A análise dos aspectos formais dos recursos encaminhados ao STJ se tornará mais rigorosa a partir de janeiro de 2024
Leila Mendes e Raul Celistre Oliveira Freitas
Em 2023, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) bateu, pela terceira vez, o recorde de processos recebidos (1). Com o alcance da marca de 458 mil novos processos, o que representa média de 1,3 mil processos por dia e aumento de 10% no número de processos em relação a 2022, o STJ apostará em medidas de “tolerância zero” com recursos despadronizados e que não cumprirem os requisitos formais de admissibilidade, a fim de trazer maior celeridade na tramitação dos processos na Corte.
A Resolução STJ/GP nº 10/2015 (2) estabelece requisitos para a padronização do envio de recursos pelas instâncias ordinárias, sendo necessária a indicação de informações como o número único do processo, classe processual, assunto, partes envolvidas com seus respectivos CPFs e/ou CNPJs e informações sobre os advogados, com os números de inscrição na OAB. Muitos tribunais, no entanto, vinham remetendo os recursos com o cadastramento incompleto e o STJ vinha ajustando o preenchimento dos dados até então. A medida acabou prejudicando a celeridade na tramitação dos processos, sem contar o risco de nulidade processual, por exemplo, pela falta de intimação decorrente do cadastramento equivocado das partes e seus procuradores.
Um levantamento realizado em setembro de 2023 identificou mais de 5 mil erros em apenas um dia na classe dos Agravos em Recurso Especial (“AREsp”), destacando problemas como falta de nome do advogado, CPF da parte, indicação do agravante ou agravado, assunto sem o terceiro nível ou nível folha, e ausência da indicação da unidade federativa (3).
Considerando este cenário, desde 21 de janeiro de 2024, o sistema eletrônico do STJ passou a recusar automaticamente os processos que não estão de acordo com a padronização exigida pela Corte. Os recursos despadronizados serão devolvidos aos tribunais locais, que deverão fazer os ajustes necessários e, só então, remeter os casos ao STJ.
Outra aposta do STJ é a adoção de critérios mais rigorosos na análise dos pressupostos formais de admissibilidade dos recursos. A Ministra Presidente daquela Corte afirmou, em dezembro de 2023, que a regulamentação do filtro de relevância da questão federal para admissão do recurso especial, instituída pela Emenda Constitucional nº 125/2022, se tornou urgente para a redução do acervo de processos (4).
Ainda nessa missiva, o STJ consolidou entendimento que prevê critérios objetivos para a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, sendo indispensável o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) dúvida objetiva quanto ao recurso a ser interposto; (ii) inexistência de erro grosseiro na escolha da peça recursal e (iii) observância do prazo do recurso cabível. Nessa linha de entendimento, não será admitida a fungibilidade entre os recursos de apelação e agravo de instrumento contra decisão que acolher parcialmente a impugnação ao cumprimento de sentença, de natureza interlocutória, uma vez que não há a extinção da fase executiva (5).
Por fim, o STJ também tem apostado na cooperação com alguns de seus principais litigantes, em esforço de “racionalização da atuação judicial”, visando a redução do volume de recursos e a resolução consensual dos conflitos. Desde 2020, a Corte mantém acordo de cooperação com a Advocacia-Geral da União (“AGU”), que se tornou uma das maiores iniciativas de desjudicialização em andamento no Poder Judiciário (7), resultando na solução definitiva de mais de dois milhões de processos em todas as instâncias judiciais. Por meio desse acordo, o STJ prepara mapeamento quantitativo e qualitativo dos processos da AGU, a fim de apontar os casos em que a pretensão do órgão se mostra manifestamente contrária aos precedentes do STJ. A AGU, por sua vez, analisa esses dados e estabelece diretrizes a seus procuradores, visando adequar os trabalhos aos precedentes do STJ, sendo autorizada, inclusive, a desistência e abstenção recursal nas hipóteses em que as instâncias ordinárias decidirem em conformidade com a jurisprudência do STJ.
Gostou do tema e se interessou pelo assunto? Mais informações podem ser obtidas junto à equipe do Contencioso Cível do VLF Advogados.
Leila Mendes
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Raul Celistre de Oliveira Freitas
Estagiário da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) PROCESSOS recebidos no STJ em 2023 já passam de 419 mil; recorde renova debate sobre racionalização. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/20112023-Processos-recebidos-no-STJ-em-2023-ja-passam-de-419-mil--recorde-renova-debate-sobre-racionalizacao.aspx. Acesso em: 26 jan. 2024.
(2) RESOLUÇÃO STJ/GP nº 10, de 6 de outubro de 2015. Disponível em: https://www.stj.jus.br/static_files/STJ/Midias/arquivos/Noticias/Resolu%C3%A7%C3%A3o%20n.%2010-2015%20-%20Processo%20Eletr%C3%B4nico.pdf. Acesso em: 26 jan. 2024.
(3) PROCESSOS enviados ao STJ com dados fora do padrão serão devolvidos aos tribunais de origem. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/12122023-Processos-enviados-ao-STJ-com-dados-fora-do-padrao-serao-devolvidos-aos-tribunais-de-origem.aspx. Acesso em: 26 jan. 2024.
(4) STJ encerra ano judiciário apontando caminhos para o alto número de processos. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/19122023-STJ-encerra-ano-judiciario-apontando-caminhos-para-o-alto-numero-de-processos.aspx#:~:text=O%20tribunal%20recebeu%20cerca%20de,caminhos%20para%20enfrentar%20o%20congestionamento. Acesso em: 26 jan. 2024.
(5) STJ, Segunda Turma, REsp 1947309/BA, Min. Francisco Falcão, 07.02.23.
(6) ACORDO com AGU intensifica desjudicialização e alcança mais de dois milhões de processos. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/17082023-Acordo-com-AGU-intensifica-desjudicializacao.aspx. Acesso em: 26 jan. 2024.