O Novo CPC e o incidente de desconsideração da Personalidade Jurídica
Mariana Cavalieri
No Código Processual Civil até então vigente (“CPC/73”), a ausência de normas regulamentadoras do instituto da desconsideração da personalidade jurídica fazia com que o incidente fosse delimitado, tão somente, pelo entendimento jurisprudencial dos tribunais pátrios.
A insegurança jurídica era atestada pela aplicação de diferentes procedimentos em casos semelhantes. Conquanto grande parte da jurisprudência entendesse tratar-se de incidente processual, seu trâmite era determinado pelo magistrado.
A título de exemplo, vê-se que, majoritariamente, a desconsideração da personalidade jurídica era concedida inaudita altera pars, sendo viabilizado o contraditório apenas em sede recursal (1). Em casos mais extremos, a decisão era proferida em sigilo absoluto, de forma que os sócios somente tomavam conhecimento da questão após o bloqueio dos seus bens, mediante restrições judiciais.
A fim de regularizar o instituto, no Novo Código de Processo Civil (“Novo CPC”) o incidente de desconsideração da personalidade jurídica ganhou capítulo próprio e destaque merecido (Capítulo IV, do Titulo II). O legislador estabeleceu delimitações mais severas, sendo necessária, para a aplicação da teoria, a comprovação de todas as formalidades legais específicas previstas no Novo CPC.
Denota-se da própria nomenclatura atribuída ao capítulo dedicado ao tema, a desconsideração da personalidade jurídica será um incidente processual, o qual poderá ser instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo (2), em todas as fases do processo de conhecimento, do cumprimento de sentença e da execução fundada em título extrajudicial (3).
Mister ressaltar a possibilidade de requerer a aplicação do instituto na peça de ingresso, hipótese em que será procedida a citação dos sócios ou da pessoa jurídica, nos termos do art. 134, §2º, do Novo CPC, sendo desnecessária, neste caso, a suspensão do processo.
Nesse diapasão, de acordo com o Enunciado nº 248 do VI Fórum Permanente de Processualistas Civis – VI FPPC, na eventualidade do requerimento de desconsideração da personalidade jurídica ser formulado na petição inicial, incumbirá ao sócio ou à pessoa jurídica citada impugnar não só a desconsideração pleiteada, mas todos os pontos da causa (4).
Concluída a fase instrutória, em observância ao princípio do contraditório e da ampla defesa, o incidente será dirimido mediante decisão interlocutória, a qual desafiará agravo de instrumento. Estando a demanda no tribunal, a decisão proferida pelo relator será combatida mediante interposição de agravo interno.
Vê-se, portanto, que o Novo CPC delimitou todas as diretrizes e formalidades legais para a instauração do incidente, estabelecendo regras procedimentais e priorizando a segurança jurídica e o devido processo legal em detrimento da celeridade processual.
Em lado oposto, repita-se, na vigência do CPC/73, o instituto, por não ter regras e limites estabelecidos pela lei, era aplicado caso a caso, de acordo com a livre interpretação do magistrado.
É possível que, diante da necessidade de respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa, o trâmite do incidente, até a decisão, seja moroso. Trata-se de um ponto negativo que merece atenção e cuidado por parte dos aplicadores do direito, a fim de evitar prejuízos àqueles que farão valer essa norma.
Nada obstante, assim como toda norma jurídica, ainda que presentes alguns pontos negativos, esta condição não subtrai a louvável intenção do legislador em trazer balizas sólidas e eficazes para a instauração do incidente que, como visto, era carente de diretrizes.
Em uma análise geral, pode-se concluir que a nova regulamentação normativa trazida pelo Novo CPC facilitará a aplicação do instituto pelos operadores do direito, na medida em que todo o procedimento relativo a esse incidente processual foi ditado pelo legislador, garantindo a segurança jurídica até então inexistente.
Mariana Cavalieri
Advogada da equipe de Direito do Consumidor do VLF Advogados.
(1) DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESNECESSIDADE DE CITAÇÃO DOS SÓCIOS ATINGIDOS. PRECEDENTES. VERIFICAÇÃO DA PRESENÇA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 50 DO CÓDIGO CIVIL. ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA DO STJ. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS APTOS A INFIRMAR OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Segundo a jurisprudência do STJ, a desconsideração da personalidade jurídica, como incidente processual, pode ser decretada sem a prévia citação dos sócios atingidos, aos quais se garante o exercício postergado ou diferido do contraditório e da ampla defesa. Precedentes de ambas as Turmas que integram a Segunda Seção do STJ. 2. A verificação da presença dos requisitos para a aplicação da disregard doctrine previstos no art. 50 do Código Civil, por constituir matéria fática, é vedada pelo enunciado n. 7 da Súmula do STJ. Precedente. 3. Se o agravante não traz argumentos aptos a infirmar os fundamentos da decisão agravada, deve-se negar provimento ao agravo regimental. Precedente. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1523930/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/06/2015, DJe 25/06/2015).
(2) Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. (Novo CPC, art. 133).
(3) Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. (Novo CPC, art. 134).
(4) 248: (art. 134, § 2º; art. 336) Quando a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, incumbe ao sócio ou a pessoa jurídica, na contestação, impugnar não somente a própria desconsideração, mas também os demais pontos da causa. (Grupo: Petição inicial, resposta do réu e saneamento) (Enunciado nº 248, do VI Fórum Permanente de Processualistas Civis).