Possibilidade de cessão de crédito originário de astreintes
Ana Paula Graçano Dalpizzol
Em recente decisão, no julgamento do Recurso Especial nº 199.9671/PR, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), por unanimidade, manteve decisão do Tribunal de Justiça do Paraná que reconheceu a possibilidade de cessão de crédito decorrente de astreintes (ou “multa cominatória”), consignando que elas não possuem caráter personalíssimo e que não há vedação legal nesse sentido.
Em seu voto, o Ministro Marco Aurélio Belizze, Relator do recurso, afirmou que as astreintes possuem natureza jurídica mista, já que, em primeiro momento, caracterizam-se como “coercitivas”, pois são aplicadas antes da ocorrência do dano, com o intuito de compelir o destinatário ao cumprimento de alguma obrigação, mas se tornam, em caso de descumprimento, “indenizatórias” para compensarem o dano advindo da demora.
O acórdão ressalva, no entanto, que o crédito das astreintes só será constituído definitivamente se houver a procedência da ação a que ele está ligado. Havendo procedência, o direito pleiteado na ação será desvinculado do direito ao crédito proveniente das astreintes, porque o caráter “indenizatório” deste último cria prestação autônoma, não acessória ao direito principal. Neste ponto, inclusive, a decisão está em consonância com o entendimento fixado há pouco pela Corte Superior no julgamento de EAREsp 1.883.876/RS, de que a sentença é requisito para execução da liminar que fixa astreintes, não havendo possibilidade de execução provisória.
Embora o acórdão do EAREsp 1.883.876/RS ainda não tenha sido disponibilizado, a tese acolhida pelos julgadores está contida no voto da Ministra Relatora, Maria Isabel Galotti, e, em suma, consigna que ainda que o levantamento de quantia penhorada em hipotética execução provisória ficasse à disposição do juízo até o trânsito em julgado, “autorizar o constrangimento do patrimônio da parte requerida sem a prolação de decisão sob cognição exauriente, não raras as vezes em montantes desproporcionais à própria obrigação principal, prejudicará sobremaneira a segurança jurídica envolvendo o debate, além de embaraçar a subsistência de pessoa ou a viabilidade de empresa que sequer foram condenadas” (2).
Por fim, voltando à possibilidade de cessão do crédito das astreintes, a Turma Julgadora concluiu que todas as regras atinentes à cessão de crédito dispostas no Código Civil deverão ser observadas nestes casos, o que implicará, por exemplo, na necessidade de formalização da cessão por instrumento público ou particular (3) e na ausência de responsabilidade do cedente pela solvência do devedor, salvo estipulação em contrário (4).
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Ana Paula Graçano Dalpizzol
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) Código de Processo Civil. “Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito. (...) § 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte.”
(2) Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=91&documento_sequencial=156835688®istro_numero=202101240349&peticao_numero=202200436532&publicacao_data=20221020&formato=PDF. Acesso em: 21 dez. 2023.
(3) Código Civil. “Art. 288. É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1º do art. 654.”
(4) Código Civil. “Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.”