Prazo para formulação do pedido principal na tutela cautelar antecedente é contado em dias úteis
Leila Mendes
O Código de Processo Civil (“CPC”), em seus artigos 305 a 310, regulamenta o procedimento da tutela cautelar antecedente, que é uma medida da qual a parte pode se valer para conservar bens, pessoas ou provas que possam sofrer alguma lesão ou perigo de lesão antes mesmo do ajuizamento da ação contendo o pedido principal. Nesses casos, o art. 305 do CPC autoriza que a petição inicial contenha apenas a indicação da lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se visa assegurar e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
Quando a tutela cautelar é deferida, o art. 308 do CPC determina que o autor formule o pedido principal no prazo de 30 (trinta) dias, no entanto, as turmas do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) e os tribunais pátrios possuíam entendimento divergente se esse prazo deveria ser contado em dias úteis ou corridos. A divergência deriva, em síntese, de posições conflitantes sobre a natureza do prazo, se seria decadencial ou processual.
A corrente que entende pela contagem do prazo de 30 (trinta) dias do art. 308 do CPC em dias corridos defende a natureza decadencial desse prazo, que seria de direito material, pois, caso ultrapassado, decairiam a medida cautelar e o direito da parte de formular o pedido principal, ensejando a extinção do processo cautelar (1), inclusive, com base na Súmula 482 do STJ (2).
Já a corrente que sustenta a contagem em dias úteis parte do pressuposto que se trata de prazo de natureza processual, destinado à formulação do pedido principal nos mesmos autos, de modo que a sua inobservância enseja a preclusão da faculdade de formular o pedido principal nos mesmos autos, sem, contudo, afetar o direito material, que poderá ser discutido em novo processo (3).
A divergência entre as turmas do STJ foi objeto de embargos de divergência, que possui a função justamente de uniformizar a jurisprudência interna das cortes superiores, e, no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 2.066.868/SP (4), a Corte Especial do STJ firmou o entendimento de que o prazo de 30 (trinta) dias do art. 308 do CPC deve ser contado em dias úteis. A Corte se filiou, portanto, à segunda corrente, para considerar que o prazo possui natureza processual e gera efeitos somente no processo em que é efetivada a tutela cautelar.
Como se vê, o julgamento desses embargos de divergência pela Corte Especial do STJ é de grande relevância para colocar fim à dissonância que permeava não só os tribunais pátrios, mas também os próprios ministros do STJ, sobre a contagem do prazo para a formulação do pedido principal e espera-se, dessa forma, que a definição do tema trará maior segurança jurídica aos jurisdicionados.
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Leila Mendes
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE. PRAZO PARA A FORMULAÇÃO DO PEDIDO PRINCIPAL. NATUREZA JURÍDICA. DECADENCIAL. CONTAGEM EM DIAS CORRIDOS. (...) 2. À luz dos arts. 806 e 808 do CPC/1973, este Tribunal Superior sedimentou entendimento jurisprudencial segundo o qual "a falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 do CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar" (Súmula 482 do STJ). À época, a orientação jurisprudencial deste Tribunal era pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para o ajuizamento da ação principal. Precedentes. 3. Na vigência do CPC/2015, mantem-se a orientação pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal (art. 308 do CPC/2015), razão pela qual deve ser contado em dias corridos, e não em dias úteis, regra aplicável somente para prazos processuais (art. 219, parágrafo único). (STJ, 1ª Turma, AgInt no REsp n. 1.982.986/MG, Min. Benedito Gonçalves, DJe de 22/6/2022.)
(2) Súmula 482/STJ: “A falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar.”
(3) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TUTELA CAUTELAR. CARÁTER ANTECEDENTE. PRETENSÃO PRINCIPAL. PRAZO DE 30 (TRINTA) DIAS. ARTS. 219 E 308 DO CPC/2015. NATUREZA PROCESSUAL. CONTAGEM EM DIAS ÚTEIS. RECURSO NÃO PROVIDO. PRECEDENTES DO STJ. SÚMULA 568/STJ 1. Tutela de urgência cautelar requerida em caráter antecedente 2. A jurisprudência do STJ é no sentido de que o prazo de 30 (trinta) dias estabelecido no art. 308 do CPC/2015, diferentemente do que ocorria no CPC/73, não é mais destinado ao ajuizamento de uma nova ação para buscar a tutela definitiva, mas à formulação do pedido principal no processo já existente. Ou seja, a formulação pedido principal é um ato processual, que produz efeitos no processo em curso. Consequentemente, esse prazo tem natureza processual, devendo ser contado em dias úteis (art. 219 do CPC/2015). Precedentes do STJ. 3. Agravo interno não provido. (STJ, 3ª Turma, AgInt no AREsp n. 2.467.622/PR, Min. Nancy Andrighi, DJe de 14/3/2024.)
(4) EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE. PRAZO PARA FORMULAÇÃO DO PEDIDO PRINCIPAL (ART. 308 DO CPC/2015). NATUREZA PROCESSUAL. CONTAGEM EM DIAS ÚTEIS. 1. Divergência verificada para dirimir controvérsia sobre se o prazo de 30 (trinta) dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do Código de Processo Civil possui natureza jurídica material ou processual e se sua contagem é realizada em dias corridos ou dias úteis. 2. Alteração no CPC/2015 com relação ao procedimento para requerimento de tutelas cautelares antecedentes, devendo o pedido principal ser formulado nos mesmos autos, não sendo necessário ajuizamento de nova demanda (extinção da autonomia do processo cautelar). 3. Atual sistemática que prevê apenas um processo, com etapa inicial que cuida de tutela cautelar antecedente, com possibilidade de posterior ampliação da cognição. 4. A dedução do pedido principal, nesse caso, é um ato processual que produz efeitos no processo já em curso, e o transcurso do prazo em branco apenas faz cessar a eficácia da medida concedida (art. 309, II, do CPC/2015), fato que não afeta o direito material em discussão. 5. Constatação de que o prazo de 30 (trinta) dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do Código de Processo Civil possui natureza jurídica processual e, consequentemente, sua contagem deve ser realizada em dias úteis, nos termos do art. 219 do CPC. 6. Embargos de divergência conhecidos e não providos. (STJ, Corte Especial, EREsp n. 2.066.868/SP, Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 9/4/2024.)