Negociações entre as partes são suficientes para demonstrar intenção de submeter litígios à arbitragem, decide STJ
Lucas Sávio Oliveira e Rachel Rezende
Em recente acórdão, publicado no dia 20.05.2016 (1), a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), por maioria, deu provimento a Recurso Especial que discutia a validade de cláusula arbitral inserida em instrumento não assinado por uma das partes, entendendo que ela estaria apta a subtrair do judiciário o julgamento do caso. A decisão abordou, ainda, outras questões importantes, como a interpretação de termo inserido na cláusula arbitral, bem como a aplicação do princípio da competência-competência.
A controvérsia originou-se no processo de incorporação da sociedade empresária Norinter pela Norsul, acompanhado do envio de Cartas-Compromisso pela empresa OLSA e os Srs. Erling Sven Lorentzen e Haakon Lorentzen (os dois últimos Recorrentes) ao Sr. Hugo Pedro de Figueiredo (Recorrido), anteriormente acionista da Norinter, que se tornaria presidente executivo da sociedade resultante da incorporação. A primeira dessas Cartas-Compromisso estipulava a obrigação dos Recorrentes e da OSLA de adquirir as ações da sociedade resultante da incorporação de titularidade do Recorrido caso este optasse por encerrar sua atuação como presidente executivo da mesma. Estabelecia, ainda, que em caso de controvérsia quanto aos valores devidos, na hipótese de o Recorrido exercer a opção de retirar-se da sociedade, dois avaliadores nomeados pelas partes e um terceiro indicado por estes últimos , arbitrariam o valor de mercado das ações, em decisão com caráter final e definitivo.
Entretanto, tendo o Recorrido exercido a opção de retirar-se do cargo de presidente executivo, as Partes divergiram quanto aos valores devidos. Sendo assim, o Recorrido ajuizou ação pedindo a condenação dos Recorrentes ao cumprimento da obrigação estipulada na Carta-Compromisso, bem como o arbitramento do valor de mercado da sociedade resultante da incorporação.
Os Recorrentes, em contestação, alegaram a falta do interesse de agir, visto que não teriam se negado a pagar os valores estipulados na Carta-Compromisso, e, ainda, a existência de convenção de arbitragem, tendo o juiz de primeira instância negado as preliminares arguidas. Em sede de agravo de instrumento, assim também se posicionou o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, entendendo que a falta de assinatura do Recorrido na Carta-Compromisso impediria a demonstração da vontade inequívoca das partes em arbitrar. Os Recorrentes, assim, interpuseram o Recurso Especial objeto da presente análise.
Em seu voto, que, ao final, restou acompanhado pela maioria dos Ministros da Terceira Turma, o Ministro Relator Marco Aurélio Belizze deu provimento ao Recurso. Ponderou que apesar de não ter sido a Carta-Compromisso assinada pelo Recorrido, as intensas negociações entre as Partes são aptas a demonstrar a inequívoca anuência das mesmas com as disposições da Carta-Compromisso, e, consequentemente, a intenção em submeter eventuais litígios à arbitragem.
Acrescentou o Relator que o único requisito exigido pela Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) (2) para a validade da cláusula compromissória é que esta seja escrita, trazendo como fundamento doutrina atualizada no sentido de que as negociações entre as partes, inclusive aquelas por meios eletrônicos, são perfeitamente aptas a caracterizar a anuência com a cláusula arbitral.
Outra questão abordada foi o fato de as Partes terem estipulado a solução das controvérsias envolvendo o valor de mercado das ações por “avaliadores”, e não propriamente árbitros, e se tal disposição poderia ser caracterizada como uma cláusula arbitral ou mera estipulação de perícia.
Pela interpretação da cláusula, concluiu o Relator que como as partes acordaram que a decisão dos avaliadores seria definitiva e irrevogável, esta não poderia ser atribuída a peritos ou, ainda, arbitradores, mas apenas a um tribunal arbitral.
Por fim, analisou-se a questão levantada pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, autor de voto divergente, de que matéria controvertida ultrapassaria a simples divergência sobre o valor de mercado das ações. Acompanhando o voto divergente unicamente nesse aspecto, o Ministro João Otávio de Noronha entendeu que as questões não relativas ao valor de mercado das ações não deveriam ser submetidas à arbitragem, mas sim à análise do judiciário, posto que não abarcadas pela cláusula compromissória. O Ministro Relator, acompanhado pelos demais, posicionou-se em favor do princípio da competência-competência, consubstanciado no art. 8º da Lei de Arbitragem, defendendo que mesmo não sendo determinados assuntos controvertidos englobados pela cláusula, o tribunal arbitral a ser formado seria competente para decidir sobre sua própria competência para tratá-los.
A decisão em comento merece destaque por ir ao encontro da opinião da doutrina especializada no que tange à dispensa de formalidade na cláusula compromissória e, ainda, com a melhor interpretação do art. 4º, §1º da Lei de Arbitragem, que estipula um único requisito para a validade da cláusula compromissória: sua forma escrita. Ademais, ao tomar como base para a avaliação da validade da cláusula as negociações entre as partes, o STJ realizou abordagem altamente focada na análise da vontade das mesmas quanto ao método de resolução de eventuais conflitos surgidos entre elas, ponto fundamental da arbitragem (3).
Lucas Sávio Oliveira
Advogado da equipe de Consultoria Internacional e Arbitragem do VLF Advogados
Rachel Rezende
Estagiária da equipe de Consultoria Internacional e Arbitragem do VLF Advogados
(1) Recurso Especial nº 1.569.422/RJ. Ministro Relator Marco Aurélio Belizze. Data da Sessão: 26 de abril de 2016. Data da Publicação: 20 de maio de 2016.
(2) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9307.htm
(3) CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo – Um Comentário à Lei 9.307/96. Editora Atlas – São Paulo. 2009, p. 64.