Terceira Turma do STJ define que reparo tardio, desde que eficaz e sem custos, não dá direito automático à devolução do valor pago pelo bem
Fernanda Ciancaglio Valentim
Ao julgar o Recurso Especial nº 2.103.427/GO (1), a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) decidiu, por maioria de votos, que a inobservância do prazo de 30 dias para saneamento de vício no produto, estabelecido no artigo 18, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor (“CDC”), por si só, não assegura ao consumidor o direito à substituição do produto, à restituição imediata da quantia paga ou ao abatimento proporcional do preço.
O caso em questão versa sobre ação ajuizada por consumidor contra fabricante de automóvel, com o intuito de obter, entre outras questões, a restituição do valor pago pelo bem, uma vez que o seu reparo excedeu o prazo de 30 dias estipulado pelo CDC.
O Juízo de origem julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, para condenar a fabricante do automóvel ao pagamento de indenização por danos morais e indeferir a devolução do valor pago pelo bem. O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (“TJGO”) deu parcial provimento à apelação interposta pela parte autora, apenas para majorar a condenação por danos morais. Segundo o acórdão, se o fornecedor providenciou o reparo de forma eficaz e sem custo, “apesar de ter ultrapassado o prazo de 30 (trinta) dias, a lei alcançou sua finalidade, não existindo fundamento para a substituição do veículo por outro novo, nem do abatimento proporcional do preço”.
Inconformado, o consumidor interpôs recurso especial, alegando ofensa ao art. 1.022, II, do Código de Processo Civil e ao art. 18, §1º, II, do CDC, pois: a) o acórdão recorrido não haveria enfrentado o disposto no art. 18, §1º, II, do CDC; e b) o conserto do produto após o esgotamento do prazo de 30 dias concedidos ao fornecedor pelo §1º, do art. 18, do CDC não é apto, por si só, a afastar o poder do consumidor de exigir, alternativamente e à sua escolha, a substituição do produto, a restituição imediata da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço.
A Relatora, Ministra Nancy Andrighi, acompanhada pelo Ministro Humberto Martins apresentou voto vencido, favorável ao provimento do recurso. Segundo seu entendimento, “o direito subjetivo do consumidor de fazer uso das alternativas que lhe confere o CDC passa a integrar sua esfera jurídica no exato instante em que há o transcurso do prazo de 30 dias sem que o vício seja sanado”. Desse modo, mesmo que o produto tenha sido consertado, já teria nascido o direito do consumidor a pleitear qualquer uma das medidas do artigo 18, § 1º, do CDC e, portanto, seria devida a restituição do valor pago pelo produto.
Após pedido de vista, o Ministro Moura Ribeiro votou pelo desprovimento do recurso, abrindo a divergência. Para ele, se o consumidor solicitou o conserto do produto e o produto foi efetivamente reparado, independentemente do prazo em que isso ocorreu, a pretensão foi atendida e, portanto, não seria possível aplicar a hipótese do artigo 18, § 1º, inciso II, do CDC. Ressaltou, por fim, que o consumidor, ao pleitear a restituição do valor pago pelo produto, mesmo diante de seu conserto, estaria adotando “conduta (que) evidentemente não se assenta na boa-fé”. Assim, decidiu pela manutenção do acórdão do TJGO por seus próprios fundamentos, sendo acompanhado pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze.
No voto de desempate, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva acompanhou a divergência, destacando a importância de considerar o resultado do conserto: “Se o produto for consertado e se tornar utilizável, a restituição integral não é automaticamente garantida. A medida deve ser proporcional às circunstâncias específicas do caso”. Assim, o Ministro conclui que a decisão que negou a devolução do valor pago pelo veículo após a correção dos vícios está em conformidade com a razoabilidade e a proporcionalidade, levando em conta as circunstâncias do caso e o fato de que o veículo foi utilizado de maneira satisfatória após o conserto.
A Terceira Turma do STJ, então, negou provimento ao recurso por maioria, confirmando o acórdão do TJGO.
O resultado do julgamento aponta para interpretação acertada da legislação consumerista, evitando-se abusos e enriquecimento indevido do consumidor em detrimento do fornecedor que, em muitos casos, precisa fazer avaliação complexa e minuciosa, com a realização de diversos testes, sem contar o fornecimento e o próprio transporte de peças por terceiros.
Além disso, os veículos são bens complexos e estão sujeitos ao desgaste natural de peças, além de problemas que podem ocorrer pela utilização indevida do bem, sendo extremamente importante a realização da sua manutenção periódica. Tudo isso precisa ser considerado e verificado pelo fabricante antes de qualquer intervenção, já que nem todo problema pode ser decorrente do processo produtivo. Assim, tem-se que a constatação e o reparo de vícios no produto trata-se de conduta absolutamente normal e esperada (art. 375, CPC), bem como o exercício regular de direito (art. 188, I, CC) legalmente conferido ao fabricante (art. 18, §1º, CDC), de averiguar e, se for o caso, reparar o produto fornecido ao consumidor.
É importante, nesse sentido, que o Judiciário atue para coibir abusos na aplicação da legislação consumerista, devendo prezar, sempre, pela razoabilidade e proporcionalidade, pelos fins sociais e exigências do bem comum, inclusive por disposição expressa do art. 8º do CPC.
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Fernanda Ciancaglio Valentim
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) STJ, REsp n. 2.103.427/GO, Relatora Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em, 25/06/2024, DJe de 07/08/2024.