A Súmula 616 do STJ e o inadimplemento substancial do contrato pelo segurado
Lucas Oliveira e Gabrielle Aleluia
Pelo contrato de seguro, nos termos do artigo 757 do Código Civil (“CC”), “o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado (…) contra riscos predeterminados”. O “sinistro” ocorre quando esse risco se concretiza, obrigando o segurador a efetuar o pagamento da indenização contratada.
Em razão das especificidades desse tipo de contrato, inúmeras são as discussões sobre a extensão da cobertura e as hipóteses que desobrigam o segurador. Isso ocorre, por exemplo, nos casos de inadimplência do segurado, havendo dúvida se ele tem direito ao recebimento da indenização em caso de sinistro, mesmo sem o pagamento do prêmio.
Embora o artigo 763 do CC seja claro ao estabelecer que “não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação”, muitas demandas envolvendo o tema são submetidas ao judiciário. Tanto é que, em 2018, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) editou a Súmula 616, fixando o entendimento de que “a indenização securitária é devida quando ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso no pagamento do prêmio, por constituir requisito essencial para a suspensão ou resolução do contrato de seguro”.
Mesmo esse entendimento continua sendo objeto de controvérsia, notadamente quando o segurado se encontra inadimplente por longo período. Nesse caso, compreende-se que a longa inadimplência “configura comportamento que indica ausência de intenção em manter o plano de pecúlio, o que justificaria a dispensa de citação para a resolução contratual” (1). Assim, o próprio STJ reconheceu que a incidência da referida súmula poderia ser afastada, excepcionalmente, em determinadas circunstâncias, estabelecendo critérios interpretativos para isso, quais sejam:
a) tempo de inadimplência do segurado;
b) percentual adimplido da obrigação;
c) termo de início do contrato;
d) condição pessoal do segurado;
e) existência de razões para justificar o inadimplemento;
f) outras peculiaridades eventualmente existentes na situação sob análise.
Esse foi o entendimento adotado no julgamento do Recurso Especial nº 2160515/ SC, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, cujo propósito era decidir se o pagamento de indenização securitária é devido quando, apesar de não ter havido comunicação prévia da seguradora sobre a resolução do contrato, o segurado ficou inadimplente por longo período até a ocorrência do sinistro.
Na ocasião, a Terceira Turma do STJ reconheceu que “a dispensa da exigência de comunicação prévia ao segurado deve ser analisada casuisticamente, sendo necessário que o inadimplemento seja substancial e relevante a ponto de justificar a inaplicabilidade da Súmula 616 do STJ”. Para a Turma Julgadora, a duração do período de inadimplência não pode ser o único critério a ser considerado, sendo
imperioso verificar não apenas há quanto tempo a parte está inadimplente, mas o percentual da obrigação que foi adimplido, quando o contrato teve início, a condição pessoal do segurado, se existiram razões que justifiquem o inadimplemento e outras peculiaridades eventualmente existentes na situação sob julgamento.
Naquele caso, o segurado era pessoa jurídica e havia quitado apenas oito das 58 parcelas contratadas. Assim, a Turma entendeu que houve inadimplemento substancial e que ele tinha condições de entender as obrigações contratuais, tornando legítima a recusa do pagamento da indenização securitária, mesmo sem prévia comunicação da resolução do contrato.
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Lucas Oliveira
Estagiário da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Gabrielle Aleluia
Coordenadora da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) REsp nº 2.160.515/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 12/11/2024, DJe de 18/11/2024. p. 7.