O Novo CPC e sua aplicação no Processo do Trabalho em relação à distribuição dinâmica do ônus da prova
Clarissa Melo e Larissa Almeida
É sabido que o Código de Processo Civil é utilizado como norma subsidiária aplicável ao Processo do Trabalho. Contudo, as hipóteses de sua aplicação estão restritas àquelas em que a Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”) for omissa, e ainda, apenas nos casos em que houver compatibilidade de normas. Esta subsidiariedade está prevista no famigerado artigo 769 da CLT, da seguinte forma:
“Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.”
Em razão dessa manifesta subsidiariedade, a entrada em vigor Novo Código de Processo Civli traz , traz à tona os velhos questionamentos acerca de quais normas serão ou não aplicáveis ao Processo do Trabalho.
O Novo CPC prevê em seu artigo 15 que na ausência de normas que regulem o processo trabalhista, suas disposições deverão ser utilizadas de forma subsidiária e também supletiva. Ou seja, além da já conhecida e utilizada subsidiariedade do Processo Civil prevista no artigo 769 da CLT, o Novo CPC dispõe sobre uma possível complementação de eventual dispositivo celetista já existente.
Feitas essas considerações, passa-se a analisar algumas normas do Novo CPC concernentes à distribuição dinâmica do ônus da prova e suas repercussões no Processo do Trabalho.
Nesse sentido, tem-se que a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, que teve suas raízes na construção jurisprudencial, agora se encontra positivada no artigo 373, §1º do Novo CPC. Segundo essa teoria, o ônus da prova pertence a quem tem melhores condições de produzi-la, diante das circunstâncias fáticas do caso concreto.
Contudo, é sabido que tal teoria não se trata de uma inovação no ordenamento jurídico, tendo em vista que o Código de Defesa do Consumidor já indicava, expressamente, como sendo direito básico do consumidor, a “facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências” (artigo 6º, inciso VIII).
Por sua vez, o Processo do Trabalho também muito se valeu e ainda se vale dessa dinâmica processual, conferindo, em determinadas ocasiões, tratamento especial ao trabalhador no que tange ao ônus da prova, haja vista não raras vezes a sua produção ser mais penosa para o empregado, ou até mesmo inatingível.
Nesse cenário juslaboral, o que se verificava é que o ônus probatório, eventualmente, acabava sendo distribuído de forma indiscriminada, sendo imputado ao empregador mesmo nas hipóteses em que incumbia exclusivamente ao empregado.
O Novo CPC, por sua vez, manteve a atual distribuição do ônus probatório entre autor (quanto ao fato constitutivo de seu direito) e réu (quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor), abrindo-se, porém, no §1º do artigo 373, a possibilidade de aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova pelo juiz no caso concreto. Tal dispositivo tem a seguinte redação:
“§1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.”
Desta forma, em que pese o Novo CPC permitir expressamente a distribuição dinâmica do ônus da prova pelo juiz, o dispositivo destaca a necessidade de fundamentação específica da decisão judicial que se valer da referida previsão legal, além da necessidade de se oportunizar à parte contrária defender-se desta decisão.
Ademais, o §2º do referido artigo 373 do Novo CPC dispõe que a decisão de redistribuição do ônus da prova não pode gerar “situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil”. Isto é, caso a prova seja a chamada prova “diabólica” ou impossível de se produzir para ambas as partes da demanda, o juiz deverá basear-se em outras provas eventualmente produzidas, nas presunções e regras de experiência.
Finalmente, cumpre destacar que a possibilidade de distribuição diversa do ônus da prova por convenção das partes continua possível no Novo CPC, exceto quando recair sobre direito indisponível ou quando tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito, podendo a convenção ser celebrada antes ou durante a demanda (§4º).
Ressalte-se que o TST já firmou entendimento através da recentíssima Resolução Administrativa 203, que entrou em vigor em 17/03/2016, no sentido de que se aplicam ao Processo do Trabalho as disposições do artigo 373 atinentes à distribuição do ônus da prova, à exceção dos § 3º e 4º, que dispõe acerca da possibilidade de convenção entre as partes (1). O mesmo entendimento já havia sido aprovado pelo Fórum Permanente de Processualistas Civis (2).
Portanto, considerando a aplicação subsidiária do Novo CPC ao Processo do Trabalho, acredita-se que as novas disposições acerca da distribuição dinâmica do ônus da prova farão com que tal procedimento seja utilizado de forma mais criteriosa pelos magistrados, trazendo maior segurança jurídica para o empregador, que normalmente é a parte que se vê prejudicada pela adoção dessa dinâmica.
Clarissa Melo
Advogada da equipe de Direito do Trabalho do VLF Advogados.
Larissa Almeida
Estagiária da equipe de Direito do Trabalho do VLF Advogados.
(1) O texto completo da resolução pode ser acessado em http://www.tst.jus.br/documents/10157/429ac88e-9b78-41e5-ae28-2a5f8a27f1fe
(2) Enunciado 302. “(arts. 373, §§1º e 2º, e 15). Aplica-se o art. 373, §§1º e 2º, ao processo do trabalho, autorizando a distribuição dinâmica do ônus da prova diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade da parte de cumprir o seu encargo probatório, ou, ainda, à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. O juiz poderá, assim, atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que de forma fundamentada, preferencialmente antes da instrução 46 e necessariamente antes da sentença, permitindo à parte se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. (Grupo: Impacto do CPC no processo do trabalho)”. O enunciado foi aprovado no IV Encontro do Fórum Permanente de Processualistas Civis, ocorrido em Belo Horizonte nos dias 5, 6 e 7 de dezembro de 2014. A versão consolidada dos enunciados por ser acessada em http://www.portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf?