Texto original do Novo CPC é alterado antes mesmo de sua entrada em vigor
Marcionilia Guimarães
Foram quase cinco anos de estudos, discussões e audiências públicas realizadas em todo o país, até a aprovação do texto final do PLS 166/2010, pelo Senado Federal, em dezembro/2014. Depois de sancionado, o PLS converteu-se na Lei 13.105/2015 (1), que institui o novo Código de Processo Civil brasileiro (“Novo CPC”), em vigor a partir do dia 18.03.2016. Porém, antes mesmo do término do prazo de vacatio, o Novo CPC sofreu alterações em pontos importantes com a Lei 13.256/2016 (2). São estes pontos que enfrentamos a seguir.
1. Julgamento “preferencialmente” em ordem cronológica
Após a reforma, o Novo Código adotou a expressão “preferencialmente” no lugar da obrigatoriedade de observância da ordem cronológica de conclusão para se proferir sentença (Novo CPC, art. 12º) e para se publicar as decisões e andamentos (Novo CPC, art. 153).
- Redação original
Art. 12. Os juízes e os tribunais deverão obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão.
Art. 153. O escrivão ou chefe de secretaria deverá obedecer à ordem cronológica de recebimento para publicação e efetivação dos pronunciamentos judiciais.
- Nova Redação
Art. 12. Os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão.
Art. 153. O escrivão ou o chefe de secretaria atenderá, preferencialmente, à ordem cronológica de recebimento para publicação e efetivação dos pronunciamentos judiciais.
Este é um ponto sensível da reforma. De qualquer forma, acreditamos que, mesmo com a alteração do texto legislativo, em atenção à boa-fé processual e aos princípios da colaboração e eficiência, dentre outros, a não observância da ordem cronológica há de ser fundamentada pelo Magistrado e pelo Escrivão, embora deva estar claro, como já se dizia antes mesmo da reforma, que “A inobservância da ordem cronológica dos julgamentos não implica, por si, a invalidade do ato decisório” (Enunciado n. 486 FPPC sobre art. 12; art. 489).
A lista com a ordem de processos, entretanto, continua obrigatória. A esse respeito, vale destacar que, “No juízo onde houver cumulação de competência de processos dos juizados especiais com outros procedimentos diversos, o juiz poderá organizar duas listas cronológicas autônomas, uma para os processos dos juizados especiais e outra para os demais processos.” (Enunciado n. 382 FPPC).
2. Multa diária
Foi alterado o regime de levantamento da multa diária objeto de cumprimento provisório. Na redação original do art. 537, a parte favorecida pela multa poderia levantá-la na pendência de julgamento de agravo contra decisão que negou seguimento a recurso especial ou extraordinário, desde que o acórdão recorrido coincidisse com a orientação do tribunal superior, ou quando reconhecida a inexistência de repercussão geral da questão constitucional discutida. A nova lei elimina essa possibilidade, restringindo o levantamento da multa depositada apenas ao trânsito em julgado da decisão favorável à parte que tem direito à multa.
- Redação original
Art. 537 (…)
§ 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte ou na pendência do agravo fundado nos incisos II ou III do art. 1.042.
- Nova Redação
Art. 537. (…)
§ 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte.
3. Cabimento de Ação rescisória pela falta de distinguishing
A nova Lei acrescentou os §§ 5º e 6º ao art. 966, para considerar “violação manifesta” de norma jurídica, apta a autorizar o cabimento de ação rescisória, a aplicação de precedente sem apreciar o pedido de distinguishing da parte.
- Redação original
Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
[...];
V – violar manifestamente norma jurídica;
§ 4º [...]
- Nova Redação
Art. 966. [...]
§ 5º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento.
§ 6º Quando a ação rescisória fundar-se na hipótese do § 5º deste artigo, caberá ao autor, sob pena de inépcia, demonstrar, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta ou de questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica.
4. Cabimento da reclamação
Deixa de ser cabível a reclamação proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou ainda de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.
- Redação original
Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:
[...]
III – garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
IV – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência.
[...].
§ 5º É inadmissível a reclamação proposta após o trânsito em julgado da decisão.
§ 6º A inadmissibilidade ou o julgamento do recurso interposto contra a decisão proferida pelo órgão reclamado não prejudica a reclamação.
- Nova Redação
Art. 988.
[...]
III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência;
[...]
§ 5º É inadmissível a reclamação:
I – proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada;
II – proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.
5. Retomada do duplo juízo de admissibilidade
A nova lei restaura o juízo de admissibilidade dos recursos especiais e dos extraordinários pelos Tribunais Estaduais e Regionais Federais (NCPC, art. 1.030).
