CARF contraria RFB e reconhece perdas não técnicas como custo do serviço de fornecimento de energia elétrica
Yuri Brizon Reis
Dentre as diversas peculiaridades inerentes ao ramo do comércio de energia elétrica, as perdas de energia merecem especial atenção, principalmente em razão das repercussões tributárias que acarretam.
As perdas se referem à energia elétrica gerada que passa pelas linhas de transmissão (Rede Básica) e redes da distribuição, mas que não chega a ser comercializada, seja por motivos técnicos ou comerciais (1).
Não há dúvidas de que a energia elétrica correspondente às perdas técnicas, assim entendidas as perdas de energia elétrica inerentes ao transporte de energia na rede, mantém a característica de insumo aplicado no serviço de distribuição de energia elétrica (2). Dessa forma, sua dedutibilidade da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (“IRPJ”) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”) não costuma ser questionada pelo Fisco.
Todavia, a Receita Federal do Brasil (“RFB”) vem entendendo que as perdas não técnicas ou comerciais, que decorrem principalmente de furto (ligação clandestina, desvio direto da rede) ou fraude de energia (adulterações no medidor), popularmente conhecidos como “gatos”, erros de medição e de faturamento, não poderiam integrar o custo do serviço (3).
Excepcionalmente, as perdas não técnicas são consideradas pelo Fisco como despesas dedutíveis para fins de apuração do lucro tributável se decorrentes de desfalque, apropriação indébita ou furto, ocasionados por empregados ou terceiros, quando houver inquérito instaurado nos termos da legislação trabalhista, ou quando ajuizada queixa ou dirigida representação criminal à autoridade policial, nos termos do art. 47, § 3º, da Lei nº 4.506/1964 (4).
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), por sua vez, passou a reconhecer, mais recentemente, que as perdas não técnicas são intrínsecas à atividade de distribuição de energia elétrica e impossíveis de serem evitadas na realidade atual do país, razão pela qual devem integrar o custo do serviço prestado (5).
Não obstante a disposição legal que exige o registro do boletim de ocorrência para deduções em casos de furto, há quem se posicione no sentido de que a situação das empresas de distribuição de energia elétrica é única e merece interpretação específica.
Afinal, a energia elétrica é bem incorpóreo cujos mecanismos de distribuição são inúmeros e expostos ao ambiente (linha de distribuição), de modo que inexiste forma integralmente efetiva de controle, vigilância e/ou prevenção que possa ser adotada, unilateralmente, pelas distribuidoras para evitar os chamados “gatos”, notadamente em regiões com problema de segurança pública. A dificuldade de adoção de medidas preventivas ou de controle, inclusive, frustra (para não dizer impede) a individualização/responsabilização do furto e o registro de queixas-crime (6).
A questão ainda não foi enfrentada de forma satisfatória pelo Poder Judiciário, motivo pelo qual a insegurança jurídica ainda deve perdurar por mais algum tempo.
Para mais informações sobre o tema, procure a Equipe de Consultoria Tributária do VLF Advogados.
Yuri Brizon Reis
Advogado da Equipe de Direito Tributário do VLF Advogados
(1) Agência Nacional de Energia Elétrica. Perdas de Energia. Disponível em: https://www.gov.br/aneel/pt-br/assuntos/distribuicao/perdas-de-energia#:~:text=As%20perdas%20n%C3%A3o%20t%C3%A9cnicas%20ou,de%20medi%C3%A7%C3%A3o%20e%20de%20faturamento. Acesso em: 23 mai. 2024.
(2) Receita Federal do Brasil. Solução de Consulta Interna Cosit nº 3, de 23 de março de 2017. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/anexoOutros.action?idArquivoBinario=43359. Acesso em: 23 mai. 2024.
(3) Receita Federal do Brasil. Solução de Consulta Interna Cosit nº 17, de 13 de julho de 2016. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/anexoOutros.action?idArquivoBinario=40845. Acesso em: 23 mai. 2024.
(4) BRASIL. Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o imposto que recai sobre as rendas e proventos de qualquer natureza. Brasília, 30 nov. 1964. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4506.htm#:~:text=L4506&text=LEI%20N%C2%BA%204.506%2C%20DE%2030%20DE%20NOVEMBRO%20DE%201964.&text=Disp%C3%B5e%20s%C3%B4bre%20o%20imp%C3%B4sto%20que,e%20proventos%20de%20qualquer%20natureza. Acesso em: 23 mai. 2024.
(5) CARF. Acórdão nº 1004-000.155. Processo nº 16682.720895/2020-62. Con. Rel. JEFERSON TEODOROVICZ. 1ª Seção de Julgamento / 4ª Turma Extraordinária. Data da sessão: 10/04/2024. Data de Publicação: 07/05/2024.
(6) SIMÃO, Pedro; FENELON, Bernardo. Dedutibilidade das perdas não técnicas na distribuição de energia elétrica. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mai-03/a-dedutibilidade-das-perdas-nao-tecnicas-na-distribuicao-de-energia-eletrica/. Acesso em: 23 mai. 2024.