Procedimentos Especiais de Jurisdição Voluntária no Novo CPC (Parte 4)
Leonardo Wykrota
Arrecadação da herança jacente (arts. 738 a 743)
Neste tópico, será examinado o procedimento para se arrecadar os bens da herança jacente. Cuida-se esta última de noção própria do Direito Civil (Código Civil, arts. 1.819 a 1.823) que se refere aos bens daquele que faleceu sem deixar testamento nem herdeiro legítimo notoriamente conhecido (Código Civil, art. 1.819), ou aos bens deixados quando os herdeiros, chamados a suceder, renunciarem à herança (Código Civil, art. 1.823).
O tema também não sofreu alteração significativa em relação à legislação anterior. Assim, a arrecadação deve acontecer tão logo se tenha notícia do falecimento, mas se o cônjuge ou companheiro, o herdeiro ou o testamenteiro notoriamente reconhecido se apresentarem para reclamar os bens (e não houver oposição motivada do curador, de qualquer interessado, do Ministério Público ou do representante da Fazenda Pública), não se fará a arrecadação, ou, quando já iniciada, será essa suspensa, conforme dispõe o § 6º do art. 740 do NCPC (1).
A arrecadação se presta a colocar os bens sob a guarda e administração de um curador (2), até a habilitação de um sucessor ou a declaração de vacância (3), caso ninguém se habilite (NCPC, art. 738 e 739).
O curador está sujeito às mesmas disposições que regem os encargos de administrador e depositário (NCPC, arts. 159 a 161) e tem as seguintes incumbências: (a) representar a herança em juízo ou fora dele, com intervenção do Ministério Público; (b) guardar e conservar os bens arrecadados; (c) arrecadar outros de que tiver notícia; (d) adotar as medidas conservatórias dos direitos da herança; (e) apresentar balancete mensal da receita e da despesa; e (f) prestar contas ao final de sua gestão (NCPC, art. 739, §§ 1º e 2º).
O procedimento se inicia com a determinação do juiz ao oficial de justiça (de ofício ou por provocação de algum legitimado) para que este arrole os bens do falecido em auto circunstanciado, acompanhado do escrivão ou do chefe de secretaria e do curador (4). No curso da arrecadação, os moradores da casa e da vizinhança serão inquiridos pelo juiz (ou pela autoridade policial) sobre a qualificação do falecido, o paradeiro de seus sucessores e a existência de outros bens. As informações constarão de auto de inquirição e informação que deverá ser lavrado na ocasião (NCPC, art. 740, § 3º). Na mesma diligência, serão examinados reservadamente pelo juiz “(...) os papéis, as cartas missivas e os livros domésticos” do falecido, os quais serão empacotados e lacrados para entrega ao sucessor ou queima, não sendo relevantes, no caso de vacância (NCPC, art. 740, § 4º).
Finda a arrecadação, o juiz mandará expedir edital de que trata o Código Civil (art. 1.820), agora publicado também na internet (5), para que os sucessores do falecido venham a habilitar-se no prazo de seis meses contado da primeira publicação. Havendo notícia de testamenteiro ou herdeiros em lugar certo, serão estes citados, sem prejuízo do edital e comunicando-se o fato à autoridade consular, se o falecido for estrangeiro. Os credores da herança também poderão habilitar-se (observando o mesmo procedimento de habilitação feito no inventário) ou propor a ação de cobrança.
A declaração de vacância, como se vê, prepara a transferência da propriedade da herança jacente ao Poder Público, que se dará um ano após a primeira publicação do edital (NCPC, art. 743). Trata-se, porém, de transferência em caráter provisório, já que a Lei Civil reserva o prazo de cinco anos após essa transferência para que os herdeiros ainda se habilitem (Código Civil, art. 1.822) (6). Somente depois desse prazo é que os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, conforme o caso.
Arrecadação de bens dos ausentes (arts. 744 e 745)
A ausência é também regulada pela Lei Civil (Código Civil, arts. 22 a 39) e diz respeito aos casos em que a pessoa “(...) desaparece do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens” (Código Civil, art. 22). Uma vez constatado o desaparecimento, o juiz declarará a ausência e nomeará curador (com as mesmas incumbências vistas acima no caso da herança jacente, constantes do art. 739, § 1º, NCPC), mediante requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público (NCPC, art. 744).
A Lei processual se incumbe de regular a forma de arrecadação dos bens deixados pelo ausente em seu domicílio. A lógica é semelhante à da herança jacente, porém o que se prepara aqui não é a entrega dos bens ao Poder Público, e sim uma sucessão provisória. Uma vez feita a arrecadação, o juiz determinará a publicação de editais na internet, por um ano (7), reproduzida de dois em dois meses, com o anúncio da arrecadação e a convocação do ausente para entrar na posse de seus bens (NCPC, art. 745).
