Decisão do STF reconhece a constitucionalidade da lei que autoriza retomada de imóveis financiados sem ordem judicial, em caso de inadimplência
Fernanda Ciancaglio Valentim
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (“STF”), no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 860.631 (1), com repercussão geral (Tema 982), formou maioria para reconhecer a constitucionalidade e consequente validade da Lei nº 9.514/1997 (2), que autoriza bancos ou instituições financeiras a consolidarem a propriedade do imóvel financiado em seu patrimônio e levar o bem a leilão, sem autorização judicial, em caso de inadimplência (3).
No caso que originou o julgado, um devedor fiduciário inadimplente buscou impedir o leilão do seu imóvel financiado e questionou a legalidade da alienação do bem realizada em cartório pela Caixa Econômica Federal (“CEF”). Para o autor da ação, a retomada do imóvel pelo banco não poderia ter sido feita de forma extrajudicial (em cartório), exigindo ordem judicial para a expropriação.
Ao julgar o caso, o Tribunal Regional Federal da Terceira Região (“TRF-3”) entendeu que a execução extrajudicial de título com cláusula de alienação fiduciária com garantia não viola as normas constitucionais, sendo o entendimento mantido pelo STF, nos termos do voto do Ministro Relator, Luiz Fux, sendo vencidos os Ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia.
Segundo o Ministro Relator, acompanhado pelos Ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Nunes Marques, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, essa modalidade de execução é constitucional e não afasta o controle judicial, porque, caso se verifique alguma irregularidade, o devedor poderá acionar a Justiça para resguardar seus direitos. O Ministro ressaltou, ainda, que os requisitos do contrato tiveram consentimento expresso das partes contratantes.
Em complemento, o Ministro Luís Roberto Barroso ressaltou o impacto positivo dessa medida na diminuição dos custos para obtenção de crédito e na redução da demanda a poder judiciário já sobrecarregado.
O Ministro Edson Fachin, por sua vez, apresentou voto divergente, em defesa ao direito fundamental à moradia. Segundo ele, a execução extrajudicial confere poderes excepcionais a uma das partes do negócio jurídico, restringe de forma desproporcional o âmbito de proteção do direito fundamental à moradia do devedor e afronta os princípios do devido processo legal, do acesso à justiça e do juiz natural. Esse entendimento foi seguido pela Ministra Carmem Lúcia, para quem o ônus da judicialização não poderia ser imputado ao devedor.
Apesar da divergência, considerando a maioria, o STF validou o procedimento extrajudicial previsto para a retomada de imóvel financiado e fixou a seguinte tese: “É constitucional o procedimento da Lei nº 9.514/1997 para a execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia, haja vista sua compatibilidade com as garantias processuais previstas na Constituição Federal”.
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Fernanda Ciancaglio Valentim
Advogada da equipe de contencioso cível do VLF Advogados.
(1) BRASIL. Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997. Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 20 nov. 2023.
(2) STJ. RE n. 860.631/SP, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 26/10/2022, DJe de 09/11/2023.
(3) Art. 26. Vencida e não paga a dívida, no todo ou em parte, e constituídos em mora o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante, será consolidada, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário. §1º Para fins do disposto neste artigo, o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante serão intimados, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do registro de imóveis competente, a satisfazer, no prazo de 15 (quinze) dias, a prestação vencida e aquelas que vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive os tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel e as despesas de cobrança e de intimação. (...) § 3º A intimação será feita pessoalmente ao devedor e, se for o caso, ao terceiro fiduciante, que por esse ato serão cientificados de que, se a mora não for purgada no prazo legal, a propriedade será consolidada no patrimônio do credor e o imóvel será levado a leilão nos termos dos arts. 26-A, 27 e 27-A desta Lei, conforme o caso, hipótese em que a intimação poderá ser promovida por solicitação do oficial do registro de imóveis, por oficial de registro de títulos e documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento, situação em que se aplica, no que couber, o disposto no art. 160 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos).