Entram em vigor novas regras tributárias para a subvenção de investimentos
Vinícius Augustus de Vasconcelos Rezende Alves e Giovanna Villegas
Em agosto de 2023, foi editada a Medida Provisória (“MP”) nº 1.185 (1), que propôs nova forma de os contribuintes fazerem proveito das subvenções de investimento recebidas pelo Governo. Em 29 de dezembro de 2023, após o trâmite legislativo, a MP foi sancionada pelo Presidente da República, convertendo-se na Lei nº 14.789/2023 (2).
A MP nº 1.185 foi proposta com o objetivo de aumentar a arrecadação federal, de maneira que os incentivos dados às empresas pelos entes federados deixassem de ser excluídos da base de cálculo do IRPF, CSLL e PIS/COFINS. Para tanto, criou um sistema de crédito fiscal, no qual as subvenções são tributadas e, posteriormente ao pagamento dos tributos, seria possível solicitar crédito fiscal pela via do ressarcimento ou da compensação tributária. As novas regras ainda trouxeram uma série de requisitos a serem cumpridos para que houvesse o direito ao crédito preconizado.
As subvenções governamentais estão na ordem do dia há algum tempo. Em apertada síntese e em sentido contrário à atual norma, a Lei nº 12.973/2014 (3), em seu art. 30, dispunha que as subvenções não deveriam ser computadas para determinação do lucro real. Em termos simplificados, não seriam receitas e, portanto, não integrariam a apuração do lucro líquido da empresa, desde que fossem registradas contabilmente como reserva de lucros, e, portanto, não fossem distribuídas aos sócios.
Reiterando o entendimento favorável ao contribuinte, em 2017, a Lei Complementar (“LC”) nº 160 (4), acresceu ao supracitado art. 30, os §§4º e 5º, dispondo que os incentivos de ICMS devem ser considerados como subvenções para investimento, não podendo ser exigidos outros requisitos que não aqueles dispostos no art. 30 da Lei nº 12.973/2014 para tal caracterização.
O tema continuou instigante, porque pulularam discussões sobre o tema, especialmente acerca da natureza dos créditos presumidos de ICMS e se seriam passíveis de exclusão da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) manifestou-se em 2017, no ERESP nº 1.517.492/PR (5), afirmando que os créditos presumidos concedidos não poderiam ser atingidos pelo imposto de renda, já que não se enquadram na definição de renda ou lucro, para incidência dos referidos tributos federais. Ademais, a tributação federal violaria o pacto federativo por esvaziar a motivação dos incentivos econômicos concedidos em nível estadual.
Após certa pacificação da matéria, o tema retornou aos holofotes em abril de 2023, com o julgamento do Tema nº 1.182/STJ (“REsp nº 1.945.110”) (6). Na ocasião, foram julgados os demais benefícios fiscais – a exemplo da redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, imunidade e diferimento – diferentes da concessão de créditos presumidos. Conclui-se que a não incidência dos tributos sobre as subvenções depende da observância dos requisitos do art. 30 da Lei nº 12.973/2014, tais quais (i) constituição de reserva de incentivo no valor dos benefícios fiscais e (ii) não distribuição do valor recebido aos sócios. Na oportunidade, deu-se o enfoque sobre o §2º do dispositivo, que afirma que a ausência de comprovação da destinação da subvenção para “implantação ou expansão de empreendimentos econômicos” atrairia a incidência dos tributos.
Na marcha da decisão do STJ, foi proposta a MP nº 1.115, que recentemente se converteu na Lei nº 14.789/2023, que trouxe novas regras para o sistema.
A mudança principal, que justificou a criação desse dispositivo legal, conforme adiantado acima, é a tributação das subvenções dadas pelos entes federados. Antes, por não serem consideradas constitutivas do lucro real da empresa, os valores concedidos não compunham a base de cálculo do IRPJ, CSLL e PIS/COFINS, conforme era expresso nos agora revogados arts. 1º, §3º, X, da Lei nº 10.637/2002 (PIS/Pasep); 1º, §3º, IX, da Lei nº 10.833/2003 (COFINS) e 30, §2º, da Lei nº 12.973/2014.
O antigo sistema cede lugar ao mecanismo de crédito fiscal, que será concedido apenas para empresas que recebam subvenções para implantar ou expandir seu empreendimento econômico. Nesse sentido, o art. 2º traz a definição dos termos explicitando que “implantar” é abrir novo estabelecimento em ente federativo diverso do que concedeu a isenção e “expandir” é aumentar a estrutura que já se possui.
Para adquirir o direito ao crédito, a pessoa jurídica subvencionada precisa cumprir diversos requisitos (art. 3º) como ser habilitada pela Receita Federal; ser beneficiária de subvenção para investimento; ter a concessão da subvenção anterior à implantação ou expansão do empreendimento; e ter ato concessivo de subvenção que estabeleça expressamente as condições e contrapartidas da implantação ou expansão.
No que tange à contabilização do crédito concedido, este será equivalente ao valor de 25% das receitas de subvenção (art. 6º, caput), as quais são dispostas taxativamente definidas nos arts. 7º e 8º, da Lei nº 14.789/2023, o que poderá ser considerado como receita de subvenções e o que está excluído (art. 8º, §1º).
Após verificado o valor do direito de crédito, este poderá ser utilizado por meio da compensação com tributos federais ou, ainda, pelo ressarcimento em dinheiro (art. 9º), que se dará em até 24 meses após o reconhecimento das receitas de subvenção para fins de tributação (art. 10º, parágrafo único). Este crédito, diferentemente das receitas de subvenções, não será computado na base de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS/Pasep e da COFINS.
Entrada a lei em vigor no primeiro dia de 2024, a Receita Federal publicou, no dia seguinte, a Instrução Normativa (“IN”) nº 2.170/2023 (7) dispondo sobre o procedimento de habilitação das empresas para utilização do crédito. A IN, contudo, aponta um requisito novo para habilitação, não disposto na Lei nº 14.789/2023, sendo a necessidade de a empresa comprovar a regularidade fiscal de tributos federais (art. 7º, III), exigência sem aporte legal.
Na verdade, a IN nº 2.170/2023 não é o único problema do sistema implantado, pois o próprio fundamento da nova legislação é controverso. Será possível amoldar os valores das subvenções ao conceito de renda ou faturamento para incidência de tributos? É evidente que a Lei nº 14.789/2023 as coloca contabilmente como parte do lucro real da empresa, devendo ser declaradas na Escrituração Contábil Fiscal (“ECF”). Porém, juridicamente, as subvenções não se enquadram como faturamento ou receita, já que, para tanto, deveriam ser advindas da atividade econômica da pessoa jurídica, não de mera transferência patrimonial.
Ademais, estariam os créditos presumidos de ICMS abarcados pela nova legislação, ou seja, devem passar a ser tributados pela União? Entende-se que a Lei nº 14.789/2023 não desconstitui a decisão do STJ, no ERESP nº 1.517.492/PR, já que a principal razão de decidir do caso foi a observância do pacto federal, cláusula pétrea da Constituição Federal.
Os questionamentos apontados são apenas a ponta de um iceberg diante dos conflitos que devem surgir com a Lei nº 14.789/2023, e já há contribuintes buscando a justiça para a manutenção dos seus direitos.
Mais informações sobre a questão podem ser obtidas junto à equipe de Contencioso Tributário do VLF Advogados.
Vinícius Augustus de Vasconcelos Rezende Alves
Advogado da Equipe de Direito Tributário do VLF Advogados
Giovanna Villegas
Estagiária da Equipe de Direito Tributário do VLF Advogados
(1) BRASIL. Medida Provisória nº 1.185, de 2023. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF. Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/159641. Acesso em: 26 jan. 2024.
(2) BRASIL. Lei nº 14.789, de 29 de dezembro de 2023. Brasília, DF. Diário Oficial da União, 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14789.htm. Acesso em: 26 jan. 2024.
(3) BRASIL. Lei nº 12.973/14, de 13 de maio de 2014. Brasília, DF. Diário Oficial da União, 2014. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/Lei/L12973.htm. Acesso em: 26 jan. 2024.
(4) BRASIL. Lei Complementar nº 160, de 07 de agosto de 2017. Brasília, DF. Diário Oficial da União, 2017. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp160.htm#art9. Acesso em: 26 jan. 2024.
(5) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. ERESP nº 1.517.492. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. ICMS. CRÉDITOS PRESUMIDOS CONCEDIDOS A TÍTULO DE INCENTIVO FISCAL. INCLUSÃO NAS BASES DE CÁLCULO DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DA PESSOA JURÍDICA - IRPJ E DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO - CSLL. INVIABILIDADE. PRETENSÃO FUNDADA EM ATOS INFRALEGAIS. INTERFERÊNCIA DA UNIÃO NA POLÍTICA FISCAL ADOTADA POR ESTADO-MEMBRO. OFENSA AO PRINCÍPIO FEDERATIVO E À SEGURANÇA JURÍDICA. BASE DE CÁLCULO. OBSERVÂNCIA DOS ELEMENTOS QUE LHES SÃO PRÓPRIOS. RELEVÂNCIA DE ESTÍMULO FISCAL OUTORGADO POR ENTE DA FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO FEDERATIVO. ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. INCONSTITUCIONALIDADE ASSENTADA EM REPERCUSSÃO GERAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE N. 574.706/PR). AXIOLOGIA DA RATIO DECIDENDI APLICÁVEL À ESPÉCIE. CRÉDITOS PRESUMIDOS. PRETENSÃO DE CARACTERIZAÇÃO COMO RENDA OU LUCRO. IMPOSSIBILIDADE. Relator Ministro Og Fernandes, relatora para acórdão Ministra Regina Helena Costa. 08 de novembro de 2017. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=2015%2F0041673-7&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MORTO. Acesso em: 26 jan. 2024.
(6) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.945.110 (Tema 1.182). PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 1182. IRPJ. CSLL. BASE DE CÁLCULO. BENEFÍCIOS FISCAIS DIVERSOS DO CRÉDITO PRESUMIDO DE ICMS. PRETENSÃO DE INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E DA CSLL. IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DOS EFEITOS DO ERESP 1.517.495/PR. PRECEDENTES DA SEGUNDA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. QUE ENTENDEM PELA POSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO LEGAL DA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E DA CSLL. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. APLICAÇÃO DO ART. 10, DA LEI COMPLEMENTAR N. 160/2017 E DO ART. 30, DA LEI N. 12.973/2014. CASO CONCRETO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. AUSENCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. SÚMULA 7/STJ. PEDIDO DE JULGAMENTO EXTRA PETITA PREJUDICADO. RECURSO ESPECIAL DA FAZENDA NACIONAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO. DETERMINAÇÃO DE DEVOLUÇÃO DOS AUTOS À ORIGEM. Ministro BENEDITO GONÇALVES. Brasília-DF. 26 de abril de 2023. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?src=1.1.3&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&num_registro=202101909931. Acesso em: 26 jan. 2024.
(7) BRASIL. Instrução Normativa nº 2.170/23. Diário Oficial da União. 02 de janeiro de 2024. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=135536. Acesso em: 26 jan. 2024.