Condicionantes ambientais abusivas: a busca de objetividade no licenciamento ambiental
Leonardo Corrêa
O licenciamento ambiental é definido como o procedimento administrativo que tem como finalidade licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais efetiva ou potencialmente poluidores, ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental. A licença ambiental, por sua vez, é o
ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente, estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental (art. 1, II da Resolução CONAMA 237/97).
A licença ambiental é, pois, o ato administrativo que resulta do procedimento de licenciamento ambiental.
Após o rito regular do licenciamento, o órgão ambiental, de forma motivada, poderá adotar uma das seguintes posições: (i) aprovar o empreendimento, sem ressalvas ou restrições; (ii) indeferir integralmente o requerimento de obtenção da licença ambiental; (iii) aprovar o empreendimento e definir as restrições e condicionantes ambientais.
Quanto aos objetivos, as condicionantes ambientais podem ser classificadas em três tipos: preventivas, mitigadoras ou compensatórias. No primeiro caso, busca-se evitar a ocorrência de impactos ambientais futuros, como, por exemplo, a construção de faunodutos e o cercamento de trechos de rodovias para prevenir atropelamentos de animais silvestres. No segundo cenário, quando o impacto ambiental negativo é inevitável, as condicionantes visam mitigar seus efeitos, exemplificado pela obrigação de instalar filtros para reduzir emissões atmosféricas de fontes fixas. Por fim, em situações em que não é possível evitar ou mitigar o impacto ambiental adverso, o empreendedor assume a obrigação de adotar medidas compensatórias, como a exigência de reflorestamento em casos de supressão de vegetação nativa. Existe ainda a possibilidade das condicionantes ambientais que têm como objetivo maximizar impacto positivo do empreendimento.
Atualmente, um dos maiores desafios relacionados às condicionantes ambientais reside na elevada subjetividade ao definir seu conteúdo obrigacional. Embora seja elemento central no licenciamento ambiental, a legislação não estabelece critérios e diretrizes claras para sua definição por parte do órgão ambiental. Essa lacuna legislativa resulta, em determinados casos, em exigências desproporcionais e abusivas por parte dos órgãos ambientais. Em cenário carente de referências legais, a subjetividade na formulação das condicionantes ambientais instaura ambiente de insegurança e imprevisibilidade jurídica.
Nos últimos anos, o nosso sistema jurídico estabeleceu novos dispositivos que, de certa forma, limitam a atuação da Administração Pública no processo de definição de condicionantes ambientais. Em primeiro lugar, a Lei nº 13.460/2017 estabelece em seu artigo 5, IV que os agentes públicos deverão adotar como diretrizes a “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de exigências, obrigações, restrições e sanções não previstas na legislação”.
Neste mesmo sentido, a Lei nº 13.874/2019 (“Lei de Liberdade Econômica”) define como direito de toda pessoa física ou jurídica que desenvolva atividade econômica no país “XI - não ser exigida medida ou prestação compensatória ou mitigatória abusiva, em sede de estudos de impacto ou outras liberações de atividade econômica no direito urbanístico.”
A própria norma define as diretrizes da qualificação da abusividade da condicionante ambiental: (i) requeira medida que já era planejada para execução antes da solicitação pelo particular, sem que a atividade econômica altere a demanda para execução da referida medida; (ii) utilize-se do particular para realizar execuções que compensem impactos que existiriam independentemente do empreendimento ou da atividade econômica solicitada; (iii) requeira a execução ou prestação de qualquer tipo para áreas ou situação além daquelas diretamente impactadas pela atividade econômica; (iv) mostre-se sem razoabilidade ou desproporcional, inclusive utilizada como meio de coação ou intimidação.
A Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (“ICMBio”) publicou a Orientação Jurídica Normativa (“OJN”) nº 33/2022 que dispõe sobre os parâmetros jurídicos para a fixação das condicionantes em matéria ambiental. A Orientação Normativa consolidou o entendimento, no nível federal, que as condicionantes ambientais devem adotar os critérios fixados na Lei de Liberdade Econômica. No que se refere ao quesito da proporcionalidade, a Orientação Normativa define que o órgão ambiental deve seguir o seguinte método:
• 1º) Questionamento de adequação: A condicionante ambiental imposta é apta para atingir o fim buscado?
• 2º) Questionamento de necessidade/exigibilidade: Há outros meios alternativos igualmente eficazes e menos gravosos (técnica e economicamente viáveis) para atingir o mesmo fim buscado com a condicionante ambiental imposta?
• 3º) Questionamento de proporcionalidade em sentido estrito: Em uma análise de custo-benefício, os benefícios resultantes da condicionante ambiental imposta em relação às suas consequências práticas superam os prejuízos e inconvenientes dela esperados ao empreendimento, inclusive sob a ótica do interesse público envolvidos no projeto?
Apesar de ser orientação restrita ao órgão ambiental federal (ICMBio), a Orientação Normativa estabelece importantes critérios objetivos que podem ser observados pelos órgãos ambientais estaduais e municipais.
O certo é que, do ponto de vista normativo, as condicionantes ambientais devem estabelecer obrigações (preventivas, mitigadoras ou compensatórias) que tenham relação direta com os impactos ambientais geradas pelo empreendimento. Não cabe ao empreendedor, em sede de cumprimento de condicionantes, adotar a obrigação de realização de políticas sociais ou obras públicas desvinculadas com os impactos ambientais do empreendimento, sob pena de serem anuladas em razão de desvio de poder.
Leonardo Corrêa
Sócio-executivo da área de Direito Ambiental e Negócios Sustentáveis do VLF Advogados