STJ admite liquidação do seguro-garantia apenas depois do trânsito em julgado
Giovanna Ramos Villegas
É consignado no entendimento jurisprudencial, inclusive positivado no art. 32, §2º, da Lei 6.830/80, a Lei de Execuções Fiscais (1), que os depósitos judiciais em dinheiro serão obrigatoriamente levantados após o trânsito em julgado da decisão, cujas únicas exceções estão dispostas no art. 19 (2) da mesma lei: “não sendo embargada a execução ou sendo rejeitados os embargos”.
Apesar da previsão legal acima, havia dissonância de entendimento dos Tribunais acerca da possibilidade de a seguradora depositar o valor disposto no seguro-garantia em juízo, antes do trânsito em julgado. O argumento utilizado nas decisões favoráveis à realização do depósito antes do trânsito em julgado pela seguradora é que inexiste óbice para a liquidação antecipada, visto que ela não implicaria no levantamento do dinheiro – a efetiva transferência do recurso para a Fazenda – que apenas ocorreria após o trânsito em julgado, estando em suposta consonância com o art. 32, §2º, da Lei de Execuções Fiscais, que estaria se referindo apenas à decisão de 1º grau que rejeitar os embargos à execução.
De outro lado, alegam os contribuintes que não teria sentido obrigar a seguradora do depósito do dinheiro em juízo antes da decisão final no processo, porque: (i) isso aumentaria os custos do seguro garantia, desestimulando o mercado; (ii) o art. 32, §2º da LEF deveria receber uma interpretação sistemática; (iii) isso tornaria a execução mais gravosa para o executado, sem qualquer razão que o justifique, já que o dinheiro teria que ficar depositado até o trânsito em julgado.
Diante do conflito, o STJ, no AREsp nº 2.310.912/MG (3), em 20 de fevereiro 2024, decidiu pela “impossibilidade de intimação da empresa seguradora a depositar o valor do seguro garantia antes do trânsito em julgado da sentença”.
A supracitada decisão é a primeira a tratar do tema de forma expressa, embora no REsp nº 1.033.545/RJ (4), o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) já ter demonstrado sua inclinação ao entendimento do tema ao apreciar a execução antecipada da fiança bancária, conforme se verifica abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. LEI N.º 6.830/80. EMBARGOS À EXECUÇÃO. IMPROCEDENTE. FIANÇA BANCÁRIA. LEVANTAMENTO. CONDICIONADA AO TRÂNSITO EM JULGADO. EQUIPARAÇÃO. DEPÓSITO BANCÁRIO. TRATAMENTO SEMELHANTE PELO LEGISLADOR E JURISPRUDÊNCIA. VIOLAÇÃO AO ART. 535, DO CPC. INOCORRÊNCIA.
1. O levantamento da fiança bancária oferecida como garantia da execução fiscal fica condicionado ao trânsito em julgado da respectiva ação.
2. A leitura sistemática da Lei n.º 6.830/80 aponta que o legislador equiparou a fiança bancária ao depósito judicial como forma de garantia da execução, conforme se depreende dos dispostos dos artigos 9º, § 3º e 15, da LEF, por isso que são institutos de liquidação célere e que trazem segurança para satisfação ao interesse do credor.
3. O levantamento de depósito judicial em dinheiro depende do trânsito em julgado da sentença, nos termos do art. 32, § 2º, daquele dispositivo normativo. Precedentes: REsp 543442/PI, Rel. Ministra ELIANA CALMON, DJ 21/06/2004; EREsp 479.725/BA, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, DJ 26/09/2005.
4. À luz do princípio ubi eadem ratio ibi eadem dispositio, a equiparação dos institutos – deposito judicial e fiança bancária – pelo legislador e pela própria jurisprudência deste e. Superior Tribunal de Justiça impõe tratamento semelhante, o que vale dizer que a execução da fiança bancária oferecida como garantia da execução fiscal também fica condicionado ao trânsito em julgado da ação satisfativa.
5. Os embargos de declaração que enfrentam explicitamente a questão embargada não ensejam recurso especial pela violação do artigo 535, II, do CPC.
6. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.
7. Recurso especial desprovido.
(REsp n. 1.033.545/RJ, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 28/4/2009, DJe de 28/5/2009.)
Assim, a decisão proferida no AREsp nº 2.310.912/MG está em conformidade com o que o STJ vinha decidindo e significa uma vitória importante aos contribuintes e para o próprio mercado das garantias, consolidando a utilização do seguro-garantia.
Mais informações sobre a questão podem ser obtidas junto à equipe de Contencioso Tributário do VLF Advogados.
Giovanna Ramos Villegas
Estagiária na Equipe de Tributário do VLF Advogados
(1) Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, art. 32, §2º: “Os depósitos judiciais em dinheiro serão obrigatoriamente feitos: § 2º – Após o trânsito em julgado da decisão, o depósito, monetariamente atualizado, será devolvido ao depositante ou entregue à Fazenda Pública, mediante ordem do Juízo competente.”
(2) Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, art. 19: “Não sendo embargada a execução ou sendo rejeitados os embargos, no caso de garantia prestada por terceiro, será este intimado, sob pena de contra ele prosseguir a execução nos próprios autos, para, no prazo de 15 (quinze) dias: I – remir o bem, se a garantia for real; ou II – pagar o valor da dívida, juros e multa de mora e demais encargos, indicados na Certidão de Divida Ativa pelos quais se obrigou se a garantia for fidejussória.”
(3) STJ, AREsp nº 2.310.912/MG; Relator: Min. Gurgel de Faria; Órgão Julgador: Primeira Turma. Data de Julgamento: 20/02/2024. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=2.310.912&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MORTO. Acesso em: 27 fev. 2024.
(4) STJ, REsp nº 1.033.545/RJ; Relator: Min. Luiz Fux; Órgão Julgador: Primera Turma. Data de Julgamento: 24/04/2009. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?src=1.1.3&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&num_registro=200800384239. Acesso em: 27 fev. 2024.