A responsabilidade dos ônus sucumbenciais em embargos de terceiro sem julgamento de mérito
Júlia Faria Vasques
Os embargos de terceiro, disciplinados no capítulo VII do Código de Processo Civil (“CPC”), consistem em medida processual que visa resguardar o direito de terceiro sobre bem de sua titularidade que sofreu constrição em processo do qual não é parte (1). Em outras palavras, conforme dita Luiz Guilherme Marinoni, os embargos de terceiro são uma maneira de “impedir ou livrar de constrição judicial indevida bem cuja posse ou propriedade pertence a terceiro” (2).
Nesse contexto, verifica-se que o ajuizamento de embargos de terceiro pressupõe a existência de processo diverso em que o bem de titularidade do embargante sofre determinada constrição para satisfação de débito existente.
A fim de elucidar a situação, imagine o seguinte cenário: você, atuando em boa-fé, adquiriu imóvel residencial de uma construtora. Anos depois, contudo, o referido imóvel é penhorado em ação de execução movida por terceiro que busca satisfazer débito perante a construtora. Nesse caso, o remédio judicial cabível para proteger o seu imóvel, adquirido com justo título e boa-fé, seria os embargos de terceiro.
Ato contínuo, imagine que, durante o curso dos embargos de terceiro, o autor da ação de execução se mantenha inerte, não diligenciando ativamente para conseguir a satisfação de seu crédito. Nesse caso, poderá operar sobre o processo a prescrição intercorrente, que se dá “quando o autor de processo já iniciado permanece inerte, de forma continuada e ininterrupta, durante lapso temporal suficiente para a perda da pretensão” (3), ensejando, assim, a extinção do processo.
O que ocorre, então, nos embargos de terceiro, quando a ação originária é extinta em razão da prescrição intercorrente? Sobre quem recaem os ônus sucumbenciais se os embargos são extintos sem julgamento de mérito em razão da perda superveniente do objeto?
Foi justamente esse o tema do Recurso Especial nº 2.131.651/PR, de relatoria do Ilmo. Ministro Marco Aurélio Belizze (4). Conforme consignado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) no recente julgamento do Recurso Especial mencionado, a extinção da ação de execução que originou os embargos de terceiro torna prejudicada a análise desse último, em face da perda superveniente de seu objeto:
Efetivamente, apresenta-se inarredável a conclusão de que a extinção a Execução de Título Extrajudicial n. 0003023-02.2008.8.16.0050, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, tornam prejudicados os subjacentes embargos de terceiro, no bojo do qual se impugna a constrição do imóvel realizada naqueles autos, e, por conseguinte, do presente recurso especial, em razão da perda superveniente de seu objeto, o que pode – e no caso deve – ser reconhecido na presente instância especial.
Subsiste, contudo, a necessidade de determinar sobre quem deverão recair os ônus sucumbenciais no âmbito dos embargos de terceiro.
Com efeito, nos termos do art. 921, §5º do CPC (5), cuja redação foi dada por meio da edição da Lei nº 14.195/2021, o reconhecimento da prescrição intercorrente no bojo do processo de execução não acarreta ônus para as partes em relação ao processo principal.
Não é essa, todavia, a realidade nos embargos de terceiro.
De forma diversa ao que ocorre na ação originária, a responsabilidade pelos ônus sucumbenciais nos embargos de terceiro deve ser analisada à luz do princípio da causalidade (6), em atenção ao art. 85, §10º, do CPC, que dita:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
(…)
§ 10. Nos casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu causa ao processo.
Assim, ainda que haja a perda do objeto, é necessário que o julgador analise se a constrição de fato foi indevida, de modo que, em caso positivo, os ônus sucumbenciais recairão sobre aquele que deu causa à constrição:
Especificamente no caso dos embargos de terceiro – em que se busca impedir ou afastar a constrição judicial reputada indevida sobre bens de titularidade de pessoa que não faz parte da relação jurídico-processual –, cabe ao julgador examinar, sob a égide do princípio da causalidade, se a constrição apresentou-se, em tese, indevida e, em sendo, quem a ela deu causa (a teor do enunciado n. 303 da Súmula do STJ, in verbis: em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios) ou, não sendo este o caso, num juízo prognose, aferir qual dos litigantes seria sucumbente se a ação tivesse, de fato, sido julgada (4).
Ressalta-se que o entendimento proferido está em consonância com a Súmula 303 do STJ, a qual esclarece que “em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios”.
Nesse contexto, observa-se que o STJ entendeu que, na hipótese em que há execução frustrada pelo reconhecimento da prescrição intercorrente e embargos de terceiros prejudicados por perda superveniente do objeto em razão da extinção do feito executivo, os ônus sucumbenciais devem recair sobre quem deu causa à constrição indevida ou, quando não for esse o caso, sobre a parte que seria sucumbente caso a ação tivesse sido julgada.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas junto à equipe da área do contencioso cível do VLF Advogados.
Júlia Faria Vasques
Advogada da Equipe de Contencioso Cível Estratégico do VLF Advogados
(1) Art. 674. Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro.
(2) MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. 7. ed. São Paulo: Thomsom Reuters Brasil, 2021.
(3) GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2021. p. 193.
(4) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 2.131.651-PR, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, julgado em 21/5/2024, DJe de 24/5/2024. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=%27202201997833%27.REG. Acesso em: 21 ago. 2024.
(5) § 5º O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição no curso do processo e extingui-lo, sem ônus para as partes. (Redação dada pela Lei nº 14.195, de 2021)
(6) O Código de Processo Civil adotou o princípio de sucumbência como regra geral para arbitramento dos honorários advocatícios, devendo o princípio da causalidade ser aplicado apenas de forma sucessiva, quando não for aplicável a sucumbência.
(7) BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 21 ago. 2024.