Entenda quais são as mudanças implementadas pelo Domicílio Judicial Eletrônico
Fernanda Ciancaglio Valentim e Eduardo Metzker Fernandes
Considerando a característica dinâmica do Direito e a importância dos atos de intimação e citação no âmbito do processo, é essencial que o legislador esteja atento à evolução da sociedade, das relações sociais e da tecnologia, especialmente aquelas relativas à comunicação dos atos processuais para compatibilizá-los à realidade.
O processo eletrônico, assim, foi introduzido no Brasil a partir da Lei Federal nº 11.419 (1), e sua efetiva implementação tem acontecido de forma lenta e gradual, como a equipe de Contencioso Cível do VLF tratou no Informativo VLF nº 70/2020, em artigo publicado em 28 de julho de 2020, que abordou a implementação do procedimento de citação eletrônica no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (“TJMG”).
Desde então, a informatização do processo e dos atos processuais ganhou ainda mais relevância, como comprova a recente regulamentação do Domicílio Judicial Eletrônico (“DJE”) pelo Concelho Nacional de Justiça (“CNJ”).
O DJE foi instituído pelo art. 246, do Código de Processo Civil (2) e regulamentado pela Resolução nº 455/2022 do CNJ. Trata-se de ferramenta 100% digital e gratuita do Programa 4.0, voltada à inovação digital do poder judiciário, que busca centralizar em uma única plataforma o acompanhamento de citações, intimações e demais atos processuais.
A proposta é que o sistema substitua as comunicações físicas e/ou a locomoção de oficiais de justiça, além de possibilitar que as empresas tenham acesso a todos os prazos processuais, sem a necessidade de acessar cada um dos tribunais individualmente. Com isso, a ferramenta promete tornar a prestação jurisdicional mais célere e eficiente, além de reduzir o seu custo.
O cadastro das empresas no DJE está sendo liberado em fases, de acordo com a Portaria nº 46/2024, do CNJ (3). A primeira etapa ocorreu em 2023 e foi direcionada às instituições financeiras. A segunda, e atual, contempla o cadastro das empresas privadas de grande e médio porte. A terceira fase terá início em julho e será destinada ao cadastro das pessoas jurídicas de direito público. A quarta e última fase possibilitará o cadastro das pessoas físicas, a partir de outubro. O cadastro só não é obrigatório para as microempresas e empresas de pequeno porte que possuem endereço eletrônico no sistema integrado da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (“Redesim”) e para as pessoas físicas (4).
Para aqueles cujo cadastro é obrigatório, a inobservância do prazo de conclusão do registro no sistema importará no seu cadastro compulsório, conforme dados constantes na base da Receita Federal (5), ficando sujeitas, ainda, a penalidades e perda de prazos processuais.
A partir de 30 de maio de 2024, as empresas deverão se atentar aos prazos estabelecidos para ler e dar ciência às comunicações no DJE. Em se tratando de citação, o prazo será de 3 (três) dias úteis, e de intimação, o prazo será de 10 (dez) dias corridos, ambos os casos contados da data do envio da comunicação pelo tribunal, que será refletida no DJE.
A ausência de confirmação do recebimento da citação no prazo assinalado implicará na realização do ato por correio, oficial de justiça, escrivão da secretaria da serventia judicial ou edital, nos termos do art. 246, §1º-A, do CPC. (6). Neste caso, a empresa deverá apresentar justa causa para o não recebimento da leitura, sob pena de multa de 5% (cinco por cento) do valor da causa por ato atentatório à dignidade da Justiça (art. 246, 1º-C do CPC) (7).
Em relação à intimação, a inobservância do prazo para ciência implicará na leitura automática da comunicação ao final desse prazo (8). Diferente do que ocorre com a citação, a ausência de confirmação do recebimento da intimação não exige justificativa, tampouco acarreta a aplicação de multa, até porque a intimação é considerada realizada tacitamente após passados 10 dias corridos da sua expedição sem que o seu destinatário registre a leitura espontaneamente.
O DJE está em sintonia com a evolução dos meios de comunicação atuais e tem potencial para simplificar a comunicação processual e imprimir mais celeridade e efetividade aos processos.
É preciso, contudo, ficar atento ao seu funcionamento para evitar atropelo de normas processuais relevantes como as do artigo 272 do Código de Processo Civil, que prescrevem que:
(i) § 2º Sob pena de nulidade, é indispensável que da publicação constem os nomes das partes e de seus advogados, com o respectivo número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, ou, se assim requerido, da sociedade de advogados; e
(ii) § 5º Constando dos autos pedido expresso para que as comunicações dos atos processuais sejam feitas em nome dos advogados indicados, o seu desatendimento implicará nulidade.
Interessou-se pelo assunto? Mais informações sobre o tema podem ser obtidas junto à equipe da área do Contencioso Cível do VLF Advogados.
Fernanda Ciancaglio Valentim
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Eduardo Metzker Fernandes
Coordenador da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) BRASIL. Lei nº 11.419, de 19 de outubro de 2006 (CTN). Dispõe sobre a informatização do processo judicial; altera a Lei nº 5.869, 11 de janeiro de 1973. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11419.htm. Acesso em: 20 mai. 2024.
(2) Art. 246. A citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça.
(3) Art. 1º Divulgar o cronograma de cadastro no Domicílio Judicial Eletrônico, na forma seguinte: I – de 01/03/2024 até 30/05/2024, para as pessoas jurídicas de direito privado; II – de 01/07/2024 até 30/09/2024, para as pessoas jurídicas de direito público; III – a partir de 01/10/2024, para as pessoas físicas.
(4) Art. 2º O cadastro no Domicílio Judicial Eletrônico é obrigatório para as pessoas jurídicas de direito público e privado, nos termos do art. 246, § 1º, do CPC, e do art. 16 da Resolução CNJ nº 455/2022. (...) § 2º O disposto no caput não se aplica às microempresas e às empresas de pequeno porte que possuírem endereço eletrônico cadastrado no sistema integrado da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim) (art. 246, § 5º, do CPC, e art. 17 da Resolução CNJ nº 455/2022) § 3º O cadastro no Domicílio Judicial Eletrônico é facultativo para as pessoas físicas.
(5) § 4º A pessoa obrigada a se cadastrar no Domicílio Judicial Eletrônico, caso não o realize no prazo fixado no art. 1º, será compulsoriamente cadastrada pelo próprio Conselho Nacional de Justiça, conforme dados constantes junto à Receita Federal do Brasil.
(6) § 1º-A A ausência de confirmação, em até 3 (três) dias úteis, contados do recebimento da citação eletrônica, implicará a realização da citação:
I - pelo correio;
II - por oficial de justiça;
III - pelo escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório;
IV - por edital.
(7) § 3º Para os casos de citação por meio eletrônico, não havendo aperfeiçoamento em até 3 (três) dias úteis, contados da data do envio da comunicação processual ao Domicílio Judicial Eletrônico, o sistema gerará automaticamente a informação da ausência de citação para os fins previstos no § 1º -A do art. 246 do CPC/2015.
(8) § 4º Para os demais casos, não havendo aperfeiçoamento da comunicação processual em até 10 (dez) dias corridos contados da data do envio da comunicação processual ao Domicílio Judicial Eletrônico, considerar-se-á automaticamente realizada na data do término desse prazo, nos termos do art. 5º, § 3º, da Lei no 11.419/2006, não se aplicando o disposto no art. 219 do CPC/2015 a esse interstício.