STF, gestão de resíduos e APP: uma questão fundamental para o desenvolvimento da infraestrutura nacional
Leonardo Corrêa e Géssica Ribeiro
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (“STF”) finalizou o julgamento conjunto da Ação Declaratória de Constitucionalidade (“ADC”) nº 42 e de quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (“ADIns”) números 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937. As Ações discutiam os preceitos do Código Florestal e declararam a inconstitucionalidade da expressão “gestão de resíduos” por maioria, vencidos os Ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes, e, em parte, o Ministro Alexandre de Moraes. De forma resumida, o STF julgou inconstitucional o artigo da Lei nº 12.651/2012, o Código Florestal, que trata a gestão de resíduos como serviço de “utilidade pública” e “interesse social”.
Foram opostos embargos de declaração pela Advocacia Geral da União (“AGU”) e pelo Partido Progressistas (“PP”), que alegaram que não devem ser abarcadas as atividades de gestão de resíduos.
O julgamento dos embargos declaratórios teve início em 2 de fevereiro de 2024 e o Plenário Virtual iniciou o julgamento do assunto após o voto do Ministro Luiz Fux, relator do caso, que opinou pela manutenção da declaração de inconstitucionalidade e deu prazo de três anos, a contar do julgamento, para que os aterros em Áreas de Preservação Permanente (“APPs”) fossem retirados.
O Ministro Edson Fachin, por outro lado, votou a favor da manutenção da decisão, porém entende que o prazo de três anos deve ser contado a partir da data da publicação da ata de julgamento dos embargos de declaração, e não apenas do julgamento. Já em seu voto, Alexandre de Moraes atribuiu efeitos futuros à declaração de inconstitucionalidade da expressão “gestão de resíduos” e decidiu que os aterros localizados em APPs terão prazo de dez anos para serem progressivamente desativados. Além do Ministro Barroso, ainda restam os votos dos Ministros Dias Toffoli, Nunes Marques, André Mendonça e Cristiano Zanin.
A Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (“ABREMA”) protocolou pedido para que o julgamento fosse realizado em Plenário presencial, ante a necessidade de que todos os julgadores deliberassem ao mesmo tempo para que se obtenha resultado útil e de forma síncrona, já que existem correntes divergentes.
A questão jurídica de fundo é relativamente simples: o Código Florestal estabelece, como regra geral, a impossibilidade de realização de atividades econômicas em APPs. Todavia, devido à dinamicidade e à complexidade de determinados empreendimentos, o Código Florestal prevê exceções para as atividades consideradas de “utilidade pública” e “interesse social”, tal como infraestrutura destinada às concessões e aos serviços públicos (art. 3º, VIII, b). Na redação original, o Código Florestal incluía como infraestrutura e serviços públicos as atividades relacionadas a sistemas viários, energia, telecomunicações, mineração e gestão de resíduos.
Parece-nos que o STF, ao julgar o embargo, não conseguiu diferenciar duas situações tecnicamente distintas: a gestão de resíduos sólidos e a prática ilícita do lixão. Ora, a gestão de resíduos é atividade lícita de saneamento básico, imprescindível para o desenvolvimento sustentável local. O objetivo da gestão de resíduos é o armazenamento, o transporte, o tratamento e a disposição final de resíduos de forma ambientalmente correta. O lixão, por outro lado, é simplesmente o descarte de lixo diretamente no solo, sem qualquer controle da contaminação do solo, do lençol freático ou da proliferação de vetores de doenças.
Ocorre que os aterros sanitários – a principal solução tecnicamente viável para a gestão de resíduos urbanos – são equipamentos de infraestrutura que demandam considerável espaço físico para sua instalação. Trata-se de obra de engenharia destinada a viabilizar a gestão de resíduos sólidos urbanos que demanda integração com a logística de transporte e acondicionamento.
A decisão do STF, ao proibir a gestão de resíduos em áreas de preservação permanente, cria grave problema ao limitar uma atividade absolutamente necessária para a ampliação da nossa capacidade de infraestrutura sanitária. Ao impor proibição em que a lei era permissiva, o STF inverte a lógica de proteção e conservação do meio ambiente, pois, em última análise, desestimula a criação de estruturas adequadas para a gestão de resíduos sólidos urbanos.
Leonardo Corrêa
Sócio-executivo da Equipe de Direito Ambiental e Negócios Sustentáveis do VLF Advogados
Géssica Ribeiro
Advogada da Equipe de Direito Ambiental e Negócios Sustentáveis do VLF Advogados