O Novo CPC e a ação de dissolução parcial de sociedade
Paulo Vítor Ângelo
O advento da Lei nº 13.105/2015 trouxe relevantes novidades também para os operadores do Direito Societário. Nesse sentido, o Novo Código de Processo Civil (“Novo CPC”) tratou de dispor, no título concernente aos procedimentos especiais (Título III), sobre a ação de dissolução parcial de sociedade (arts. 599 a 609).
A expressão “dissolução parcial de sociedade” teve sua utilização consagrada na prática jurídica nacional como sinônimo da respectiva ação jurisprudencialmente concebida (1). Seu surgimento remete a um contexto em que pedidos de dissolução total de sociedades eram formulados por sócios insurgentes assistidos por este direito. Os magistrados, assim, em atenção aos princípios da função social e da preservação da empresa, passaram a optar por deferir-lhes apenas o direito à correspondente retirada, tendo os seus haveres apurados como se a dissolução total houvesse sido efetivamente decretada (2). Dessa forma, a ação de dissolução parcial de sociedade passou a representar o procedimento próprio para a efetivação judicial do direito de retirada do sócio.
Em sentido amplo, contudo, entende-se por dissolução parcial de sociedade todas as formas de rompimento do vínculo societário perante um ou mais sócios sem que se dê a extinção da avença societária como um todo. Noutras palavras, consiste no rompimento meramente parcial do contrato plurilateral de sociedade, que permanecerá íntegro em relação aos sócios remanescentes. Assim, são causas de dissolução parcial de sociedade o falecimento e a exclusão do sócio – calcada nas hipóteses contratuais e legais de exclusão ou declarada judicialmente –, ou ainda, o exercício pelo sócio dos direitos de retirada ou de recesso.
Tratando-se de criação pretoriana, a ação de dissolução parcial de sociedade não possuía regramento próprio durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973 (“CPC/73”). Dessa forma, eram-lhes comumente aplicadas as normas atinentes ao procedimento de dissolução total contidas nos arts. 655 a 674 do Código de Processo Civil de 1939 (“CPC/39”), que permaneciam em vigor por força do art. 1.218, VII, do CPC/73 (3). A aplicação de tais normas à dissolução parcial, no entanto, sempre foi objeto de severas críticas pela doutrina, haja vista o procedimento constante do CPC/39 haver sido concebido com vista à liquidação da sociedade – resultado inteiramente oposto e incompatível com aquele pretendido no âmbito da dissolução parcial (4).
Conforme o regramento estabelecido pelo Novo CPC, a ação de dissolução parcial de sociedade pode ter por objeto: (a) a resolução da sociedade com relação ao sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou de recesso; (b) a apuração dos haveres do sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou de recesso; ou ainda (c) ambas as hipóteses acima, conjuntamente (Novo CPC, art. 599) (5).
Dispõe o art. 600 do Novo CPC que a ação de dissolução parcial de sociedade poderá ser proposta: (i) pelo espólio do sócio falecido, quando todos os seus sucessores não ingressarem na sociedade; (ii) pelos sucessores do sócio falecido, quando já concluída a partilha; (iii) pela sociedade, caso os sócios sobreviventes não tenham admitido o ingresso do espólio ou dos sucessores do sócio falecido na sociedade, decorrendo o direito de ingresso de disposições do contrato social; (iv) pelo sócio que exerceu o direito de retirada ou de recesso, caso a alteração contratual consensual formalizando o desligamento não tenha sido providenciada pelos demais sócios em até 10 (dez) dias do exercício deste direito; (v) pela sociedade, nos casos em que a lei não autorizar a exclusão extrajudicial de sócio; ou (vi) pelo sócio excluído. Importante disposição é encontrada no parágrafo único do artigo em comento, segundo o qual o cônjuge ou companheiro do sócio cujo casamento, união estável ou convivência tenha terminado poderá requerer a apuração de seus haveres na sociedade, a serem pagos à conta da quota social titulada por aquele sócio (6).
Uma vez citados, os sócios e a sociedade terão o prazo de 15 (quinze) dias para concordarem com o pedido ou apresentarem contestação. Caso citados todos os sócios, não o será a sociedade, que se sujeitará, contudo, aos efeitos da decisão e à coisa julgada (Novo CPC, art. 601) (7). Havendo concordância expressa e unânime das partes quanto à dissolução, esta será decretada pelo juiz, passando-se diretamente à fase de liquidação. Por outro lado, em havendo contestação, o procedimento observará o rito comum, aplicando-se as disposições do procedimento especial apenas quando da liquidação da sentença (Novo CPC, art. 603) (8).
