Regime de responsabilidade civil dos administradores das entidades fechadas de previdência complementar
Vitória Fiorini e Pedro Ernesto Rocha
“Responsabilidade civil” é a responsabilidade de a Pessoa A reparar a Pessoa B por danos incorridos em razão de atos praticados pela Pessoa A em violação à lei. Por exemplo, a Pessoa A é contratada para prestar serviços de manutenção de máquina industrial para a Pessoa B; a Pessoa A presta o serviço de maneira negligente, deixando peças soltas na máquina, que quebra. Consequentemente, por não ter meios de cumprir seus contratos sem a máquina, a Pessoa B: (i) descumpre contratos e é obrigada a pagar penalidades; (ii) deixa de poder firmar novos contratos, porque não tem como cumpri-los; e (iii) tem que comprar máquina nova. Logo, pela regra da responsabilidade civil, a Pessoa A será obrigada a indenizar a Pessoa B por tais danos.
No direito brasileiro essa responsabilidade aparece nos artigos 186 e 927 do Código Civil, que determinam:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
É possível perceber, portanto, três elementos fundamentais para que exista a “responsabilidade”: “ato ilícito” + “dano” + “nexo causal”. No exemplo acima, a Pessoa A prestou o serviço de maneira negligente (esse foi o ato ilícito); a Pessoa B sofreu danos; e os danos sofridos pela Pessoa B decorreram do ato ilícito praticado pela Pessoa A (essa relação de causa e efeito é o nexo causal).
Esse raciocínio básico se estende à atuação de administradores de sociedades e de entidades fechadas de previdência complementar (“EFPC”).
Neste sentido, a Lei nº 6.404/1976 (conhecida como “Lei das S.A.”), em seu artigo 158 (1), determina a responsabilidade do administrador das sociedades anônimas pelos prejuízos que causar com culpa ou dolo ou por violação de lei ou do estatuto da sociedade. Ou seja, se o administrador de uma sociedade pratica ato violando o que dispõe seu estatuto, por exemplo, esse administrador poderá ser pessoalmente responsabilizado pelos danos decorrentes do seu ato.
As EFPC são instituições criadas para administrar planos de benefícios de natureza previdenciária geridas por seus administradores, que são membros do conselho deliberativo, do conselho fiscal e da diretoria da entidade, e possuem regime jurídico próprio, fixado pela Lei Complementar nº 109/2001 (“LC 109/2001”). Portanto, não são sociedades anônimas.
Porém, a lógica da responsabilidade dos seus administradores é a mesma daquela aplicável às companhias. Isso, porque o artigo 63 da LC 109/2001 (2) reproduz a ideia de que os administradores são responsáveis pelas suas ações que causarem danos: “Art. 63. Os administradores de entidade, os procuradores com poderes de gestão, os membros de conselhos estatutários, o interventor e o liquidante responderão civilmente pelos danos ou prejuízos que causarem, por ação ou omissão, às entidades de previdência complementar.”
Robustecendo essa responsabilidade, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (“Previc”), em seu guia “Melhores Práticas de Governança” (3), estabelece parâmetros e recomendações sobre o tema, tais como: o reconhecimento de que os administradores possuem deveres fiduciários e devem agir visando a proteger os interesses e o patrimônio da EFPC (itens 33, 34 e 47); a adoção de regimento interno que contenha regras para regular e analisar as condutas dos administradores da entidade (itens 41 e 55); e o próprio reconhecimento de que os administradores têm responsabilidade civil perante a EFPC (item 47).
O regime jurídico das EFPC, então, não difere do regime basilar da responsabilidade civil no direito brasileiro, mas, sim, dele decorre. É fato que os administradores possuem deveres fiduciários e podem, pessoalmente, ser responsabilizados pelos atos que praticarem enquanto órgão (ou partes de um órgão) da entidade. E, nesta linha, o estabelecimento de regras sólidas de governança poderá proteger a EFPC, os administradores (4) e, em última análise, os próprios beneficiários dos planos de previdência.
Para mais informações, procure a equipe de Consultoria Societária do VLF.
Vitória Fiorini
Advogada da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Pedro Ernesto Rocha
Coordenador da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) Apesar de estabelecer que o administrador não será responsável diretamente pelas obrigações que contrair em nome da sociedade em virtude de ato regular de gestão, será responsável pelos prejuízos que causar quando agir com culpa ou dolosamente, mesmo que dentro de suas atribuições, e/ou quando violar o estatuto da sociedade ou a lei. (Vide Lei nº 6.404/1976, que dispõe sobre as Sociedades por Ações, artigo 158: “O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II – com violação da lei ou do estatuto”).
(2) BRASIL. Lei Complementar nº 109/2001. “Art. 63. Os administradores de entidade, os procuradores com poderes de gestão, os membros de conselhos estatutários, o interventor e o liquidante responderão civilmente pelos danos ou prejuízos que causarem, por ação ou omissão, às entidades de previdência complementar.
Parágrafo único. São também responsáveis, na forma do caput, os administradores dos patrocinadores ou instituidores, os atuários, os auditores independentes, os avaliadores de gestão e outros profissionais que prestem serviços técnicos à entidade, diretamente ou por intermédio de pessoa jurídica contratada.”
(3) Superintendência Nacional de Previdência Complementar – Previc. Guia Previc: Melhores Práticas de Governança para Entidades Fechadas de Previdência Complementar. 1ª Edição. Brasília – DF: Previc, setembro de 2012. Itens: 33 – “Os dirigentes e membros dos conselhos deliberativo e fiscal devem cumprir seus respectivos deveres fiduciários.”; 34 – “Para garantir o cumprimento desses deveres, a Previc dispõe de aparato regulatório, que inclui: responsabilização de pessoa física ou jurídica, por ação ou omissão no exercício de suas atribuições ou competências; disponibilização e entrega de informações aos participantes e assistidos; e por último princípios, regras e práticas de governança, gestão e controles internos.”; 41 – “Os dirigentes devem estabelecer procedimentos e regras claras, que permitam o monitoramento da conduta dos integrantes dos órgãos estatutários e de sua equipe, incluindo, também, terceiros com os quais sejam mantidas relações de qualquer natureza.” 47 – “Todos os dirigentes, procuradores com poderes de gestão e membros de conselhos estatutários responderão civilmente pelos danos ou prejuízos que causarem, por ação ou omissão, às EFPC.”; e 55 – “É recomendável que o regulamento de conduta ética preveja a criação de um organismo próprio, com competência para analisar as ações e omissões dos administradores, membros dos conselhos estatutários, dentre outros, e sugerir sanções aplicáveis nos casos de constatação de comportamentos não aderentes às regras de conduta.”
(4) Além disso, para proteção dos administradores da EFPC, é possível contratar seguro D&O, conforme previsto na Resolução CGPC nº 13/2014, no parágrafo único do artigo 22: “O conselho deliberativo poderá assegurar, inclusive por meio de contratação de seguro, o custeio da defesa de dirigentes, ex-dirigentes, empregados e ex-empregados da EFPC, em processos administrativos e judiciais, decorrentes de ato regular de gestão, cabendo ao referido órgão estatutário fixar condições e limites para a finalidade pretendida.”