Facilitando a circulação de documentos no cenário internacional
Lucas Sávio Oliveira
No próximo dia 14 de agosto, depois de quase 55 anos de espera, entrará em vigor no Brasil a Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros, conhecida como "Convenção da Apostila", concluída em 1961 no âmbito da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado (1). A expectativa para a entrada em vigor da Convenção é grande, já que significará uma grande redução de tempo e custos para empresas e cidadãos ativos no cenário internacional.
Trata-se de um grande passo para o Brasil. Para que se tenha uma ideia, hoje já são 112 Estados-contratantes, dentre eles grandes parceiros comerciais do Brasil como China, Estados Unidos, Alemanha, Holanda, Japão, Coréia do Sul, índia, Itália e França.(2).
Destinada a racionalizar e simplificar os trâmites para utilização de documentos estrangeiros entre os Estados-signatários, a Convenção da Apostila suprime a necessidade da cadeia de legalizações em repartições diplomáticas e consulares para atestar a veracidade de assinaturas, a qualidade em que o signatário atuou e, ainda, a autenticidade de selos ou de carimbos que constem em atos públicos.
No Brasil, antes da entrada em vigor da Convenção, o procedimento poderia ser extremamente demorado. Além de reconhecimento de firmas, envolvia a necessidade de comparecimento a uma das unidades de atendimento do Setor de Legalizações e Rede Consular Estrangeira do Ministério das Relações Exteriores (“MRE”), existentes em apenas algumas capitais brasileiras, para que se atestasse a veracidade do reconhecimento, implicando em inevitáveis viagens, custos com postagem de documentos ou honorários de despachantes. Depois dos trâmites no Brasil, a autenticação do MRE deveria, ainda, ser reconhecida em uma embaixada ou consulado brasileiro existente no país estrangeiro de destino do documento. O inverso, ou seja, a utilização de documentos estrangeiros no Brasil, também tinha que seguir esse longo e oneroso caminho. Vale lembrar que este continuará sendo o procedimento caso a relação seja com um país que não tenha aderido à Convenção da Apostila.
Ao aceitar a Convenção, a única formalidade que o Estado passa a exigir é justamente a aposição da apostila, ou seja, de um certificado preenchido e firmado pela autoridade competente no país de emissão do documento, seguindo o modelo estabelecido pela própria Convenção. E é isso que passará a ocorrer em breve no Brasil com relação aos documentos provenientes ou destinados aos Estados-signatários da Convenção da Apostila.
O Brasil, ao aderir à Convenção, conferiu ao Poder Judiciário e aos cartórios extrajudiciais a competência para emissão de apostilas no Brasil. No último dia 22 de junho, o Conselho Nacional de Justiça (“CNJ”), que ficou responsável por coordenar e regulamentar o uso da apostila no Brasil, emitiu resolução estabelecendo que as autoridades competentes para a aposição da apostila em documentos públicos aqui produzidos serão: (i) “as Corregedorias Gerais de Justiça e os Juízes Diretores do foro nas demais unidades judiciárias, comarcas e subseções, quanto a documentos de interesse do Poder Judiciário”; e (ii) “os titulares dos cartórios extrajudiciais, nos limites de suas atribuições” (3).
O serviço será realizado por meio do Sistema Eletrônico de Informações e Apostilamento (“SEI Apostila”), sistema único para a emissão de apostilas no Brasil. O SEI Apostila funcionará no site do próprio CNJ, que conferirá acesso às autoridades competentes por meio de certificado digital. As apostilas serão, posteriormente, impressas em papel seguro fornecido pela Casa da Moeda do Brasil, carimbadas e rubricadas pela autoridade competente (4). Todas as apostilas emitidas, além de conterem numeração única, terão um mecanismo (QR Code) que permitirá a verificação eletrônica de sua existência e autenticidade. Para tanto, o CNJ manterá um banco de dados unificado de registro eletrônico, que possibilitará a qualquer interessado verificar a conexão do certificado com o respectivo documento apostilado.
Frise-se que, conforme a natureza do documento, poderão ser exigidos procedimentos específicos para além da aposição da apostila. Esse é o caso, por exemplo, da necessidade de tradução juramentada quando os documentos sejam destinados a país que não tenha o português como língua oficial.
O processo de adequação dos cartórios extrajudiciais e do Poder Judiciário ocorrerá paulatinamente. A partir do dia 14 de agosto de 2016, a emissão das apostilas será obrigatória em todas as capitais do Brasil. Então, a Corregedoria Nacional de Justiça, responsável pela autorização específica e individualizada para o exercício da competência para a emissão de apostilas, analisará a conveniência e oportunidade de interiorizar o serviço. E, assim, um processo que poderia levar semanas para ocorrer, passará a demorar menos de dez minutos (5): sem dúvida um ganho significativo de tempo e agilidade, além da redução de custos.
Lucas Sávio Oliveira
Advogado da equipe de consultoria internacional do VLF Advogados
(1) O Decreto nº 8.660, de 29 de janeiro de 2016 promulgou a Convenção no plano interno. http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2016/Decreto/D8660.htm
(2) A lista completa dos Estados-signatários está disponível aqui. https://www.hcch.net/pt/instruments/conventions/status-table/?cid=41
(3) Art. 6º, I e II da Resolução nº 228, de 22 de junho de 2016, que pode ser acessada aqui. http://cnj.jus.br/images/atos_normativos/resolucao/resolucao_228_22062016_23062016142323.pdf
(4) O modelo da apostila brasileira pode ser visto no Anexo I à Resolução nº 228, de 22 de junho de 2016, acima referida.
(5) Segundo previsões do próprio CNJ, disponíveis aqui.