Indicações literárias de 2024
Rafhael Frattari
Neste fim de ano, ao invés de publicarmos mais uma resenha, resolvemos fazer indicações dos melhores livros de ficção que chegaram ao Brasil em 2024. Seguem as obras selecionadas pela nossa equipe:
Teoria Geral do Esquecimento (José Eduardo Agalusa): livro maravilhoso, com uma escrita poética, como costuma ser o caso do Agalusa. Tem como pano de fundo a revolução e a redemocratização de Angola, quando a personagem Ludovica passa 20 anos reclusa em seu apartamento. O livro, no entanto, é muito movimentado, tanto em relação aos dramas individuais e familiares, quanto em relação à história de Angola.
Uma saída honrosa (Eric Vuillard): última obra do excepcional autor francês, historiador e ganhador do Prêmio Goncourt. O livro narra a história da saída da França da Indochina, com uma estrutura interessante. Quase não há diálogos, mas ainda assim a leitura flui bastante bem. Como em seus outros livros, há ácida crítica social, em torno da ideia de progresso e da dominação amoral da burguesia. Aqui, há páginas memoráveis de crítica à aristocrática política francesa da época.
O grande caderno (Ágota Cristoff): primeiro volume de uma trilogia, que é a obra mais famosa da autora húngara. O livro narra a história de dois gêmeos que são mandados para a casa da avó durante a guerra e têm contato com todo tipo de personagens, desde alemães invasores, até judeus perseguidos e padres avarentos. O livro é muito bem escrito, de ironia fina e humor sarcástico. Enfim, uma das grandes descobertas do ano.
Velar por ela (Jean-Andrea Baptiste): é uma obra-prima vencedora do Prêmio Goncourt do autor francês, que quase sempre agracia grandes livros. A obra conta a história de um escultor que sofre com nanismo e luta para ascender socialmente na Itália fascista. Em meio a isso tudo há uma história de quase amor e uma personagem feminina surpreendente. Vale muito a pena a leitura. Livro fácil de ler e muito bom. Lido no Clube do Livro do escritório, no nosso projeto de diversidade e inclusão.
O pacto das águas (Abraham Verghese): livro que ficou em primeiro lugar durante meses do New York Times, a obra narra a saga de uma família indiana, contando também muito sob o sistema de castas e a cultura do país. Traz ainda muitos elementos sobre dramas pessoais, avanços da medicina e religião. O autor é professor de medicina em Stanford e escreve muito bem. Não se assustem com o tamanho da obra, é um livro grande, mas de leitura bem fácil.
O colibri (Sandro Veronesi): obra agraciada pelo Prêmio Strega, o mais importante da língua italiana. O livro narra a história de gerações com foco na vida do personagem, que perde uma irmã e passa a vida envolto em um romance bem estranho. Ao final, vemos a dedicação do avô com a sua neta e críticas aos valores modernos de progresso econômico.
A vida dos outros (Leila Slimani): primeiro livro da trilogia que será lançada pela autora, já bastante famosa e detentora de um Goncourt, a obra conta a história de uma francesa que sai de uma vida pobre na França, pós-guerra, para a Argélia colonial. Obra cheia de tensões entre o colonizador e o colonizado, entre homens e mulheres, entre religiões diferentes. Tudo na prosa muito elegante da Slimani. Assim como os demais livros da autora, é muito bom.
Juventude sem Deus (Odon von Horvath): obra escrita na ascensão do nazismo, narra a história de um professor que começa a ser confrontado com ideias preconceituosas do regime e não sabe se preserva o seu emprego ou mantém suas opiniões sobre raça, colonialismo etc. Ótimo livro, pequeno e que mostra muito bem o ambiente da época.
Deus na escuridão (Valter Hugo Mãe): como sempre, o livro é lindo, mas a escrita exige atenção, para que se possa aproveitar dela ao máximo. Narra a história de uma família na Ilha de Madeira, que tem um filho sem definição sexual clara, que é criado como homem santo. História muito bonita.
A extraordinária zona norte (Alberto Mussa): uma das melhores obras nacionais do ano. O autor narra aventuras na zona norte do Rio de Janeiro, com destaque para personagens envolvidos com o samba, o jogo do bicho, as religiões africanas e o nascimento dos esquadrões da morte. Tudo isso embalado por um crime violento e por passagens quentes de amor. Um ótimo livro nacional, a la Nelson Rodrigues.
Enquanto anoitece (Luiz Eduardo Soares): livro bem legal sobre criminalidade e ditadura, quando um ex-jagunço foge do Nordeste, passa pelo Sudeste e acaba no Rio de Janeiro, tendo a sua vida pautada pela marginalidade e pelas relações ambíguas do Estado com o crime organizado. Ótima leitura, e enredo bem construído. Não chega a ser uma surpresa pelo conhecimento do autor sobre o tema.
De onde eles veem (Jefferson Tenório): novíssimo livro do autor de Avesso da pele. Tenório parece ser o romancista mais relevante para a discussão da temática do racismo na atualidade. O livro trata do mesmo tema, mas em âmbitos diversos, narrando as dificuldades daqueles estudantes que entram nas universidades pelo sistema de cotas. Uma obra bem escrita, com várias personagens interessantes, com bela descrição da dificuldade da vida para as camadas mais pobres da sociedade. Não é simplesmente uma literatura engajada, longe disso.
Juventude sem Deus (Odon von Horvath): obra escrita na ascensão do nazismo, narra a história de um professor que começa a ser confrontado com ideias preconceituosas do regime e não sabe se preserva o seu emprego ou mantém suas opiniões sobre raça, colonialismo etc. Um ótimo livro, pequeno e que mostra muito bem o ambiente da época.
Vera (José Faleiro): novo livro do autor de Os supridores, a obra também narra uma história havida nas comunidades de Porto Alegre e se concentra em personagens femininas e as dificuldades adicionais impostas às mulheres da classe operária. Ainda temos um personagem interessante, que é oprimido e opressor ao mesmo tempo, com desfecho legal.
Água turva (Morgana Kretzmann): livro que trata das relações culturais em transformação nas áreas invadidas pela agricultura no sul/centro-oeste do país e as populações rurais, que vivem ao lado da floresta. O livro tem trama policial, ao lado de histórias pessoas de famílias que cresceram em torno de um parque de proteção ambiental importante.
Virgínia Mordida (Jeovanna Vieira): obra de estreia da autora, narra relacionamento abusivo entre a personagem principal e o seu marido e como a amizade entre as mulheres pode ser fundamental para a superação dessas armadilhas da vida. Boa aparição.
A voz que ninguém escutou (Renan Silva): uma verdadeira aula de história sobre migração, pobreza, falta de perspectiva, ditadura militar e violência policial. A obra de estreia do autor faturou o prêmio Kindle e merece ser lida. Bem escrita, personagens atuais, com dilemas morais importantes. Ótimo livro e o autor é um sujeito muito educado, culto e atencioso com os seus leitores, que tenha vida longa.
Rafhael Frattari
Sócio-fundador responsável pela Área Tributária do VLF Advogados