A não incidência da Sumula 7 do STJ nos casos de revaloração de prova em Recurso Especial
Luciana Netto
Neste mês comemoram-se os 27 anos da instalação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cuja criação foi prevista pela Constituição Federal de 1988.
O intuito do legislador constituinte era de criar um tribunal que, dentre as outras competências estabelecidas no artigo 105 da CF, exercesse a função de uniformizador da jurisprudência, mediante julgamento de Recurso Especial. Em outras palavras, o STJ entrou no cenário jurídico para garantir a correta aplicação das normas infraconstitucionais e para definir a sua melhor intepretação, a depender do caso concreto.
Pouco mais de um ano após a instalação da corte, percebeu-se que o STJ estava se tornando uma terceira instância, o que nem de longe foi o intuito do legislador constituinte, e essa situação não poderia prevalecer, pois, do contrário, o Superior Tribunal se transformaria em uma corte de cassação, quando, em verdade, trata-se de uma corte de revisão.
Consequentemente, o STJ editou a Súmula 7, em 28 de junho de 1990, cujo enunciado dispõe, clara e objetivamente, que “a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” (1).
A Súmula, então, passou a ser largamente aplicada pelos Ministros, sem contar o número alarmante de recursos que sequer eram admitidos pelos tribunais de segundo grau, quando da realização do juízo de admissibilidade. Uma pesquisa rápida ao banco de jurisprudência do site do STJ evidencia a quantidade considerável de especiais não providos devido ao óbice da famigerada Súmula 7.
Portanto, aos litigantes que almejam acessar a instância superior, mediante interposição de recurso excepcional, além de comprovar o preenchimento dos requisitos genéricos (intrínsecos e extrínsecos) e específicos de admissibilidade, não podem levar ao conhecimento do STJ matéria que demandará o reexame do conjunto fático probatório.
Surge, então, um questionamento: e nos casos em que os acórdãos prolatados pelos tribunais inferiores contrariam normas de direito probatório?
De início, é preciso ficar claro que, embora sutil, existe diferença entre reexame e revaloração da prova. Essas duas figuras não podem ser confundidas.
O Ministro Marco Muzzi, da Quarta Turma do STJ, explica que o reexame de prova é uma reincursão no acervo fático probatório, mediante a análise detalhada de documentos, testemunhas, contratos, perícias, dentre outros (2).
A revaloração da prova, por outro lado, exige que o STJ avalie se o tribunal a quo formou o seu convencimento a respeito dos fatos a partir de uma prova admitida em Direito e se o valor dado a ela foi adequado.
A respeito do tema, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, no julgamento do AgRg no REsp nº 1.159.867/MG, ponderou que o chamado erro de valoração ou valorização das provas, invocado para permitir o conhecimento de recurso excepcional, somente pode ser o erro de direito, ou seja, aquele que diz respeito ao valor da prova abstratamente considerado (3).
Fredie Didier Jr., em seu novo Curso de Direito Processual Civil, explica o tema da seguinte forma: “[...] se a lei federal exige determinado meio de prova no tocante a ato ou negócio jurídico, decisão judicial que tenha como provado o ato ou negócio por outro meio de prova, ofende ao direito federal.” (4).
Como visto, não há dúvidas quanto à impossibilidade do reexame de fatos pelo STJ. Por outro lado, tanto a doutrina quanto a jurisprudência entendem perfeitamente possível que um recurso especial sirva para discutir se aquele determinado fato examinado pelo tribunal de origem subsome-se ao tipo normativo, porquanto se trata de questão de direito. Neste caso, não se cogita violação ao teor da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça.
Inclusive, a Terceira Turma do STJ, recentemente, reconheceu que o tribunal a quo fez valoração equivocada de provas e, por isso, determinou novo julgamento (5).
Em resposta ao questionamento feito acima, conclui-se que, nas hipóteses em que o tribunal de origem não valorar adequadamente a prova, é cabível a interposição de recurso especial, a fim de que o STJ avalie a inadequação da apreciação da prova, sem que isso implique no vedado reexame do material de conhecimento ditado pela Súmula 7.
Luciana Netto
Coordenadora da equipe de contencioso consumerista do VLF Advogados.
(1) Súmula 7: A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.
(2) STJ – Recurso Especial nº 1.036.178. Terceira Turma. Min. Marco Muzzi. Publicado em 19/12/2011.
(3) STJ – Recurso Especial nº 1.159.867. Terceira Turma. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Publicado em 21/08/2012.
(4) DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. V. 3. 13 ed. ed. reform. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 308.
(5) STJ – Recurso Especial nº 1.324.482. Terceira Turma. Min. Moura Ribeiro. Publicado em 08/04/2016. Veja aqui notícia sobre o acórdão. http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/Not%C3%ADcias/Not%C3%ADcias/Terceira-Turma-reconhece-valora%C3%A7%C3%A3o-equivocada-de-provas-e-determina-novo-julgamento