Somente depois de transcorrido o prazo do edital é que os interessados poderão requerer a abertura da sucessão provisória. Para tanto, devem pedir a citação pessoal dos herdeiros presentes e do curador e, por editais, a dos ausentes para requererem habilitação, aplicando-se aí as regras dos arts. 689 a 692 do NCPC.
Tomadas essas providências e passados dez anos da abertura da sucessão provisória ou cinco anos das últimas notícias tidas do ausente com oitenta anos de idade, a Lei civil autoriza a conversão desta em definitiva (8).
Reaparecendo o ausente (ou algum de seus descendentes ou ascendentes) poderá ele requerer ao juiz a entrega dos bens arrecadados em ação própria, para a qual serão citados os sucessores provisórios ou definitivos, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública (NCPC, art. 746, § 4º).
Arrecadação das coisas vagas (art. 746)
A noção de coisa vaga também é própria do Direito Civil e se relaciona com as disposições sobre a descoberta (Código Civil, arts. 1.233 a 1.237). Segundo a Lei Civil, é dever daquele que ache coisa alheia perdida restituí-la ao dono ou legítimo possuidor (Código Civil, art. 1.233).
O procedimento de arrecadação aqui examinado tem lugar justamente nas hipóteses em que o legítimo possuidor ou proprietário da coisa achada é desconhecido. Nesses casos, cabe ao descobridor entregar coisa alheia perdida ao juiz (9), que então mandará lavrar o respectivo auto, com a descrição do bem e as declarações do descobridor (NCPC, art. 746).
Uma vez depositada a coisa, o juiz determinará publicação de edital na internet (10), para que o dono ou o legítimo possuidor a reclame. De resto, o procedimento se rege pelas disposições gerais do Novo Código sobre os procedimentos especiais de jurisdição voluntária e o disposto em lei (NCPC, art. 746, § 3º).
Leonardo Wykrota
Sócio responsável pela equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) Neste caso, será julgada a habilitação do herdeiro, e verificada a prova da qualidade de testamenteiro ou de cônjuge ou companheiro, conforme o caso, convertendo-se a arrecadação em inventário, se confirmada a legitimidade dos apresentantes (NCPC, art. 741, § 3º).
(2) Caso a arrecadação aconteça sem que esteja nomeado o curador, o juiz designará um depositário e lhe entregará os bens, mediante simples termo nos autos, depois de compromissado, até que sobrevenha a nomeação (NCPC, art. 740, § 2º).
(3) A declaração de vacância é regulada pelo Código Civil e acontece quando decorrido um ano da primeira publicação dos editais expedidos após as diligências de arrecadação e a conclusão do inventário, sem que haja herdeiro habilitado ou habilitação pendente (Código Civil, art. 1.820). A norma também está prevista no Novo Código de Processo Civil: “Passado 1 (um) ano da primeira publicação do edital e não havendo herdeiro habilitado nem habilitação pendente, será a herança declarada vacante” (NCPC, art. 743).
(4) O Código anterior falava no comparecimento do juiz à “residência do morto” para determinar tal providência (CPC/1973, art. 1.141). O Novo Código, embora não o diga expressamente, pressupõe essa circunstância ao dispor que: “[n]ão podendo comparecer ao local, o juiz requisitará à autoridade policial que proceda à arrecadação e ao arrolamento dos bens, com 2 (duas) testemunhas, que assistirão às diligências” (NCPC, art. 740, § 1º). Havendo bens do falecido em outra comarca, a arrecadação será feita por carta precatória (NCPC, art. 740, § 5º).
(5) O edital será lançado na página do Tribunal a que estiver vinculado o juízo e “na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, onde permanecerá por 3 (três) meses, ou, não havendo sítio, no órgão oficial e na imprensa da comarca, por 3 (três) vezes com intervalos de 1 (um) mês (...)” (NCPC, art. 741).
(6) Daí a lei processual dispor que “[t]ransitada em julgado a sentença que declarou a vacância, o cônjuge, o companheiro, os herdeiros e os credores só poderão reclamar o seu direito por ação direta” (NCPC, art. 743, § 2º).
(7) Não havendo a página do Tribunal, a publicação será feita no órgão oficial e na imprensa da comarca, também durante um ano.
(8) O Código Civil dispõe que: “[d]ez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória, poderão os interessados requerer a sucessão definitiva e o levantamento das cauções prestadas” (Código Civil, art. 37). E ainda: “Pode-se requerer a sucessão definitiva, também, provando-se que o ausente conta oitenta anos de idade, e que de cinco datam as últimas notícias dele” (Código Civil, art. 38).
(9) Se a coisa for recebida por autoridade policial, caberá a esta a remetê-la em seguida ao juízo competente (NCPC, art. 746, § 1º).
(10) Não havendo sítio próprio vinculado ao Tribunal, a publicação será feita no órgão oficial e na imprensa da comarca. Tratando-se de coisa de pequeno valor e não sendo possível a publicação na página do Tribunal na internet, o edital será apenas afixado no átrio do edifício do fórum (NCPC, art. 746, § 2º).