O regime das nulidades no Novo CPC
Rafhael Frattari
As nulidades processuais sempre foram um problema bastante polêmico para a dogmática jurídica (1), seja pela adoção de terminologias distintas para os mesmos fenômenos, seja pelas várias classificações doutrinárias, muitas vezes descoladas do direito positivo, seja pelas inúmeras condições para a sua aplicação.
Para discutir o tema, é importante repisar a teoria geral do direito, eis que a nulidade ou “invalidade” é uma consequência jurídica a ser aplicada em caso de irregularidade de ato jurídico processual. Sobre o tema, a obra do Prof. Aroldo Plínio Gonçalves é relevantíssima, pois explica com rigor e didática a disciplina das nulidades.
A nulidade é sanção jurídica que é aplicada quando o ato processual é realizado em desacordo com a lei. Segundo o Aroldo Plínio, há dois tipos de sanções jurídicas, quanto à sua finalidade. Algumas imputam consequências negativas à conduta infratora, com o objetivo de desestimular a sua ocorrência. Já as nulidades são sanções que buscam reparar ou neutralizar os efeitos (ou a falta deles) da conduta em desconformidade com a norma (2).
Portanto, as nulidades ou invalidades são consequências jurídicas que devem ser apostas aos atos processuais defeituosos ou à sequência de atos, que tomados isoladamente são regulares, mas que em conjunto são contrários à norma jurídica, sobretudo a ampla defesa e o contraditório.
A nulidade deve sempre ser decretada, não importa para o mundo jurídico antes do seu reconhecimento pelo juiz. Por isso, o Novo Código de Processo Civil perdeu uma boa chance de aprimorar a linguagem utilizada em alguns dispositivos legais. Por exemplo, o art. 279 afirma que “É nulo o processo quando o membro do Ministério Público não for intimado a acompanhar feito em que deva intervir”, quando melhor seria dizer que “Deve ser decretada a nulidade quando...”, pois a aplicação da consequência jurídica da nulidade requer o reconhecimento do juiz, não é automática, a nulidade não é ínsita ao ato defeituoso (3).
Também não pode ser confundida a nulidade com o defeito do ato. Assim, não existe nulidade sanável ou suprível. O que pode ser sanado é o defeito ou vício do ato, não a nulidade. O que pode ser suprida é a falta ou ausência do ato, não a nulidade.
Existem nulidades que são discriminadas especificamente na legislação, com previsão de aplicação em situações específicas, que são consideradas nulidade cominadas, determinadas. De outro lado, existem nulidades não-cominadas, que não decorrem de atos irregulares previstos na lei de forma individualizada. Isso ocorre porque o legislador não pode prever a totalidade das possíveis irregularidades que podem ocorrer, daí a necessidade de que a norma jurídica determine condições para aplicação da nulidade nestes casos.
Aliás, para as nulidades cominadas, em regra, não há grande dificuldade na sua aplicação, pois o próprio direito prevê o ato defeituoso e a sanção a ser aplicada. O problema é mais grave em se tratando de atos irregulares não previstos expressa e especificamente.
Para a hipótese, a legislação processual prevê regras que abordam as condições para a aplicação da nulidade, o que abrange as circunstâncias fáticas e jurídicas concretas, a iniciativa do requerimento de aplicação da nulidade, o momento de requerimento, e os casos em que a nulidade não deve ser aplicada ou relevada.
Nestes casos, há como princípio orientador a instrumentalidade das formas, baseada no alcance da finalidade do ato defeituoso e na ausência de prejuízo para a parte. Se o ato é irregular, mas alcança a finalidade para a qual foi praticado, não há razão suficiente para que seja sancionado, em homenagem ao princípio da efetividade do processo e da economia processual (art. 277, do Novo CPC). De igual modo, se o ato irregular praticado não trouxer prejuízo algum à parte ou ao desenvolvimento do processo, a nulidade não deve ser decretada pelo Juiz (art. 283, parágrafo único do Novo CPC).
Em ultima análise, o que se pretende é que o ato defeituoso não tenha restringido de alguma forma o contraditório, entendido como a garantia da oportunidade de que as partes possam participar do processo, em paritária posição jurídica, para que a preparação do provimento estatal (4). Respeitado o contraditório, a ampla defesa e diante da ausência de prejuízo, o ato defeituoso há de ser considerado válido, sendo eventuais faltas supridas.
O regime jurídico das nulidades está intimamente ligado com a eficiência na condução do processo e com o direito à sua duração razoável, por isso, o Novo CPC manteve a regra de que a nulidade deve ser alegada pela parte na primeira oportunidade que tiver, sob pena de preclusão (art. 278). Obviamente, a regra não é aplicável para os casos em que o juiz deve agir de ofício ou em que haja impedimento para a manifestação da parte (parágrafo único do art. 278).
O rigor com a aplicação da nulidade em citações e intimações fora dos preceitos legais foi mantido (art. 280), pois tais atos têm por função cientificar as partes, e constituem instrumento para abertura do contraditório, daí o regime vetusto a eles aplicável. Para que diminuam as dúvidas sobre a aplicação da nulidade, o juiz sempre deverá declarar quais são os atos atingidos pela sanção, separando-os daqueles considerados hígidos e válidos, cuja ausência se tem por suprida e que não precisam ser repetidos (art. 282), ausente o prejuízo da parte. Por fim, nas hipóteses em que houver irregularidade, mas for possível decidir o mérito em favor da parte a quem ela aproveite, o juiz não deve pronunciá-la ou mandar repetir ato defeituoso e nem suprir-lhe a falta (art. 282, parágrafo 2º).
A análise dos dispositivos acima citados demonstra que quase não houve alteração sobre a matéria, que basicamente teve a redação legal repetida. No entanto, parece inegável que o “espírito” do Novo CPC deva orientar qualquer interpretação sobre as nulidades, e em inequívoca direção.
É induvidosa a guinada do sistema processual para a análise substancial das demandas apresentadas em detrimento às questiúnculas formais, muitas vezes bizantinas.
A parte geral do Novo CPC (que deve orientar toda a sua aplicação) é clara ao prescrever a observância da proporcionalidade, da razoabilidade, da eficiência, desde que assegurados o exercício regular das faculdades processuais e dos meios de defesa aptos a concretizarem o contraditório (5).
Por isso, a tendência jurisprudencial para a superação de defeitos processuais que não tragam prejuízo ao contraditório se tornará cada vez mais forte. De fato, esta é a direção que parece ser a correta, desde que preservados o contraditório e a ampla defesa, sobretudo diante de atos decisórios pouco ou nada fundamentados, que sempre devem ser considerados ilegais, para o bem do próprio Estado Democrático de Direito, pois sem a fundamentação devida não se pode aceitar racionalmente as decisões judiciais e, sobretudo, não se pode controla-las, deixando o cidadão ao alvedrio de arbítrio travestido de legalidade.
Rafhael Frattari
Sócio responsável pela equipe tributária do VLF Advogados.
(1) DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução do Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podium, 2015, p. 397.
(2) GONÇALVES, Aroldo Plínio. Nulidades no Processo. Rio de Janeiro: Aide, 1993, p. 13.
(3) GONÇALVES, Aroldo Plínio. Nulidades no Processo. Rio de Janeiro: Aide, 1993, p. 20.
(4) GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1995.
(5) Para a análise dos fundamentos do NCPC, confira-se: THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamento e sistematização. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.