Saiba quando não se aplica o CDC aos contratos bancários
Artur Cronemberger Rufino Madeiro
O Código de Defesa do Consumidor (“CDC”) foi criado para promover a defesa do consumidor e objetiva, principalmente, reequilibrar as forças dos sujeitos da relação consumerista, diminuindo a vulnerabilidade do consumidor e limitando práticas nocivas no mercado (1).
Pra viabilizar a consecução dos seus objetivos, o CDC introduziu algumas inovações no ordenamento jurídico brasileiro, como: (i) elenco de direitos básicos dos consumidores e instrumentos de implementação; (ii) melhoria do regime jurídico dos prazos prescricionais e decadências; (iii) ampliação das hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica das sociedades; (iv) controle das práticas e cláusulas abusivas, bancos de dados e cobrança de dívidas de consumo; e, especialmente (v) a facilitação da defesa do consumidor mediante o regime da responsabilidade objetiva e da inversão do ônus da prova (2).
A prática forense mostrou que o regime da responsabilidade objetiva impacta bastante no processo judicial, pois visa à reparação integral dos danos, eximindo o consumidor do ônus de provar a culpa dos réus e, portanto, constitui aspecto material do acesso à justiça (3).
Além disso, o mecanismo da inversão do ônus probatório quebra a tradicional regra do processo civil, a qual define que o autor é incumbido de provar os fatos alegados na Petição Inicial. O Juiz pode, no caso concreto, inverter o ônus da prova se entender que as alegações do autor são verossímeis e que há disparidade técnica e informacional entre as partes, ou seja, que o consumidor é vulnerável.
Muito ainda se discute sobre as atividades e os tipos de negócios jurídicos que devem ser enquadrados no microssistema consumerista. Em relação à atividade bancária, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) editou a súmula nº 297, com o seguinte enunciado: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições Financeiras”. Evidentemente, a figura do consumidor deve se fazer presente para que determinado caso concreto seja julgado à luz do CDC.
Existem diferentes correntes doutrinárias que debatem o conceito de consumidor, e, consequentemente, consideram em quais casos é aplicado o CDC ao caso concreto.
A Teoria Finalista, expressamente adotada pelo CDC, vê como consumidor aquele que é o destinatário final fático e econômico do serviço, ou seja, aquele que é o último da cadeia de consumo e que não utiliza o produto ou serviço para lucro, repasse ou transmissão onerosa (4).
O STJ, porém, adota a Teoria Finalista Mitigada, que viabiliza extensiva releitura do conceito de consumidor: “É considerada consumidora a pessoa física ou jurídica que, embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, comprove sua vulnerabilidade (5)”.
Em recente julgado, REsp nº 1.497.574/SC, a Quarta Turma do STJ decidiu que o CDC não se aplica aos contratos de empréstimo firmados com bancos que têm por finalidade fomentar a atividade empresária, pois, nesses casos, as sociedades empresárias não se enquadrariam no conceito de consumidor.
O Relator do Acórdão, Ministro Raul Araújo, destacou que a sociedade empresária que contrata financiamento bancário não é a destinatária final do serviço, pois o empréstimo tem o intuito único de potencializar a atividade produtiva e lucrativa. Além disso, entendeu que no caso concreto não havia a comprovação de vulnerabilidade ou de desvantagem da sociedade empresária em relação à instituição financeira. Veja-se:
Nos termos da jurisprudência do STJ, em regra, com base na Teoria Finalista, não se aplica o CDC aos contratos de empréstimo tomados por sociedade empresária para implementar ou incrementar suas atividades negociais, uma vez que a contratante não é considerada destinatária final do serviço e não pode ser considerada consumidora, somente sendo possível a mitigação dessa regra na hipótese em que demonstrada a específica condição de hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica (6).
A recente decisão ratifica a jurisprudência do Tribunal Superior e se mostra relevante para as sociedades empresárias porque elenca, de forma específica e didática, os requisitos para o enquadramento no conceito de consumidor e, consequentemente, para a aplicação do CDC.
Logo, a sociedade empresária que tomou empréstimo bancário para incrementar o seu negócio pode não ser enquadrada na condição de consumidora, restando-lhe, ainda, a possibilidade de demonstrar a sua vulnerabilidade e hipossuficiência em relação ao fornecedor na tentativa de, ainda assim, atrair a aplicação do CDC e obter facilitação da defesa – através do regime da responsabilidade objetiva e da inversão do ônus probatório, dentre outros.
Artur Cronemberger Rufino Madeiro
Advogado da Equipe de Contencioso Cível Estratégico do VLF Advogados
(1) THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do Consumidor. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, v.1, p. 22.
(2) GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; NERY JÚNIOR, Nelson; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, v. 1, p. 8.
(3) e (4) TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 6. ed. São Paulo: MÉTODO, 2017. p. 60.
(5) STJ, 3ª Turma, REsp nº 2.001.086/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe de 30/9/2022.
(6) STJ, 4ª Turma, REsp nº 1.497.574/SC, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe de 3/11/2023.