Tipos contratuais em série: contratos de comissão vs. contrato de corretagem
Felipe Melazzo
Conforme Newsletters anteriores (1), diante da quantidade de contratos “típicos”, isto é, regulados pelo Código Civil, é razoável que eles apresentem similaridades entre si e gerem, na prática contratual, algumas confusões para os contratantes no momento de elegerem a melhor formatação para determinado negócio.
Nesta nova edição dos “Tipos contratuais em série”, será o momento de explorar os contratos de comissão e de corretagem, apresentar a noção de cada um deles e traçar as principais distinções do ponto de vista conceitual e em relação aos seus objetos. Assim como os textos anteriores da série, não se pretende esgotar todas as diferenças existentes, mas apenas apresentar aquelas suficientes para auxiliar a eleição e identificação desses tipos contratuais.
Os contratos de comissão e de corretagem são contratos de “colaboração empresarial”, isto é, são utilizados para cumprir a importante função de intermediar a circulação de produtos e serviços no mercado (2), daí a frequência com que aparecem na atividade empresarial, justificando-se o interesse por eles.
1) Contrato de comissão
O contrato de comissão, regulado pelos artigos 693 a 709 do Código Civil, consiste tradicionalmente naquele em que uma pessoa (o comissário) adquire ou vende bens em seu próprio nome, mas por conta de outrem (o comitente) (3).
Com a vigência da Lei nº 14.690/2023, que instituiu o Programa Emergencial de Renegociação de Dívidas de Pessoas Físicas Inadimplentes – Desenrola Brasil, o artigo 693 do Código Civil, que conceitua o contrato de comissão, foi alterado para considerar abarcada pelo tipo contratual a realização de mútuo ou outro negócio jurídico de crédito pelo comissário.
Segundo Arnaldo Rizzardo (4), no contrato de comissão, o comissário age em seu próprio nome e responsabilidade, obrigando-se para com terceiros com quem contrata, mas por ordem do comitente, em troca de uma remuneração.
Isso significa, portanto, que o comissário atua conforme as ordens recebidas pelo comitente, mas contrata em nome próprio (enquanto pessoa física) ou por meio de pessoa jurídica. Logo, o comitente não participa das relações que o comissário realizou com os terceiros com que contratou (5).
Assim, geralmente, as pessoas com quem o comissário contratou não podem agir judicialmente contra o comitente para exigir o cumprimento da obrigação em questão, por exemplo, e vice-versa. É o que dispõe o artigo 694 do Código Civil: “O comissário fica diretamente obrigado para com as pessoas com quem contratar, sem que estas tenham ação contra o comitente, nem este contra elas, salvo se o comissário ceder seus direitos a qualquer das partes”.
2) Contrato de corretagem
O contrato de corretagem, regulado pelos artigos 722 ao 729 do Código Civil, é o tipo contratual em que uma das partes (não ligada a outra por mandato, prestação de serviços ou qualquer outra relação de dependência), mediante remuneração, se obriga a obter negócios para a outra parte, conforme instruções recebidas (6).
No contrato de corretagem, portanto, o objeto é a intermediação em que o corretor realiza, com intuito de colocar o seu contratante em contato com outras pessoas, conhecidas ou não, para celebrar determinado contrato (7).
Segundo Rizzardo, a partir da conceituação legal prevista no artigo 722 do Código Civil pode-se abstrair que a atividade do corretor é a de obtenção de um ou mais negócios para aquele que o contrata para caracterizar a sua obrigação como sendo de resultado, isto é, se comprometendo que o contrato seja firmado com o terceiro aproximado (8).
Entretanto, de acordo com o autor, apesar dessa leitura legal, no contrato de corretagem o corretor não promete a contratação. Logo, a sua obrigação seria de meio, isto é, o corretor envidaria todos os esforços para que, da aproximação das partes, surja um negócio (9).
Todavia, ainda há controvérsias jurisprudenciais em relação a esse ponto, uma vez que há entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) no sentido de defender que a obrigação do corretor seria de resultado e, portanto, a remuneração do corretor dependeria necessariamente da celebração do contrato pelas partes aproximadas (10).
De toda forma, independente das discussões pontuadas acima, fato é que a realização de intermediação pelo corretor é ponto crucial na definição do tipo contratual de corretagem.
3) Principais diferenças entre os contratos de comissão e de corretagem em relação ao seu objeto
O objeto do contrato de comissão consiste na realização, pelo comissário, de vínculos contratuais enquanto parte, entretanto, por conta do comitente e mediante determinada remuneração.
Essa forma contratual foi bastante utilizada no passado, pois permitia o escoamento da produção de café por meio dos “comissários de café”, que em seu próprio nome comercializavam grãos recebidos pelos plantadores. Nesse sentido, o contrato de comissão, por permitir que determinado fabricante distribua seus produtos em outra praça, sem ter que assumir por si os riscos de desbravar um mercado desconhecido, ganhou muita importância no desenvolvimento do comércio internacional (11).
Ainda em relação ao contrato de comissão, verifica-se uma modalidade desse tipo utilizada comumente nas operações em Bolsas de Valores, que é a comissão del credere (ou comissão de garantia). Nessa configuração, o comissário constitui-se como garantidor solidário perante o comitente pela solvabilidade e pontualidade dos terceiros com quem contrata (12).
Entretanto, o comissário só responderá perante o comitente pelas obrigações das pessoas com quem contratar nos casos em que (a) tiver agido com culpa ou dolo, isto é, por sua negligência, imprudência ou imperícia na condução dos negócios vinculados ao contrato de comissão que exerce; e (b) se caracterizada má-fé por conluio com terceiro (13).
Nos contratos de comissão del credere, conforme dispõe artigo 698 do Código Civil, diante do ônus assumido pelo comissário, esse tem direito a remuneração mais elevada a ser paga pelo comitente, salvo estipulação em contrário entre as partes.
Por fim, tem-se concluído reiteradamente no âmbito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (“TJDF”) que a relação entre as empresas aéreas e as agências de viagem é regida pelas regras do contrato de comissão empresarial, sendo as empresas comitentes e as agências comissárias (14).
Já em relação ao contrato de corretagem, o objeto do contrato está ligado a aproximação de determinadas pessoas, para que elas possam formar um vínculo contratual, sem a presença do corretor enquanto parte.
A corretagem tem sido amplamente utilizada nas áreas de seguro, de mercado de capitais e de imóveis (15). Tanto é assim que o Estado prevê maior regulação no exercício da atividade dos corretores que atuam nesses mercados, os chamados “corretores oficiais”. Nestas situações, os corretores possuem sua profissão regulamentada por lei e precisam atender a critérios específicos para praticá-la, incluindo requisitos de idade, integridade, cidadania, e ainda estão sujeitos à incidência de contribuição previdenciária sobre a comissão paga ao corretor de seguros (16).
A atividade dos corretores de seguros é regulada pela Lei nº 4.594/1964, a dos corretores de valores mobiliários pela Lei nº 2.146/1953, e a dos corretores de imóveis pela Lei nº 6.530/1978.
Para além dos corretores oficiais, existe também os “corretores livres”, que são aqueles que não atuam nos mercados mencionados acima e, sem designação oficial, exercem, com ou sem exclusividade, a atividade de corretores de forma contínua ou intermitente (17).
Apesar das diferenças entre os contratos de comissão e de corretagem mencionadas acima, nem só delas vivem esses tipos. A título de curiosidade, o Código Civil nomeia como apenas “remuneração”, o valor pago ao corretor pela outra parte (vide artigo 724). Entretanto, é comum, sobretudo no mercado imobiliário, utilizar o termo “comissão” para nomear a remuneração dada ao corretor por meio de um contrato de corretagem. Apesar da utilização recorrente nesse meio, trata-se de um jargão da prática contratual que não tem o poder de transformar o tipo contratual de corretagem em um contrato típico de comissão.
4) Breves reflexões conclusivas
Esclarecidas as noções e distinções dos contratos de comissão e de corretagem, cabe apresentar o quadro abaixo, cujo objetivo é sumarizar as informações trazidas:
Objeto contratual:
Comissão: Vínculos contratuais por conta do comitente;
Corretagem: Intermediação das partes pelo corretor.
Aplicações mais comuns:
Comissão: Contratos voltados ao comércio internacional; operações na Bolsa de Valores; relação entre empresas aéreas e agência de viagem;
Corretagem: Contratos do mercado de seguros, imóveis e valores mobiliários.
Destaca-se que as características e distinções apresentadas anteriormente foram delineadas com o propósito educativo de distinguir os tipos contratuais. Isso significa que essas características não são fixas nem definitivas. Assim, essas distinções são importantes para entender os direitos e obrigações que cada parte assume em tais contratos, mas elas podem ser modificadas conforme o desejo das partes e dentro dos limites legais.
Compreender as principais diferenças entre esses tipos de contratos é crucial para estabelecer a melhor abordagem para regular a divisão de responsabilidades e riscos de cada uma das partes envolvidas.
O VLF Advogados conta com uma equipe especializada em consultoria contratual com vasta experiência na elaboração e negociação de uma ampla gama de contratos, incluindo comissão e corretagem. Para mais informações, não hesite em nos contatar.
Felipe Melazzo
Advogado da Equipe de Consultoria e Compliance do VLF Advogados
(1) Por meio dos textos: “Tipos contratuais em série: contrato de prestação de serviços vs. contrato de empreitada” (https://www.vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=2532) e “Tipos contratuais em série: entenda o contrato de colocation em telecomunicações” (https://www.vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=2697).
(2) THEODORO JR. Contratos de Colaboração Empresarial. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2019. E-book.
(3) PEREIRA, Caio Mário da S. Instituições de Direito Civil: Contratos. v. III. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. E-book. p. 373.
(4) e (5) RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2022, 2023. E-book. p. 668.
(6) e (7) PEREIRA, Caio Mário da S. Instituições de Direito Civil: Contratos. v. III. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. E-book. p. 368.
(8) e (9) RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2022, 2023. E-book. p. 471.
(10) Para mais informações, essas controvérsias judiciais e posicionamentos do STJ já foram tratados no texto “O contrato de corretagem e a comissão do corretor: reflexões a partir de recente decisão do STJ”, publicado no Informativo VLF – 107/2023 de 29/08/2023 (https://www.vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=2366).
(11) FORGIONI, Paula. Contratos de distribuição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 74.
(12) VERÇOSA, Haroldo Malheiros Durlec. Direito Comercial: os contratos empresariais em espécie. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 125.
(13) VERÇOSA, Haroldo Malheiros Durlec. Direito Comercial: os contratos empresariais em espécie. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 126.
(14) SCHEREIBER, Anderson et al. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 2023. p. 489.
(15) VERÇOSA, Haroldo Malheiros Durlec. Direito Comercial: os contratos empresariais em espécie. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 171.
(16) e (17) PEREIRA, Caio Mário da S. Instituições de Direito Civil: Contratos. v. III. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. E-book. p. 368.