No que toca à apuração dos haveres do sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou de recesso, deverá o juiz, na sentença: (i) fixar a data da resolução da sociedade; (ii) definir o critério para a apuração dos haveres, com base nas disposições do contrato social; e (iii) nomear o perito. O juiz determinará à sociedade e aos sócios remanescentes, ainda, que a parte incontroversa dos haveres devidos sejam depositados em juízo, os quais poderão ser imediatamente levantados pelo ex-sócio, pelo espólio ou pelos sucessores (Novo CPC, art. 604) (9).
Sendo omisso o contrato social, estabelecerá o juiz sejam os haveres apurados pelo critério do valor patrimonial aferido em balanço de determinação, com ativos e passivos avaliados a preços de saída, tomando-se por referência a data da resolução da sociedade (Novo CPC, art. 606) (10). Esta última, com efeito, será: (i) no caso de falecimento do sócio, a data do óbito; (ii) no caso de retirada imotivada, o sexagésimo dia seguinte ao do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante; (iii) no caso do exercício do direito de recesso, o dia do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio dissidente; (iv) nos casos de retirada por justa causa de sociedade por prazo determinado e de exclusão judicial de sócio, a data do trânsito em julgado da decisão que dissolver a sociedade; e (v) no caso de exclusão extrajudicial de sócio, a data da assembleia ou da reunião de sócios que a tiver deliberado (Novo CPC. art. 605) (11).
Os valores devidos ao ex-sócio, ao espólio ou aos sucessores serão integrados, até a data fixada para a resolução da sociedade, por todos os lucros ou juros sobre o capital próprio por ela declarados, incluindo, se for o caso, a remuneração devida pela respectiva atuação na administração social. Após essa data, contudo, acrescerão aos valores apurados apenas a correção monetária correspondente e os juros contratuais ou legais (Novo CPC, art. 608) (12). Para a realização do respectivo pagamento, prevalecerão as disposições do contrato social, e em seu silêncio, o disposto no §2º do art. 1.031 do Código Civil (13).
Não obstante comecem a surgir os primeiros questionamentos quanto ao tratamento dado à matéria, sobretudo em virtude de imprecisões técnicas verificadas na redação dos dispositivos legais, a previsão da ação de dissolução parcial de sociedade no Novo CPC é fato positivo, que preenche importante lacuna existente no ordenamento jurídico nacional. Caberá à doutrina e à jurisprudência aperfeiçoarem a interpretação conferida a esses dispositivos, contribuindo para que se tornem mais previsíveis os meandros da ruptura parcial do contrato de sociedade.
Paulo Vítor Ângelo
Advogado da equipe de Consultoria Societária do VLF Advogados.
(1) Sobre a concepção da dissolução parcial no sistema jurídico, vale rememorar os ensinamentos de Rubens Requião, em tese de 1959 intitulada “A Preservação da Sociedade Comercial Pela Exclusão do Sócio”, disponível em http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/24814/T%20-%20REQUIAO,%20RUBENS%20(T%203492).pdf?sequence=1, na qual o autor explica a fundamentação jurisprudencial para os primeiros deferimentos de dissoluções parciais e traça um paralelo deste instituto com a ideia de exclusão de sócio.
(2) “[...] o certo é que a jurisprudência criou uma nova forma de afastamento do sócio da sociedade, a qual impropriamente denominou também de dissolução parcial. Consiste esta no decreto de retirada do sócio que requereu a dissolução total, porquanto se entende que a vontade unilateral do sócio não deva prevalecer sobre a utilidade social e econômica representada pela empresa. Todavia, neste caso, como ao sócio assiste o direito de pleitear a dissolução total da sociedade, permite-se que este saia da sociedade recebendo os respectivos haveres, calculados estes do mesmo modo como sucederia na hipótese de acolhimento do pedido de dissolução total.” (FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio – 5. ed. – São Paulo: Atlas, 2012, p. 55).
(3) Art. 1.218. Continuam em vigor até serem incorporados nas leis especiais os procedimentos regulados pelo Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939, concernentes: [...] Vll – à dissolução e liquidação das sociedades (arts. 655 a 674); (CPC/73, art. 1.218, VII.
(4) “A dissolução parcial é criação pretoriana. Carece, por essa razão, de regramento processual. Tal carência tem levado o intérprete a socorrer-se ora das normas pertinentes ao procedimento da dissolução total – arts. 655 usque 674 do Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939) em vigor por força da determinação contida no art. 1.218, VII, da Lei Processual Civil vigente –, ora daquelas constantes do Capítulo XVII da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, relativas à dissolução, liquidação e extinção das sociedades por ações (arts. 206 usque 219). Sucede, todavia, que nenhum desses diplomas legais amolda-se à dissolução parcial, já que esta – ao contrário da dissolução total – não visa à liquidação e à extinção da sociedade, mas apenas à retirada do sócio descontente, com a consequente apuração dos haveres a este devidos. E essa apuração de haveres não se confunde, em absoluto, com a liquidação tal qual verificada ao cabo da existência da sociedade, pois que não objetiva à alienação do ativo e, tampouco, ao pagamento do passivo. Colima, isto sim – pode-se afirmar com um certo esforço –, uma liquidação ficta, já que o pagamento ao retirante é levado a efeito, em princípio, independentemente de qualquer ato que implique a venda de bens ou mesmo o pagamento de passivo. (FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio – 5. ed. – São Paulo: Atlas, 2012, p. 76).
