STF define teto para multas tributárias qualificadas no Tema 863 da Repercussão Geral
Vinícius Vasconcelos
Em 3 de outubro de 2024 (1), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (“STF”) concluiu a apreciação do Tema 863 da Repercussão Geral, que tratou dos limites da multa fiscal qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio, considerando a vedação constitucional ao efeito confiscatório. O julgamento se deu no Recurso Extraordinário nº 736.090.
A tese proposta pelo relator Dias Toffoli, acompanhada a unanimidade, considerou que, nessas hipóteses, a multa deve ser limitada a 100% do débito tributário, podendo chegar a 150% no caso de reincidência, até que lei complementar federal disponha sobre o tema, observado o art. 44, §1º-C, da Lei nº 9.430/1996, que afasta a multa qualificada nos casos de ausência de individualização e comprovação da conduta dolosa e de sentença de absolvição na esfera penal. Na prática, a decisão determinou a sua observância por todas as esferas federativas dos parâmetros estabelecidos pela Lei nº 14.689/2023 (2), que deu nova redação ao §1º do art. 44 da Lei nº 9.430/1996 e incluiu os §§ 1º-A a 1º-C nesse dispositivo.
Houve modulação de efeitos, de forma a limitar o início da produção de efeitos da decisão. O marco temporal adotado foi a da edição da Lei nº 14.689/2023, isto é, 21 de setembro de 2023. Assim, o teto de 100% da multa fiscal qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio passou a valer a partir de então, ressalvados (i) as ações judiciais e os processos administrativos pendentes de conclusão até a referida data; e (ii) os fatos geradores ocorridos até a referida data em relação aos quais não tenha havido o pagamento de multa abrangida pelo presente tema de repercussão geral.
A análise do voto do relator Ministro Dias Toffoli disponibilizado no Plenário Virtual (3) antes da migração para julgamento presencial revela que os parâmetros foram considerados razoáveis por serem maiores do que os da multa moratória de 20% e da multa punitiva de 75%. A ideia desenvolvida é que as infrações de sonegação, fraude ou conluio são mais graves por ensejarem enriquecimento ilícito. O voto fez expressa referência às razões de decidir do julgamento do órgão especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que rejeitou a arguição de inconstitucionalidade da multa de 150% no caso de sonegação, fraude ou conluio prevista na Lei nº 9.430/1996 antes da Lei nº 14.689/2023, e apresentou essa fundamentação.
O relator defendeu, ainda, a necessidade de adoção de parâmetros que permitam a individualização da conduta objeto da sanção, afirmando, com acerto, que a proporcionalidade não se limita à fixação de um teto e que a conduta concreta do contribuinte deve ser levada em consideração. Essa ponderação foi explicitamente direcionada às Casas Legislativas, onde o debate sobre a questão deve ocorrer.
Contudo, o reconhecimento pelo STF de que a aplicação da proporcionalidade das multas não se limita à fixação de um teto acaba por legitimar os contribuintes a pleitear junto ao Poder Judiciário a adequação das penalidades que se mostram irrazoáveis, mesmo que respeitados os tetos fixados, sobretudo diante da inércia dos legisladores sobre o tema.
Esse aspecto deve ser adequadamente explorado nas discussões, inclusive administrativas, para que as circunstâncias fáticas a respeito da natureza da infração e suas repercussões fiquem bem definidas e permita-se espaço de análise concreta da proporcionalidade das sanções.
Embora apenas no Poder Judiciário haja mais espaço para que a discussão frutifique, é crucial que se demarque que o direito à individualização das penalidades tributárias já foi reconhecido pelo STF, o que deve ser observado por todos os entes da Federação.
Vinícius Vasconcelos
Advogado da Equipe Tributária do VFL Advogados
(1) Conforme consta no extrato de andamentos processuais, disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4370056. Acesso em: 22 out. 2024.
(2) BRASIL. Lei nº 14.689, de 20 de setembro de 2023. Disciplina a proclamação de resultados de julgamentos na hipótese de empate na votação no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf); dispõe sobre a autorregularização de débitos e a conformidade tributária no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda, sobre o contencioso administrativo fiscal e sobre a transação na cobrança de créditos da Fazenda Pública; altera o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, e as Leis nºs 6.830, de 22 de setembro de 1980 (Lei de Execução Fiscal), 9.430, de 27 de dezembro de 1996, 13.988, de 14 de abril de 2020, 5.764, de 16 de dezembro de 1971, 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e 10.150, de 21 de dezembro de 2000; e revoga dispositivo da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002. DOU. 21 set. 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14689.htm. Acesso em: 22 out. 2024.
(3) Disponível em: https://sistemas.stf.jus.br/repgeral/votacao?texto=6122597. Acesso em 22 out. 2024.