- Redação original
Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão remetidos ao respectivo tribunal superior.
- Nova Redação
Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:
I – negar seguimento:
a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral;
b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos;
II – encaminhar o processo ao órgão julgador para realização do juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir do entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça exarado, conforme o caso, nos regimes de repercussão geral ou de recursos repetitivos;
III – sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se trate de matéria constitucional ou infraconstitucional;
IV – selecionar o recurso como representativo de controvérsia constitucional ou infraconstitucional, nos termos do § 6º do art. 1.036;
V – realizar o juízo de admissibilidade e, se positivo, remeter o feito ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, desde que:
a) o recurso ainda não tenha sido submetido ao regime de repercussão geral ou de julgamento de recursos repetitivos;
b) o recurso tenha sido selecionado como representativo da controvérsia; ou
c) o tribunal recorrido tenha refutado o juízo de retratação.
§ 1º Da decisão de inadmissibilidade proferida com fundamento no inciso V caberá agravo ao tribunal superior, nos termos do art. 1.042.
6. Sistemática dos Recursos Extraordinário e Especial
Alterou-se a janela temporal para requerimento de efeito suspensivo, que pode ser feito ao tribunal superior respectivo, no período compreendido entre a publicação da decisão de admissão (antes a redação falava que seria da interposição do recurso) e sua distribuição.
- Redação original
Art. 1.029.
§ 2º Quando o recurso estiver fundado em dissídio jurisprudencial, é vedado ao tribunal inadmiti-lo com base em fundamento genérico de que as circunstâncias fáticas são diferentes, sem demonstrar a existência da distinção.
[...]
§ 5º pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário ou a recurso especial poderá ser formulado por requerimento dirigido:
I – ao tribunal superior respectivo, no período compreendido entre a interposição do recurso e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-lo;
II – ao relator, se já distribuído o recurso;
III – ao presidente ou vice-presidente do tribunal local, no caso de o recurso ter sido sobrestado, nos termos do art. 1.037.
- Nova Redação
Art. 1.029. [...]
§ 2º (Revogado).
[...]
§ 5º [...]
I – ao tribunal superior respectivo, no período compreendido entre a publicação da decisão de admissão do recurso e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-lo;
(…)
III – ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, no período compreendido entre a interposição do recurso e a publicação da decisão de admissão do recurso, assim como no caso de o recurso ter sido sobrestado, nos termos do art. 1.037.
6.1. Regime de repercussão geral
Foi revogada a presunção de repercussão geral do recurso contra acórdão proferido em caso repetitivo (Novo CPC, art. 1.035, §3º, II) e alterado o § 7º do art. 1035, para autorizar o cabimento de agravo interno contra a decisão que aplicar entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos. Foi revogado, ainda, o limite temporal de um ano, a contar do reconhecimento da repercussão geral, para a suspensão dos processos sob esse regime.
- Redação original
Art. 1.035. [...]
§ 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que:
[...]
II – tenha sido proferido em julgamento de casos repetitivos;
§ 7º Da decisão que indeferir o requerimento referido no § 6º caberá agravo, nos termos do art. 1.042.
§ 10. Não ocorrendo o julgamento no prazo de 1 (um) ano a contar do reconhecimento da repercussão geral, cessa, em todo o território nacional, a suspensão dos processos, que retomarão seu curso normal.
- Nova Redação
Art. 1.035. [...]
§ 3º [...]
II – (Revogado);
[...]
§ 7º Da decisão que indeferir o requerimento referido no § 6º ou que aplicar entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos caberá agravo interno.
§ 10. (Revogado).
6.2. Amplitude da fundamentação dos recursos
Admite a possibilidade de o acórdão analisar os fundamentos relevantes para julgamento da causa e não mais “todos os fundamentos” da tese jurídica discutida, favoráveis ou contrários, como previsto na redação primitiva do Art. 1.038, § 3º.
- Redação original
Art. 1.038. [...]
§ 3º O conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos da tese jurídica discutida, favoráveis ou contrários.
- Nova Redação
Art. 1.038. [...]
§ 3º O conteúdo do acórdão abrangerá a análise dos fundamentos relevantes da tese jurídica discutida.
6.3. Admissibilidade após o sobrestamento na repercussão geral
O recurso especial que estava sobrestado no regime de repercussão geral será objeto de exame de admissibilidade na origem, mesmo quando a decisão recorrida, apesar da contrariedade com a decisão paradigma proferida resultante da repercussão geral, for mantida pelo Tribunal a quo.
- Redação original
Art. 1.041. [...].
§ 2º Quando ocorrer a hipótese do inciso II do caput do art. 1.040 e o recurso versar sobre outras questões, caberá ao presidente do tribunal, depois do reexame pelo órgão de origem e independentemente de ratificação do recurso ou de juízo de admissibilidade, determinar a remessa do recurso ao tribunal superior para julgamento das demais questões.
