Por que a medida de interdição total do empreendimento é exceção no Direito Ambiental?
Leonardo Corrêa
Em atos fiscalizatórios dos agentes integrantes ao Sistema Nacional de Meio Ambiente (“Sisnama”), observa-se com razoável frequência a decisão cautelar de paralisação total das atividades econômicas de empresas em razão de constatação de infração administrativa ambiental. Em regra, após a lavratura do auto de infração, os agentes de fiscalização utilizam os mesmos elementos fáticos para justificar o termo de embargo geral da atividade econômica.
Apesar de relativamente comum, a medida cautelar de embargo total da atividade econômica é ato administrativo que deve ser reconhecido como excepcional, em razão dos postulados da livre iniciativa e livre concorrência inscritos em nossa ordem econômica constitucional.
Do aspecto normativo, o embargo ambiental, como medida cautelar, é disciplinado nos artigos 101, II do Decreto Federal nº 6514/2008 e 106 do Decreto Estadual MG nº 47.383/2018. Em ambos os dispositivos legais, o embargo ambiental apresenta-se como instrumento de Poder de Polícia a ser aplicável quando o infrator estiver exercendo atividade em desconformidade com o ato de regularização ambiental concedido ou quando o infrator estiver exercendo atividade devidamente regularizada causando poluição ou degradação ambiental.
Na condição de medida acautelatória, o embargo ambiental possui ao menos duas características importantes: (i) deve ser utilizado como medida para paralisar a continuidade da ação poluidora; (ii) deve ser limitado à área ou atividade que efetivamente causou o dano ambiental identificada no auto de infração/termo de embargo.
Ocorre que, em muitos casos, o embargo total de uma empresa não observa critérios jurídicos de validade e eficácia, sendo necessária sua imediata revogação pela Administração Pública ou anulação pelo Poder Judiciário.
Em primeiro lugar, o órgão ambiental deve evidenciar que a continuidade da operação resultará em risco de dano ambiental. De fato, em caso de infrações como a de lançamento de efluentes em desacordo com padrões ambientais, por exemplo, pode-se justificar a interdição da operação, na medida em que o ato é, por sua natureza, contínuo e permanente. Assim, caso se evidencie risco concreto de perpetuação da degradação, o embargo é juridicamente válido. Entretanto, em diversos outros casos, a infração ambiental não tem efeitos de continuidade, pois seus efeitos não são prolongados no tempo, como no caso de supressão vegetal de área protegida. Em ambos os casos, a análise das circunstâncias e o contexto da operação econômica é que determinará a legalidade do embargo total ou parcial da empresa.
Além da relação temporal com a infração, o embargo ambiental total deve possuir robusto lastro fático, sob pena de nulidade em razão da ausência de motivo, ou seja, o embargo total deve possuir fundamento de fato que o valide como ato administrativo juridicamente legítimo. A ausência de suporte fático do embargo total é evidente em situações nas quais o órgão ambiental não evidencia o modo como aquela atividade específica tem o potencial de continuidade da degradação ambiental. Como afirma Vladimir da Rocha França, “a motivação é o discurso que oferece ao destinatário do ato administrativo, bem como à coletividade, os aspectos fáticos e jurídicos que outorgam legitimidade à decisão administrativa no caso concreto” (1).
Assim, o auto de infração que fundamentou o embargo total da empresa deve comprovar de forma inequívoca, por meio de laudos e documentos técnicos, que as operações interditadas, de fato, poderiam resultar em novas infrações, dificuldade de reparação futura ou continuidade da degradação ambiental.
A finalidade pública do embargo total da empresa constitui outro aspecto relevante. Em tempos de rede social e comunicação instantânea, a finalidade do embargo ambiental deve ser impulsionada pelo dever de compatibilidade entre a atividade econômica e a proteção ambiental e não pelo clamor da opinião pública ou interesses pessoais inconfessáveis. Como afirma Cretella Junior:
Nenhum ato da Administração deve ser impulsionado por animosidades pessoais, interesses privados, caprichos ou vaidades. Se, no direito privado, não interessa a psicologia do autor do ato, no campo do direito público é relevante a psicologia do administrador e, se este momento de interioridade puder ser devassado e provado, o resultado da pesquisa vai ter consequências maiores ou menores sobre a própria validade da medida ou providência tomada (2).
Mas o que seria o interesse público em matéria ambiental? Engana-se quem acredita que o interesse público é sinônimo de proteção ambiental. Na verdade, a ordem pública no Direito Ambiental não se manifesta na preservação ambiental em si, mas na compatibilidade entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental. Ora, uma operação, área ou atividade em que o embargo total é desproporcional ou sem motivo fático é um embargo que não observa a finalidade pública.
Por fim, a decisão administrativa sobre o embargo total ambiental deve ser analisada também sob o aspecto das consequências na ordem econômica e social. O artigo 20 da Lei nº 13.655/2018 alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (“LINDB”). O órgão ambiental, ao decidir pela interdição total do empreendimento, deve se pautar nas consequências da decisão. Tal ponto é relevante na medida em que internaliza considerações do impacto real da decisão administrativa de paralisação total da atividade econômica. Afinal, uma suspensão total da atividade de forma ilegal pode causar impactos na reputação da organização, na fragmentação das parcerias comerciais, na estrutura de mercado em razão de aumento de market share da concorrência, nos postos de trabalho e na arrecadação tributária.
A ordem econômica constitucional é fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, sendo que a interrupção da atividade econômica é medida extrema e absolutamente excepcional. O imperativo da preservação ambiental deve ser concretizado dentro dos limites do Estado de Direito. Apesar de positivado em nossa legislação ambiental, o embargo total no Direito Ambiental é exceção, uma vez que subverte a lógica e a dinâmica normativa da ordem econômica constitucional.
Para saber mais sobre o tema, consulte a equipe de Direito Ambiental e Negócios Sustentáveis do VLF Advogados.
Leonardo Corrêa
Sócio-executivo da Equipe de Direito Ambiental e Negócios Sustentáveis do VLF Advogados
(1) FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura e motivação do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 96.
(2) CRETELLA JUNIOR, J. Fundamentos do Direito Administrativo. Revista da Faculdade de Direito, Universidade De São Paulo, 72 (1), p. 310.