços (horas, dias ou meses trabalhados), por exemplo. Diferente do que ocorre, em geral, no contrato de empreitada em que a remuneração é global ou proporcional ao trabalho e entregas executadas, não importando – para fins de remuneração – o tempo gasto no seu desenvolvimento (13).
Além disso, na empreitada, a liberação do pagamento, geralmente, depende do êxito da execução de cada etapa da obra, ao contrário da prestação de serviços, em que a remuneração é devida independentemente do resultado da obra (14) e à medida que os serviços são prestados.
4) Breves reflexões conclusivas
Esclarecidas as noções e distinções dos contratos de prestação de serviços e de empreitada, cabe sumarizar as informações trazidas:
Objeto contratual:
Prestação de Serviços: Atividade a ser realizada;
Empreitada: Obra a ser executada.
Tipo de obrigação principal para fins de responsabilidade civil:
Prestação de Serviços: Geralmente pactuada obrigação de meio;
Empreitada: Geralmente pactuada obrigação de resultado.
Forma de execução:
Prestação de Serviços: Com fiscalização e direção do tomador;
Empreitada: Sem fiscalização e direção do dono da obra.
Remuneração:
Prestação de Serviços: Geralmente ligada ao tempo despendido na atividade;
Empreitada: Ligada à entrega total ou parcial da obra.
Conhecer as principais diferenças entre esses tipos contratuais são de extrema importância para a definição da melhor formatação para regular a divisão de responsabilidades e riscos pretendida pelas partes contratantes. É de suma importância então, que as cláusulas sejam redigidas de forma a refletir esses tipos de ajustes entre as partes.
Ressalta-se que as características e distinções demonstradas acima foram estabelecidas com o intuito meramente didático para diferenciação dos tipos pretendidos. Isso significa, portanto, que elas não são estanques e absolutas. Logo, no âmbito dos respectivos tipos contratuais, essas características podem ser moduladas a depender da vontade das partes e das respectivas permissões e limites legais.
Nesse sentido, o VLF Advogados, sempre atento às necessidades de seus clientes, possui equipe especializada de consultoria em contratos com ampla experiência na redação e negociação dos mais variados tipos de contratos, incluindo prestação de serviços e contratos de empreitada. Caso queira saber mais sobre o tema, inclusive quanto à divisão de responsabilidades, riscos e formas de encerramento, basta entrar em contato conosco.
Felipe Melazzo
Advogado da Equipe de Consultoria e Compliance do VLF Advogados
Fernanda Galvão
Sócia-executiva e Coordenadora da Equipe de Consultoria e Compliance do VLF Advogados
(1) Sobre a utilização da palavra “locação” para se referir aos contratos de prestação de serviços: “A expressão utilizada sofreu hostilização de muitos, por ser deprimente à dignidade humana quanto aos termos utilizados, os quais podem sugerir uma forma de uso da pessoa mediante pagamento, aventando-se mais correta a denominação “prestação de serviços”. Mesmo a conceituação unitária das três espécies não é aceita, pois seria tolerável num estágio menos evoluído das relações econômicas e sociais. Atualmente apresentam-se radicalmente diferentes os objetivos, tendo desaparecido a unidade que inicialmente pode ter existido.” (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2022, 2023. E-book. p. 561).
(2) PEREIRA, Caio Mário da S. Instituições de Direito Civil: Contratos. v. III. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. E-book. p. 363.
(3) AICARDI, Cerutti apud PEREIRA, Caio Mário da S. Instituições de Direito Civil: Contratos. v. III. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. E-book. p. 366.
(4) RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2022, 2023. E-book. p. 563.
(5) GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2022. E-book. p. 329.
(6) PEREIRA, Caio Mário da S. Instituições de Direito Civil: Contratos. v. III. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. E-book. p. 302.
(7) ENNECERUS apud PEREIRA, Caio Mário da S. Instituições de Direito Civil: Contratos. v. III. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. E-book. p. 303.
(8) GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2022. E-book. p. 335.
(9), (10), (12) e (13) RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2022, 2023. E-book. p. 581.
(11) CAMBLER apud PEREIRA, Caio Mário da S. Instituições de Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações. v. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2023. E-book. p. 63.