- Nova Redação
Art. 1.041.[...]
§ 2º Quando ocorrer a hipótese do inciso II do caput do art. 1.040 e o recurso versar sobre outras questões, caberá ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, depois do reexame pelo órgão de origem e independentemente de ratificação do recurso, sendo positivo o juízo de admissibilidade, determinar a remessa do recurso ao tribunal superior para julgamento das demais questões.
7. Agravo em Recurso Especial e em Recurso Extraordinário
De acordo com a nova Lei, caberá agravo contra decisão que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial na origem, salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos. Também se aplica ao agravo o regime de repercussão geral e de recursos repetitivos, inclusive quanto à possibilidade de sobrestamento e do juízo de retratação.
- Redação original
Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão de presidente ou de vice-presidente do tribunal que:
I – indeferir pedido formulado com base no art. 1.035, § 6o, ou no art. 1.036, § 2o, de inadmissão de recurso especial ou extraordinário intempestivo;
II – inadmitir, com base no art. 1.040, inciso I, recurso especial ou extraordinário sob o fundamento de que o acórdão recorrido coincide com a orientação do tribunal superior;
III – inadmitir recurso extraordinário, com base no art. 1.035, § 8o, ou no art. 1.039, parágrafo único, sob o fundamento de que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inexistência de repercussão geral da questão constitucional discutida.
§ 1º Sob pena de não conhecimento do agravo, incumbirá ao agravante demonstrar, de forma expressa:
I – a intempestividade do recurso especial ou extraordinário sobrestado, quando o recurso fundar-se na hipótese do inciso I do caput deste artigo;
II – a existência de distinção entre o caso em análise e o precedente invocado, quando a inadmissão do recurso:
a) especial ou extraordinário fundar-se em entendimento firmado em julgamento de recurso repetitivo por tribunal superior;
b) extraordinário fundar-se em decisão anterior do Supremo Tribunal Federal de inexistência de repercussão geral da questão constitucional discutida.
§ 2º A petição de agravo será dirigida ao presidente ou vice-presidente do tribunal de origem e independe do pagamento de custas e despesas postais.
[...]
- Nova Redação
Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos.
I – (Revogado);
II – (Revogado);
III – (Revogado).
§ 1º (Revogado):
I – (Revogado);
II – (Revogado):
a) (Revogada);
b) (Revogada).
§ 2º A petição de agravo será dirigida ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal de origem e independe do pagamento de custas e despesas postais, aplicando-se a ela o regime de repercussão geral e de recursos repetitivos, inclusive quanto à possibilidade de sobrestamento e do juízo de retratação.
[...]
8. Outras revogações
Foram revogados os seguintes dispositivos:
- art. 945, que tratava do julgamento eletrônico dos recursos e dos processos de competência originária que não admitem sustentação oral e diversas hipóteses de cabimento de agravos e embargos no STF e no STJ;
- § 2º do art. 1.029, que vedava a inadmissão de recurso especial e extraordinário fundado em dissídio jurisprudencial, com base em fundamento genérico de ausência de similaridade fática, sem demonstrar a existência das distinções entre os casos;
- §§ 2º e 5º do art. 1.037, eliminando-se a vedação ao órgão colegiado, no julgamento de recurso extraordinário e recursos repetitivos para formação de tese, de decidir sobre questão não delimitada na decisão de afetação do recurso. Além do mais, revogou-se o dispositivo que determinava que, caso o recurso afetado não fosse julgado no prazo de um ano, contado da publicação da decisão de afetação, os processos sobrestados voltariam a tramitar automaticamente;
- incisos II e IV do caput e § 5º do art. 1.043, fazendo com que agora não caiba mais embargos de divergência em casos relativos ao juízo de admissibilidade, mas apenas com relação ao mérito da questão. O recurso também não será cabível nos processos de competência originária, quando o acórdão divergir do julgamento de outro órgão do mesmo tribunal. Para a inadmissão dos embargos de divergência, o tribunal não precisará mais demonstrar a existência de distinção das circunstâncias fáticas entre os acórdãos recorrido e paradigma.
Considerações finais
Essas reformas representam, ao que tudo indica, os interesses dos tribunais superiores em operacionalizar a aplicação das novas normas processuais em seu âmbito. É necessária, contudo, uma discussão mais aprofundada, inclusive sobre o risco de tais normas manterem parte da jurisprudência defensiva das cortes superiores, o que estaria contra a proposta do Novo Código.
Marcionilia Guimarães
Advogada da equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados.
(1) Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
(2) Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Lei/L13256.htm