STJ define regras para reparação civil em casos de excesso de peso no transporte rodoviário
Matheus Emiliano de Almeida
Em face de antiga controvérsia nos tribunais, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) submeteu ao rito dos julgamentos repetitivos a possibilidade de imposição de tutela inibitória e responsabilização civil dos transportadores pelos danos materiais e morais coletivos, em virtude do tráfego de veículos com excesso de peso em rodovias.
Em breve contexto, tornou-se comum a instauração de inquérito civil e, posteriormente, ação civil pública pelo Ministério Público com o objetivo de obter indenização ao erário pelos supostos danos causados à malha rodoviária pelas empresas que, reiteradamente, realizam operações de transporte sem a devida observância aos limites de peso.
Ante a indefinição do tema nos tribunais, coube ao STJ, no Tema Repetitivo 1.104, firmar que “o direito ao trânsito seguro, bem como os notórios e inequívocos danos materiais e morais coletivos decorrentes do tráfego reiterado, em rodovias, de veículos com excesso de peso, autorizam a imposição de tutela inibitória e a responsabilização civil do agente infrator”.
Ambos os recursos especiais afetados (REsp 1908497/RN e REsp 1913392/MG) foram propostos pelo Ministério Público Federal (“MPF”), visando a reforma dos acórdãos proferidos pelos tribunais de origem – TRF-5 e TRF-1 nos casos supramencionados. Nos julgamentos nos tribunais federais, os pedidos do MPF foram julgados improcedentes e não houve a condenação de empresas ao pagamento de danos materiais e morais coletivos em razão do transporte rodoviário com excesso de peso.
Ao apreciar a apelação da qual se originou o REsp 1913392/MG, o acórdão proferido pelo TRF-1 pautou-se sobretudo na existência de comando normativo contido no Código de Trânsito Brasileiro (“CTB”) que já proíbe o tráfego com excesso de peso e determina a sanção pecuniária correspondente. Logo, não caberia ao Poder Judiciário estabelecer nova medida inibitória, pois estaria usurpando a função legislativa. Considerou-se, ainda, que o dano material precisaria ser certo e comprovado, não presumido, assim, como o dano moral coletivo exige a demonstração da gravidade, o que não estaria plenamente atestado.
Em decisão semelhante, o TRF-5 havia afastado a condenação da transportadora, ao considerar que a imposição do dever de indenizar – seja de natureza material ou moral coletiva – sem a detida apuração individual dos danos causados, impede a responsabilização da empresa.
Submetidos ao relator, Ministro Teodoro Silva Santos, foram examinados os fundamentos determinantes do julgado, iniciando pela exposição da tutela do trânsito seguro como direito de todos e dever do Estado. Destacou-se principalmente os compromissos nacionais e internacionais do Brasil para um trânsito mais seguro, traduzido, por exemplo, no status constitucional que a segurança viária atingiu a partir da Emenda Constitucional nº 82/2014 (1).
Sob tal pretexto, o voto apresenta levantamentos de ordem multidisciplinar, com o intuito de demonstrar os diversos impactos negativos resultados do tráfego rodoviário com excesso de peso, traçando a perspectiva dos danos difusos causados pelo ato em questão.
Do ponto de vista jurídico, o exame do relator expressa firmemente a intenção principal de defesa dos direitos difusos supramencionados. Inicialmente, destacou-se a independência entre as instâncias punitivas. Portanto, a responsabilização administrativa originada do exercício do poder de polícia resultante na sanção contida no CTB não desautoriza a adoção de medidas complementares de natureza diversa para repelir a reincidência das infrações nem afasta a responsabilidade civil do transportador.
No tocante à responsabilidade civil, o voto é firme ao considerar que é fato notório o nexo causal entre o transporte com excesso de peso e a deterioração causada nas vias públicas, de forma que a reparação, mesmo de natureza material, independe de prova, por aplicação do art. 374, I, do CPC (2).
Assim, a resposta dada pelo STJ é clara: o reiterado transporte rodoviário com excesso de peso estará sujeito à reparação dos danos morais e materiais in re ipsa (presumido), podendo gerar enorme passivo a quem apostar nessa prática.
Há de se ressaltar importantes definições que ficarão a cargo interpretativo dos tribunais de origem: quantas infrações cometidas serão necessárias para que se tenha “prática reiterada”? Como arbitrar valor razoável para reparação do dano material presumido?
A própria jurisprudência do STJ elencada no Tema 1.104 nos traz noção sobre o reconhecimento das infrações de excesso de peso de forma reiterada. Iniciando pelo próprio REsp 1908497/RN afetado, entendeu-se que o cometimento de quatro infrações desta natureza no transcurso de quatro anos não é suficiente para a responsabilização civil pelos danos materiais e morais coletivos.
No julgamento do REsp 1574350/SC, a Segunda Turma reconheceu a responsabilidade civil da empresa a partir do cometimento de 85 infrações entre 2003 e 2013, numa média aproximada de uma autuação a cada dois meses. No REsp 1581580/SE, a Primeira Turma entendeu que a autuação da transportadora por 13 vezes num período de um ano é suficiente para demonstrar a reiteração da prática e lhe imputar a responsabilização civil.
Percebe-se pelas decisões do STJ rigor em relação ao número de infrações para que se considere a recorrência da prática e considere a ilicitude para fins de responsabilidade civil.
Por fim, será de extrema relevância o arbitramento dos valores a título de reparação. É comum que o MPF pleiteie cinco ou dez mil reais para cada infração cometida a título de danos materiais, além da fixação de astreintes nesses mesmos valores e condenação em danos morais que chegam aos milhões.
Assim, nos parece desarrazoado, a princípio, o arbitramento de medidas compensatórias que em sua quantia destoam de forma considerável à sanção administrativa do CTB, que passou por todo processo legislativo para sua exigência, uma vez que a atividade jurisdicional também se encontra adstrita aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
A equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados está à disposição para discutir o assunto.
Matheus Emiliano de Almeida
Advogado da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
(1) Art. 144 (…)
§ 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 82, de 2014) I – compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente.
(2) Art. 374. Não dependem de prova os fatos:
I – notórios.