Passivo ambiental e possíveis alterações nas regras de conversão de multas ambientais
Leonardo Corrêa
O Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/2012 e a sua versão mineira, a Lei nº 20.922/2013) possui importante função normativa de estabelecer limites e ordenar a forma de produção das atividades econômicas na área rural. Apesar de sua relevância para a promoção de desenvolvimento sustentável, a legislação florestal sempre foi alvo de grande controvérsia entre ambientalistas e representantes do setor produtivo.
Para parte do setor produtivo, apesar de sua relevância como instrumento jurídico de compatibilização entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental, a legislação florestal padece de grande contradição, uma vez que ao longo de parte significativa do século XX, o Estado fomentou, por meio de políticas fiscais e de créditos, a máxima ocupação das áreas produtivas nos imóveis rurais. Além de incentivos econômicos, produtores rurais recebiam apoio técnico estatal para aumentar a produtividade e eficiência econômica, sem qualquer preocupação ambiental.
A partir dos anos 1980, o cenário político e econômico se alterou radicalmente. Em contexto de redemocratização, aumento da pressão ambiental internacional, promulgação de novo aparato legislativo ambiental, as áreas desmatadas e ocupadas, que antes eram vistas como ativos econômicos e símbolos da alta produtividade nacional, passaram a ser consideradas como passivos ambientais, em especial nas áreas degradadas de reserva legal e área de preservação permanente.
É verdade que o Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/2012) estabeleceu regras de transição para áreas de reserva legal e preservação permanente ocupadas irregularmente. Todavia, na visão do setor produtivo existe um grande passivo ambiental que, em certa medida, foi induzido e fomentado pelo Estado ao longo de décadas. Aos olhos do setor produtivo seria injusto e economicamente inviável não compartilhar com o Estado a obrigação de reparação de tais áreas degradadas.
Uma alteração na legislação florestal poderá ser a positivação desse instrumento de compartilhamento das obrigações de reparação entre Estado e produtor rural: trata-se da alteração do instituto da conversão da multa ambiental.
A Lei nº 20.922, de 2013, a legislação florestal de Minas Gerais, estabeleceu o instituto da conversão da multa ambiental. Como espécie de sanção administrativa, a multa ambiental sempre recebeu críticas dos administrados em razão de sua natureza pouca educativa e por induzir ação exclusivamente repressora e arrecadatória do Estado. Nesse contexto, o instituto da conversão da multa ambiental é relevante, pois contribui para a alteração dessa concepção da ação estatal centrada apenas no comando e controle. Nos termos do artigo 106, § 6º, da referida lei, a conversão é possível em até 50% (cinquenta por cento) do valor da multa simples em programas de recuperação ambiental, mediante assinatura de termo de compromisso com o órgão ambiental.
O Decreto nº 47.772, de 2 de dezembro de 2019, criou o Programa Estadual de Conversão de Multas Ambientais com o objetivo de regulamentar a conversão dos valores devidos a título de multas simples aplicadas em autos de infração ambiental em financiamento de projetos cujo objeto se relacione a medidas de controle e reparação ambiental.
O Decreto nº 47.772/2019 definiu extensa lista de projetos passíveis de financiamento no âmbito do Programa Estadual de Conversão de Multas Ambientais. São eles: I – recuperação: a) de áreas degradadas; b) de processos ecológicos essenciais; c) de vegetação nativa; d) de áreas de recarga de aquíferos; II – proteção e manejo de espécies da flora nativa e das faunas doméstica e silvestre; III – monitoramento da qualidade do meio ambiente e desenvolvimento de indicadores ambientais; IV – mitigação ou adaptação às mudanças do clima; V – manutenção de espaços públicos que tenham como objetivo a conservação, proteção e recuperação de espécies da flora nativa ou da fauna silvestre e de áreas verdes urbanas destinadas à proteção dos recursos hídricos; VI – educação ambiental; VII – proteção, conservação e recuperação dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos.
A Lei Florestal mineira poderá receber, em breve, importante alteração com o avanço da aprovação do Projeto de Lei nº 623/2019 na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. O Projeto de Lei, habilitado para votação definitiva no Plenário, altera os programas elegíveis para a conversão parcial de multas pelo descumprimento da Lei Florestal mineira.
De acordo com a nova redação, a conversão da multa poderá incluir também projetos de recuperação em áreas degradadas de reserva legal e área de preservação permanente.
A inclusão desses dois novos institutos constitui importante alteração legislativa, uma vez diversos empreendedores possuem como passivo áreas degradadas de reserva legal ou Área de Preservação Permanente (“APP”). Caberá ao Estado, por sua vez, a criação de um banco de dados de áreas passíveis de ações de recuperação ambiental.
Em termos procedimentais, a conversão dependerá da celebração do Termo de Compromisso para Conversão de Multa (“TCCM”), ato administrativo expedido pelo órgão ambiental com objetivo de conversão de multas em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente. A celebração do TCMM depende da manifestação expressa do interessado no momento de apresentação da defesa administrativa.
O Projeto de Lei nº 623/2019 está em fase de votação no Plenário da Assembleia e sua aprovação representará importante avanço na utilização dos recursos das multas para a conversão e reparação de passivos ambientais em Minas Gerais.
Leonardo Corrêa
Sócio-executivo da Equipe de Direito Ambiental e Negócios Sustentáveis do VLF Advogados