A nova regra de juros moratórios e o conflito de leis no tempo
Yuri Luna Dias
A Lei nº 14.905/2024 entrou em vigor neste ano com o intuito de encerrar longa discussão sobre a taxa legal dos juros moratórios no Brasil, que até então eram fixados em 1% ao mês, conforme previsto no art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional. A substituição dessa taxa pela Selic, porém, faz surgir novas dúvidas quanto aos seus impactos em processos judiciais. Afinal, como deve ser a aplicação da nova lei em processos em curso?
Para que esse questionamento seja respondido é necessário relembrar que os juros moratórios legais, previstos nos arts. 389 e 395 do Código Civil, têm natureza de frutos civis que surgem a partir da mora do devedor. Assim, como decorrem de norma de direito material, estão sujeitos ao princípio de tempus regit actum, que estabelece que a lei aplicável a cada prestação é aquela vigente ao tempo em que os juros de mora se tornam exigíveis.
Dessa forma, caso a mora tenha ocorrido antes da vigência da Lei nº 14.905/2024, aplicam-se as normas antigas. Por outro lado, havendo hipótese de incidência de juros após a entrada em vigor da referida lei, por ela devem ser regulados os juros moratórios.
Essa solução foi a mesma empregada pelos tribunais quando o Código Civil de 2002 entrou em vigor substituindo o antigo regime de juros de 6% ao ano pelo que se tinha anteriormente à Lei nº 14.905/2024, ou seja, juros de 12% ao ano. Naquela época, o Enunciado 164 da III Jornada de Direito Civil de 2004, por exemplo, estabeleceu que, quando a mora ocorria sob a vigência do Código Civil de 1916, a taxa de 6% ao ano seria aplicável até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, a partir de quando o novo percentual de juros passaria a incidir. Tal entendimento, que foi encampado pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) no REsp 594.486/MG e no Tema 176 de recursos repetitivos, reforça a ideia de que a nova taxa só incide sobre fatos posteriores à mudança legislativa.
Aspecto interessante desse raciocínio é a possibilidade de coexistirem duas taxas de juros em um mesmo processo, pois em casos em que existam obrigações continuadas entre as partes, isto é, de trato sucessivo, as primeiras parcelas do devedor podem merecer a incidência de juros de 1% ao mês, enquanto as que vencerem após a entrada em vigor da Lei nº 14.905/2024 passam a ser calculadas com juros conforme Selic. Isso, porque a mora, nessa hipótese, ocorre no vencimento das parcelas, de forma que cada período de inadimplência deve ser regido pela norma vigente à época dos fatos.
Em resumo, o cálculo dos juros em processos judiciais em curso dependerá de quando a mora de cada parcela ocorreu, se antes ou depois de 31 de agosto de 2024, quando a Lei nº 14.905/2024, que não tem efeitos retroativos, alterou a taxa legal de juros entre particulares.
A equipe do VLF Advogados está pronta para esclarecer quaisquer dúvidas sobre o tema.
Yuri Luna Dias
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados