Desvendando conceitos no direito de empresa: capital social e patrimônio
Gabriel Calaes e Paulo Vítor Ângelo
No ambiente de negócios, não é incomum que empreendedores, gestores, investidores e/ou clientes conduzam suas atividades mesmo sem conhecer conceitos básicos do direito de empresa, ainda que intimamente relacionados aos papéis por eles desempenhados. No presente artigo, abordaremos as principais diferenças existentes entre as noções de capital social e patrimônio, cuja correta compreensão pode ser de fundamental importância na definição da estrutura societária e financeira de uma organização, assim como na orientação de decisões que visem à gestão eficiente de seus recursos.
Fixado no contrato social ou no estatuto, o capital social pode ser definido simplificadamente como a expressão numérica, em moeda, do somatório das contribuições a que se obrigam os sócios para o desenvolvimento das atividades da sociedade (1). Em outras palavras, representa o valor das entradas realizadas pelos sócios declaradamente vinculadas aos negócios que constituem o objeto social (2). O capital social deve ser expresso em moeda corrente nacional (3)(4), podendo ser integralizado em dinheiro, em créditos, ou por meio de quaisquer bens suscetíveis de avaliação econômica (5).
A função primordial do capital social é a de garantir à sociedade, em primeiro momento, os meios mínimos necessários para a realização de seus fins (6). Mas não é só. A cifra correspondente ao capital social desempenha vários outros papéis cruciais no contexto de uma organização, servindo de parâmetro para a avaliação de sua performance financeira e de instrumento para a garantia de credores, na medida em que eventuais lucros apurados pela entidade apenas poderão ser distribuídos a seus sócios quando seu patrimônio real (analisado abaixo) superar a cifra do capital social. No plano interno das sociedades, atua o capital social, ainda, como referencial para a atribuição de direitos políticos e patrimoniais aos sócios – como, por exemplo, o direito de voto e o direito de participação nos lucros, comumente atribuídos aos sócios proporcionalmente a suas respectivas contribuições para a formação do capital social (7).
O patrimônio, por sua vez, corresponde a todo o complexo de ativos e passivos dos quais a sociedade é possuidora. Compreende, assim, sob a perspectiva dos elementos ativos, todos os bens e direitos da sociedade (como dinheiro, aplicações financeiras, créditos a receber, móveis, imóveis, dentre outros), e sob a perspectiva dos elementos passivos, todas as suas obrigações (como títulos a pagar, saldo devedor de empréstimos, folha salarial, impostos a serem quitados, dívidas com fornecedores, dentre outras) (8). Da diferença entre o total da soma dos ativos e o total da soma dos passivos, emerge o conceito do patrimônio líquido, valor residual comumente tido como pertencente aos sócios e indicativo do sucesso ou do insucesso financeiro da organização conforme o total dos ativos seja maior ou menor do que o total dos passivos.
Veja-se, ante o exposto, que o conceito de patrimônio se associa a valor real e dinâmico, cuja mensuração é de fundamental relevância para a tomada de decisões empresariais. Seu correto dimensionamento fornece uma visão clara dos recursos disponíveis e das obrigações a serem cumpridas pela organização no curto, médio e longo prazo, permitindo aos gestores a avaliação da saúde financeira da entidade e a adoção de estratégias adequadas para a maximização dos lucros ou a superação de contexto de crise. Além disso, a devida compreensão sobre a situação patrimonial de uma organização, atestada notadamente por meio da análise de suas demonstrações financeiras, é de extrema importância para investidores e partes interessadas (como credores, por exemplo), pois joga luzes sobre a capacidade da sociedade de cumprir com seus compromissos.
Uma forma simples de compreender a distinção entre capital social e patrimônio é assimilar que o primeiro reflete uma cifra estática, apenas alterável diante de eventuais aumentos ou reduções expressamente promovidas pelos sócios, ao passo que o segundo é mutável e oscilante, se modificando a cada momento de acordo com as ações da sociedade no mundo jurídico. Diferem-se, ademais, quanto à forma de exibição nas demonstrações financeiras da organização: enquanto o capital social figura como conta específica do patrimônio líquido, o patrimônio compreende todo o complexo formado pelas contas do ativo e do passivo, indistintamente.
Questão que normalmente se coloca, contudo, é se a cifra do capital social deve guardar constante relação com o patrimônio da organização, de modo que, havendo acréscimos ou decréscimos patrimoniais significativos, surja a necessidade de se promover o correspondente aumento ou redução do capital social.
No contexto legislativo e doutrinário brasileiro, o tema da discrepância entre capital social e patrimônio é relevante, suscitando considerações sobre a transparência e a qualidade das informações disponibilizadas ao mercado em geral pelas organizações. No entanto, a legislação societária não prevê, de modo geral, normas sobre capital mínimo ou sobre a obrigatoriedade de que seja mantida determinada proporção entre capital e patrimônio (9), razão pela qual prevalece o entendimento de que o capital social não precisa corresponder fielmente ao patrimônio da organização.
A equivalência entre o valor do capital social e o valor do patrimônio, inclusive, é muito rara de se verificar na prática. Ocorre, em regra, apenas no exato momento da constituição de determinada sociedade, uma vez que, com o início de suas atividades, a entidade irá “comprar, vender, alugar, remunerar serviços, realizar negócios, investir, tomar emprestado, pagar seus empregados e o fisco; em suma, irá praticar uma série de atos, que aumentam ou reduzem o seu patrimônio” (10), enquanto o capital social permanece fixo.
No entanto, havendo discrepância significativa entre o valor do capital social e o valor do patrimônio, notadamente em caso de perdas relevantes, torna-se recomendável que a entidade ajuste o valor do capital social de modo a refletir sua realidade patrimonial – não como obrigação prevista em lei, mas como medida de saneamento financeiro e como boa prática de governança corporativa, em atenção ao princípio da efetividade do capital social, que visa a garantir que o capital declarado efetivamente esteja disponível e seja utilizado nas operações da organização, protegendo a integridade do ambiente de negócios.
Gabriel Calaes
Advogado da Equipe de Consultoria Societária do VLF Advogados
Paulo Vítor Ângelo
Advogado da Equipe de Consultoria Societária do VLF Advogados
(1) GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 194.
(2) CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 49.
(3) BRASIL. Lei nº 10.406/2002 (Institui o Código Civil). Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: [...] III – capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária.
(4) BRASIL. Lei nº 6.404/1976 (Dispõe sobre as Sociedades por Ações). Art. 5º. O estatuto da companhia fixará o valor do capital social, expresso em moeda nacional.
(5) BRASIL. Lei nº 6.404/1976 (Dispõe sobre as Sociedades por Ações). Art. 7º. O capital social poderá ser formado com contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro.
(6) EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. v. 1, arts. 1º a 120. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 92.
(7) GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 351/352.
(8) BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 41-42.
(9) EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. v. 2, arts. 121 a 188. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 526.
(10) COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. 2, 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.