Acesso automático de autoridades fiscais a informações sobre contas bancárias mantidas no exterior.
uma realidade próxima
Paulo Vítor Ângelo
É evidente a facilidade encontrada por qualquer indivíduo, na atualidade, para a realização de investimentos além das fronteiras do próprio país. Em grande parte dos casos, contudo, os investimentos offshore são realizados por contribuintes que aspiram obtenção de benefícios ilícitos por meio da evasão fiscal. O agravamento deste problema, enfrentado por países desenvolvidos e em desenvolvimento, com grandes ou pequenas economias, tem sido um estímulo para o surgimento de iniciativas voltadas ao combate de tal prática.
Chama a atenção, nesse cenário, o trabalho desenvolvido em conjunto pela Organização para o Desenvolvimento Econômico – OCDE e pelo G-20, grupo formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia. Ambas as entidades vêm se consolidando como grandes fomentadores da construção de sistemas para a cooperação interestatal e internacional, tendo como foco o maior controle fiscal e a transparência. Recentemente, uma de suas propostas ganhou notoriedade: o estabelecimento de modelos para o intercâmbio automático de informações bancárias entre autoridades fiscais, sendo este o objeto do Padrão para a Troca Automática de Informações sobre Assuntos Fiscais de Contas Financeiras (Standard for Automatic Exchange of Financial Account Information in Tax Matters), documento elaborado em parceria entre as duas entidades e aprovado em julho deste ano.
De se notar que os esforços empreendidos já começam a gerar frutos. Durante a 7ª reunião do Fórum Global sobre a Transparência e o Intercâmbio de Informações para Fins Fiscais (Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes), realizada em Berlim nos dias 28 e 29 de outubro de 2014, houve uma adesão massiva ao Padrão para a Troca Automática de Informações. Até a data de 6 de novembro de 2014, 93 países e territórios, incluindo o Brasil, já haviam se comprometido com a implementação do novo Padrão, variando o tempo definido por cada um deles para fazê-lo. Nesta listagem, figuram em posição de destaque tradicionais potências econômicas, como a totalidade da União Europeia, China, Japão e Rússia, além de jurisdições usualmente consideradas paraísos fiscais – casos de Belize, Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas, Liechtenstein e Uruguai, dentre outros.
A adoção do novo Padrão representa um marco histórico na colaboração internacional para o combate à evasão fiscal, e estará em vigor em grande parte das jurisdições já a partir do ano de 2017. No Brasil, esforços deverão ser envidados para que os seus termos estejam em vigor a partir do ano de 2018.
Dos 93 países e territórios comprometidos com a implementação do novo Padrão, 51 assinaram o “Acordo Multilateral entre Autoridades Competentes para o Intercâmbio de Informações Financeiras” (Multilateral Competent Authority Agreement on Automatic Exchange of Financial Account Information). Dito Acordo representa um desdobramento da Convenção sobre Assistência Administrativa Mútua em Matéria Tributária (Convention on Mutual Administrative Assistance in Tax Matters), adotada pela OCDE e pelo Conselho Europeu (mais alto órgão da União Europeia, responsável por definir as prioridades da região) em 1998 e alterada em 2010, com o objetivo de ser um instrumento multilateral amplo, abarcando diversas formas de cooperação para o combate da fraude e da evasão fiscais.
Ainda que representem iniciativas independentes (o comprometimento via assinatura do Acordo ou não), seu objetivo é o mesmo. Por meio do novo Padrão para a Troca Automática de Informações, autoridades fiscais dos países e territórios signatários, intercambiando as informações disponibilizadas por instituições financeiras sediadas (ou com filiais) nas respectivas jurisdições, passarão a ter acesso periódico e automático a dados particulares de titulares de contas bancárias no exterior, a dados e aos saldos de referidas contas, aos rendimentos e dividendos obtidos em contas de depósito e/ou de custódia, bem como a dados quanto às instituições financeiras nas quais elas são mantidas.
Algumas das jurisdições signatárias já vêm oferecendo programas para que contribuintes em situação irregular declarem o patrimônio oculto mantido no exterior, abrandando o valor de eventuais multas aplicadas e evitando a imposição de sanções penais. “Antes mesmo de o padrão se tornar operacional, já vimos os seus benefícios. Apenas em nove países membros, mais de meio milhão de contribuintes já se anteciparam através de programas de divulgação voluntária para a declaração de riquezas ocultas”, afirmou o Secretário Geral da OCDE, Angel Gurria, em discurso durante a Reunião.
A prática de remeter recursos ao exterior visando ocultá-los do fisco, nesse contexto, pode estar com os seus dias contados. Pouco a pouco, aperta-se o cerco ao contribuinte, que transpondo as fronteiras do próprio país, passará a deparar-se com cada vez menos possibilidades para a realização de fraudes fiscais.
Paulo Vítor Ângelo
Advogado da equipe de Consultoria Societária do VLF Advogados.