O atual panorama do encerramento antecipado do período de supervisão na Recuperação Judicial
Fernanda de Figueiredo Gomes
O procedimento de Recuperação Judicial sofreu significativas alterações em 2020 com a promulgação da Lei nº 14.112/2020. Uma dessas mudanças foi a possibilidade de redução do chamado “período de supervisão”, isto é, do período no qual o devedor permanece em Recuperação Judicial, sob estrita fiscalização da Administração Judicial e do Poder Judiciário, após a sentença que homologa o Plano de Recuperação Judicial (“PRJ”).
O período de supervisão representa garantia adicional aos credores, já que promove acompanhamento mais próximo durante a fase inicial de implementação do PRJ, de forma a assegurar o cumprimento pela recuperanda das obrigações assumidas.
A ideia desse período de observação é fazer uma fiscalização mais próxima do devedor no começo da recuperação, pois ainda não se tem a demonstração de que ele irá realmente cumprir as medidas propostas. Nesse período, o processo de recuperação judicial ainda estará em andamento, ainda existirá um administrador judicial fiscalizando o devedor e ainda poderá existir um comitê de credores. (1)
Por outro lado, não há dúvida de que a supervisão causa desconforto para a recuperanda, porque fragiliza a posição da sociedade no mercado, que muitas vezes continua sendo vista com desconfiança pelos seus stakeholders. Há, ainda, inegável acréscimo nos custos envolvidos com a tramitação do procedimento.
Nos termos da redação original do art. 61, da Lei nº 11.101/2005, o juiz deveria determinar a manutenção do devedor em Recuperação Judicial até que fossem cumpridas todas as obrigações previstas no PRJ que vencerem até dois anos depois da concessão da Recuperação Judicial. Ainda, prevalecia entendimento jurisprudencial no sentido de que a contagem do biênio legal somente teria início após o decurso do prazo de carência, quando havia previsão nesse sentido no PRJ.
Atento aos prejuízos que a medida representa para a recuperanda, o legislador alterou a redação do art. 61, da Lei nº 11.101/2005, tornando facultativa a manutenção do devedor em Recuperação Judicial pelo período máximo de dois anos, independentemente de eventual período de carência. No entanto, não foram estabelecidos os critérios que deveriam orientar a decisão quanto à duração do período de supervisão, tendo a questão sido submetida à discricionariedade do julgador. Veja-se:
Art. 61. Proferida a decisão prevista no art. 58 desta Lei, o juiz poderá determinar a manutenção do devedor em recuperação judicial até que sejam cumpridas todas as obrigações previstas no plano que vencerem até, no máximo, 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial, independentemente do eventual período de carência.
Logo após a alteração legislativa, o Informativo VLF 80, de 27 de maio de 2021, trouxe análise sobre o tema, em publicação intitulada “O período de supervisão judicial na Nova Lei de Recuperação e Falências”. Na ocasião, a inovação foi considerada avanço positivo tanto por encerrar a controvérsia quanto ao termo inicial da contagem do biênio legal quanto por reduzir o ônus ao devedor.
Passados três anos da publicação, considerando principalmente a ausência de critérios orientadores da definição da duração do período de supervisão, agora é hora de analisar o tratamento que vem sendo dado à referida previsão legal pelo Poder Judiciário.
Apesar de ainda não ser possível falar em entendimento uniforme, em razão do curto tempo e dos poucos precedentes que existem sobre o tema, é possível identificar alguns parâmetros que vêm sendo utilizados.
A Primeira Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“TJSP”) já teve a oportunidade de se manifestar sobre a matéria no julgamento do Agravo de Instrumento de nº 2074568-84.2022.8.26.0000 (2). Naquela ocasião, o encerramento antecipado do período de supervisão foi condicionado à anuência dos credores, de forma que a faculdade de deliberar a respeito da duração da Recuperação Judicial foi transferida aos credores.
Em sentido diverso, merece destaque recente decisão proferida pelo Juízo da Vara Empresarial de Betim, nos autos de nº 5022235-88.2019.8.13.0027, que utilizou o critério da utilidade para determinar a duração do período de supervisão. Assim, o período de supervisão foi encerrado antecipadamente, uma vez que todas as obrigações que venceriam no período de dois anos já haviam sido cumpridas pelo devedor, o que tornaria ineficaz o prosseguimento da Recuperação Judicial.
Dentre as duas correntes identificadas, a segunda parece mais aderente tanto à literalidade da previsão legal quanto à interpretação sistemática da Legislação Recuperacional. É que o art. 61, da Lei nº 11.101/2005, confere expressamente ao juiz – e não aos credores – a faculdade de determinar a duração do período de supervisão.
Além disso, não se pode perder de vista que o objetivo maior da Lei nº 11.101/2005, como disposto em seu art. 47, é superar a situação da crise econômico-financeira da recuperanda. Nesse sentido, a adoção de medida que prejudica a posição do devedor no mercado e aumenta suas despesas sem representar qualquer garantia adicional aos credores não se justifica. Não se pode desprezar também os custos do próprio Poder Judiciário com a manutenção da tramitação de processos que já não possui utilidade.
Nesse contexto, a recente decisão proferida nos autos de nº 5022235-88.2019.8.13.0027 parece caminhar na direção correta ao filiar-se ao critério da utilidade. Os próximos anos dirão se esse posicionamento será consolidado na Jurisprudência.
Fernanda de Figueiredo Gomes
Advogada da Equipe de Contencioso Cível Estratégico do VLF Advogados
(1) TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas, v. 3 – 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017.
(2) TJSP; Agravo de Instrumento 2074568-84.2022.8.26.0000; Relator (a): J. B. Franco de Godoi; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Dracena - 1ª Vara; Data do Julgamento: 29/11/2022; Data de Registro: 29/11/2022.