(5) Art. 599. A ação de dissolução parcial de sociedade pode ter por objeto: I - a resolução da sociedade empresária contratual ou simples em relação ao sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; e II - a apuração dos haveres do sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; ou III - somente a resolução ou a apuração de haveres. (Novo CPC, art. 599, I, II e III).
(6) Art. 600. A ação pode ser proposta: I - pelo espólio do sócio falecido, quando a totalidade dos sucessores não ingressar na sociedade; II - pelos sucessores, após concluída a partilha do sócio falecido; III - pela sociedade, se os sócios sobreviventes não admitirem o ingresso do espólio ou dos sucessores do falecido na sociedade, quando esse direito decorrer do contrato social; IV - pelo sócio que exerceu o direito de retirada ou recesso, se não tiver sido providenciada, pelos demais sócios, a alteração contratual consensual formalizando o desligamento, depois de transcorridos 10 (dez) dias do exercício do direito; V - pela sociedade, nos casos em que a lei não autoriza a exclusão extrajudicial; ou VI - pelo sócio excluído. Parágrafo único. O cônjuge ou companheiro do sócio cujo casamento, união estável ou convivência terminou poderá requerer a apuração de seus haveres na sociedade, que serão pagos à conta da quota social titulada por este sócio. (Novo CPC, art. 600).
(7) Art. 601. Os sócios e a sociedade serão citados para, no prazo de 15 (quinze) dias, concordar com o pedido ou apresentar contestação. Parágrafo único. A sociedade não será citada se todos os seus sócios o forem, mas ficará sujeita aos efeitos da decisão e à coisa julgada. (Novo CPC, art. 601).
(8) Art. 603. Havendo manifestação expressa e unânime pela concordância da dissolução, o juiz a decretará, passando-se imediatamente à fase de liquidação. §1º Na hipótese prevista no caput, não haverá condenação em honorários advocatícios de nenhuma das partes, e as custas serão rateadas segundo a participação das partes no capital social. §2º Havendo contestação, observar-se-á o procedimento comum, mas a liquidação da sentença seguirá o disposto neste Capítulo. (Novo CPC, art. 603).
(9) Art. 604. Para apuração dos haveres, o juiz: I – fixará a data da resolução da sociedade; II – definirá o critério de apuração dos haveres à vista do disposto no contrato social; e III – nomeará o perito. §1º O juiz determinará à sociedade ou aos sócios que nela permanecerem que depositem em juízo a parte incontroversa dos haveres devidos. §2º O depósito poderá ser, desde logo, levantando pelo ex-sócio, pelo espólio ou pelos sucessores. §3º Se o contrato social estabelecer o pagamento dos haveres, será observado o que nele se dispôs no depósito judicial da parte incontroversa. (Novo CPC, art. 604).
(10) Art. 606. Em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma. Parágrafo único. Em todos os casos em que seja necessária a realização de perícia, a nomeação do perito recairá preferencialmente sobre especialista em avaliação de sociedades. (Novo CPC, art. 606).
(11) Art. 605. A data da resolução da sociedade será: I – no caso de falecimento do sócio, a do óbito; II – na retirada imotivada, o sexagésimo dia seguinte ao do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante; III – no recesso, o dia do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio dissidente; IV – na retirada por justa causa de sociedade por prazo determinado e na exclusão judicial de sócio, a do trânsito em julgado da decisão que dissolver a sociedade; e V – na exclusão extrajudicial, a data da assembleia ou da reunião de sócios que a tiver deliberado. (Novo CPC, art. 605).
(12) Art. 608. Até a data da resolução, integram o valor devido ao ex-sócio, ao espólio ou aos sucessores a participação nos lucros ou os juros sobre o capital próprio declarados pela sociedade e, se for o caso, a remuneração como administrador. Parágrafo único. Após a data da resolução, o ex-sócio, o espólio ou os sucessores terão direito apenas à correção monetária dos valores apurados e aos juros contratuais ou legais. (Novo CPC, art. 608).
(13) Art. 609. Uma vez apurados, os haveres do sócio retirante serão pagos conforme disciplinar o contrato social e, no silêncio deste, nos termos do §2º do art. 1.031 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). (Novo CPC, art. 609).