Preservação ambiental e segurança jurídica: o problema dos Parques de Papel
Leonardo Corrêa
A legislação ambiental brasileira é amplamente reconhecida como uma das mais avançadas do mundo. Ao longo das últimas três décadas, nosso sistema jurídico ambiental consolidou diversos institutos essenciais para compatibilizar o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental. Contudo, análise detalhada revela que a aplicação desses mecanismos pelo Estado muitas vezes resulta em maior insegurança jurídica e falta de previsibilidade para o setor privado. É o caso, por exemplo, da implementação das Unidades de Conservação (“U.C.”) e o fenômeno dos “Parques de Papel”.
A Lei nº 9.985/2000, popularmente conhecida como Lei da SNUC, estabeleceu o sistema nacional de unidades de conservação. Essas unidades, também chamadas de “espaços territorialmente protegidos”, são áreas ecologicamente relevantes com regulamentações específicas sobre interações humanas e uso dos recursos naturais. Conforme definido na legislação, as U.C. podem ser categorizadas em dois grupos distintos: proteção integral e uso sustentável.
As U.C. de Proteção Integral adotam regime jurídico mais rigoroso quanto ao uso dos recursos naturais em comparação com as U.C. de Uso Sustentável. Em geral, essas áreas são exclusivamente de domínio público, não sendo permitida a propriedade privada no interior de sua área. Além disto, no caso das U.C. de Proteção Integral, a norma adota como padrão o uso indireto dos recursos naturais, ou seja, atividades antrópicas que não envolvem consumo, coleta, dano ou destruição desses recursos.
O Parque (nacional, estadual ou municipal) é uma espécie de U.C. de Proteção Integral regulamentada pela Lei nº 9.985/2000, sendo que o § 1º do art. 11 é claro ao estabelecer a incompatibilidade entre a propriedade privada e a premissa jurídica de proteção integral.
Art. 11. O Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.
§ 1º O Parque Nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei.
Em razão da inexistência de regramento específico sobre o procedimento de desapropriação, aplica-se o regime geral de desapropriação por utilidade pública nos termos do Decreto-Lei nº 3.365/1941. Uma das hipóteses de utilidade pública está definida no art. 5º: “a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza”.
Em termos procedimentais, a desapropriação deverá efetivar-se dentro do lapso temporal de cinco anos, contados a partir da data de expedição do decreto, sob pena de caducidade. Caso a administração pública não adote as providências de desapropriação no período acima, extingue-se os efeitos jurídicos de afetação da área pela utilidade pública. É bem verdade que, decorrido um ano da caducidade, a administração poderá realizar nova declaração de utilidade pública no mesmo bem, sendo, portanto, novamente afetado.
Apesar do comando constitucional e legal, há grande desconexão entre o processo de criação de U.C. de Proteção Integral (entre eles, o Parque) e sua adequada implementação nos termos estabelecidos pela legislação. A ineficiência estatal de viabilizar a desapropriação (judicial ou amigável) no lapso temporal legal resulta no fenômeno dos “Parques de Papel”.
É comum encontrar casos de sobreposição entre os Parques de Papel e atividades econômicas já em curso antes da declaração administrativa de utilidade pública. Outra situação frequente é a sobreposição entre títulos minerários e esses parques fictícios. Ao não concretizar a desapropriação das propriedades privadas dentro dos limites do Parque, o poder público cria situação paradoxal e absurda, esvaziando economicamente o direito de propriedade sem efetuar a devida desapropriação.
O judiciário, por sua vez, não consolidou posicionamento claro sobre a ilegalidade dos Parques de Papel. Há decisões judiciais no sentido de que a caducidade do decreto executivo não gera efeitos na criação da U.C. (TRF4, EINF 5006083-61.2011.4.04.7000, SEGUNDA SEÇÃO, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR; TRF1 - QUARTA TURMA, e-DJF1 29/08/2016).
Parece-nos que essa interpretação não é a mais apropriada.
A caducidade do decreto executivo deve acarretar efeitos jurídicos imediatos sobre as restrições impostas à propriedade privada.
A caducidade não implica na revogação do ato normativo que estabelece a criação da U.C., mas afeta seus efeitos jurídicos. Assim, no plano de existência, o Parque de Papel continua a subsistir juridicamente. Contudo, em relação ao plano da validade e eficácia, não, pois a motivação jurídica para sua criação não subsiste com a caducidade do decreto de utilidade pública.
É verdade que a extinção das U.C. depende de lei, conforme estabelecido no artigo 225, § 1º, III da Constituição Federal. Esse dispositivo constitucional visa evitar a supressão precipitada de U.C. sem o devido debate no âmbito legislativo. Contudo, o artigo 225, § 1º, III presume uma atuação administrativa pautada na legalidade e boa-fé do Poder Público. Serve como salvaguarda constitucional para evitar a extinção abrupta de áreas protegidas. No entanto, é importante ressaltar que, após a caducidade, um Parque de Papel não impõe as restrições jurídicas à propriedade privada como um Parque legalmente instituído. No caso do Parque de Papel, a motivação jurídica para sua criação perde a validade com o término do decreto.
A proteção ambiental é essencial, mas deve ser realizada dentro dos limites do Estado de Direito. A proteção ambiental e a segurança jurídica são componentes interdependentes e complementares em qualquer sistema legal. A ausência de jurisprudência consolidada sobre o assunto contribui para comportamentos arbitrários por parte da administração e para a proliferação dos Parques de Papel.
Para saber mais sobre o tema, consulte a equipe de Direito Ambiental e Negócios Sustentáveis do VLF Advogados.
Leonardo Corrêa
Sócio-executivo da Equipe de Direito Ambiental e Negócios Sustentáveis do VLF Advogados