STJ admite penhora de quotas de sociedade limitada unipessoal para pagamento de credores particulares do sócio
Tamires Batista Fernandes e Bruno Costa Carvalho
No julgamento do Recurso Especial nº 1.982.730/SP, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) reconheceu a possibilidade de penhora da participação societária de devedor em sociedade limitada unipessoal, para adimplemento dos seus credores particulares, de forma excepcional. O Recurso Especial foi interposto no âmbito de Agravo de Instrumento pelo devedor contra decisão que rejeitou sua impugnação à penhora de quotas sociais da empresa que era titular.
No caso em questão, o Executado era titular de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (“Eireli”), que foi transformada em Sociedade Limitada Unipessoal, em razão do disposto na Lei nº 14.195/2021. Logo, sendo a sociedade constituída por um único sócio, responsável pelo capital social (1), a ele cabe a propriedade da quota, caracterizada, consequentemente, como direito pessoal de caráter patrimonial a integrar o conjunto de bens particulares do sócio.
Assim, por ser patrimônio do sócio, é cabível a aplicação do art. 1.026 do Código Civil (“CC”) que permite ao credor particular do sócio, na insuficiência de bens deste, direcionar a execução sobre a parte que lhe couber nos lucros da sociedade ou na parte que lhe tocar em liquidação. Nesse sentido, ao julgar o Recurso Especial nº 1.982.730/SP, o STJ reforçou que
a constituição da sociedade unipessoal, proveniente da vontade, das contribuições e do esforço de um único sócio, gerará um crédito em seu exclusivo benefício (ante a ausência de outros sócios) correspondente à totalidade de bens e direitos que compõem o ente empresarial, razão pela qual o acervo patrimonial da pessoa jurídica constituirá parte de um todo, que é o patrimônio particular do sócio único (2).
Ao assim decidir, o STJ deixou expressa a possibilidade de expropriação da participação societária, no todo ou em parte, desse devedor sócio, visando o pagamento dos seus credores particulares.
Cabe pontuar que o procedimento para se aperfeiçoar o pagamento é via liquidação da sociedade, na medida necessária ao adimplemento do débito exequendo, com a correspondente redução do capital social, nos moldes do art. 1.031, §1º e 861, ambos do CC, salvo liquidação total, desde que isso não impeça a continuidade da atividade empresarial. Caso a atividade seja inviabilizada, é feita a penhora da totalidade do direito, alienando a própria sociedade em seu conjunto, mediante análise do julgador. O saldo que porventura existir, decorrente da alienação, após o pagamento da dívida do sócio, será restituído a este (3).
O julgamento recente é reflexo do posicionamento do STJ esposado em 2001 no Recurso Especial nº 221.625/SP (4) e da discussão pacificada em 2006 na IV Jornada de Direito Civil, que resultou no Enunciado nº 388, assim redigido: “O disposto no art. 1.026 do Código Civil não exclui a possibilidade de o credor fazer recair a execução sobre os direitos patrimoniais da quota de participação que o devedor possui no capital da sociedade” (5).
A participação societária como bem penhorável, contudo, deve ser deferida em caráter excepcional e de acordo com a ordem de nomeação de bens à penhora (art. 835, CPC), pois a constrição pode ir de encontro aos princípios da menor onerosidade da execução e da preservação da empresa.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas junto à equipe da área do contencioso cível do VLF Advogados.
Bruno Costa Carvalho
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Tamires Batista Fernandes
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) Somatório de bens e valores aportados pelos sócios à sociedade para início da atividade empresarial, bem como limite da sua responsabilidade em sede de sociedade limitada. (XAVIER, José Tadeu Neves. Sociedade Limitada Unipessoal – SLU: aspectos teóricos e práticos – Londrina, Paraná: Thoth, 2021, p. 144)
(2) REsp n. 1.982.730/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 21/3/2023, DJe de 23/3/2023.
(3) Conforme art. 907 do CPC.
(4) RECURSO ESPECIAL? PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL? PENHORA DE QUOTAS SOCIAIS DE SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA? POSSIBILIDADE.
I - É possível a penhora de cotas pertencentes a sócio de sociedade de responsabilidade limitada, por dívida particular deste, em razão de inexistir vedação legal. Tal possibilidade encontra sustentação, inclusive, no art. 591, CPC, segundo o qual “o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”.
II - Os efeitos da penhora incidente sobre as cotas sociais devem ser determinados em levando em consideração os princípios societários. Destarte, havendo restrição ao ingresso do credor como sócio, deve-se facultar à sociedade, na qualidade de terceira interessada, remir a execução, remir o bem ou concedê-la e aos demais sócios a preferência na aquisição das cotas, a tanto por tanto (CPC, arts. 1117, 1118 e 1119), assegurando-se ao credor, não ocorrendo solução satisfatória, o direito de requerer a dissolução total ou parcial da sociedade.
(REsp n. 221.625/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 7/12/2000, DJ de 7/5/2001, p. 138.)
(5) BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado nº 388. IV Jornada de Direito Civil. Brasília, 2006. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/540. Acesso em: 21 dez. 2023.