O imposto seletivo incidirá sobre a exportação do minério?
Giovanna Villegas e Vinícius Vasconcelos
O imposto seletivo foi previsto no art. 153, VIII, da Constituição Federal (“CF”), que dispõe que sua incidência ocorrerá sobre “produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar”. Por sua vez, a Lei Complementar nº 214/2025, resultado do Projeto de Lei Complementar nº 68/2023, dispõe no art. 409, §1º, inciso VI, que o imposto seletivo incidirá sobre “bens minerais”, ao passo que seu Anexo XVII indica, pela menção de códigos de NCM/SH, que serão tributados apenas os minérios de ferro e seus concentrados, óleo bruto de petróleo e de minerais betuminosos e gás natural. Com relação à alíquota máxima, o art. 422, §2º, prevê que as operações com tais bens será de 0,25%.
A controvérsia sobre o tema, entretanto, reside na incidência do tributo sobre bens minerais destinados à exportação, impasse resultante das alterações de redação que ocorreram até a sanção presidencial.
O PLP nº 68/2023, quando inicialmente aprovado pela Câmara, elencava em seu art. 410, inciso V, que um dos momentos de ocorrência do fato gerador seria a exportação do bem mineral extraído (1) e, em concordância a essa definição, afirmava que, apesar de geralmente o imposto seletivo não incidir sobre exportação, os bens minerais seriam exceção (art. 411, I, “a”) (2).
Ao chegar no Senado, o texto sofreu felizes alterações, dentre as quais a substituição da menção à exportação como momento de ocorrência do fato gerador do tributo para indicar a extração (3), assim como a indicação de que a base de cálculo será, dentre outros critérios, o valor de referência nesse momento (4). Essas modificações foram refletidas no art. 412, V, e art. 414, III, “b”, da LC nº 214/2025 (5). Ou seja, a tributação do minério não faz qualquer referência ao momento da exportação, inexistindo qualquer hipótese de incidência do imposto seletivo nesse cenário.
Quanto à tributação da exportação pelo imposto seletivo, a CF no art. 153, §6º, I, afirma que “não incidirá sobre as exportações nem sobre as operações com energia elétrica e com telecomunicações”. Evidentemente, a imunidade engloba a exportação de qualquer bem, inclusive minério.
Em consonância com o disposto, a redação final do PLP nº 68/2023 aprovada no Senado trazia em seu art. 413 as hipóteses de não incidência do imposto seletivo, dentre elas as exportações em geral, prevista no inciso I do dispositivo (6). Esse artigo podia ser entendido como mera reiteração da exclusão da exportação como momento da ocorrência do fato gerador e, também, como repetição do que já dispunha a CF sobre imunidade na exportação, não trazendo qualquer inovação quanto ao tema. Contudo, quando o texto foi para análise presidencial, o inciso I foi vetado, sob a justificativa de violar o inciso VII, §6º, do art. 153 da CF.
Esse dispositivo constitucional, utilizado como justificativa para o veto, afirma que incidirá imposto seletivo sobre a extração, independentemente da destinação. Diante disso, as razões contidas na mensagem de veto indicaram que o art. 153, §6º, VII, da CF, possibilitaria a cobrança sobre os minérios exportados, por afirmar haver tributação da extração “independentemente da destinação”, dentre elas a destinação ao exterior:
Em que pese a boa intenção do legislador, ao instituir cláusula geral de não incidência do imposto seletivo na exportação, o dispositivo viola o inciso VII do § 6º do artigo 153 da Constituição, que determina a incidência tributária sobre bens minerais na extração, independentemente de sua destinação.
Registre-se, por oportuno, que a imunidade para exportações para as outras hipóteses do imposto seletivo está garantida pela aplicação direta do regramento constitucional. (7)
No entanto, o que o dispositivo vetado estabelecia era simplesmente que as exportações não seriam tributadas. Se o veto presidencial pretendia fazer incidir imposto seletivo sobre a exportação de bens minerais, esse não possuiu o efeito pretendido, uma vez que a possibilidade de tributação já é restringida pelo art. 153, §6º, I, da CF. A lei complementar tem plena liberdade de definir os contornos da imunidade, respeitados os parâmetros constitucionais, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal (“STF”) (8), e o dispositivo vetado cumpria essa função.
O Poder Executivo aparentemente tentou evitar interpretações no sentido de que os bens destinados à exportação seriam imunes, mesmo quando a tributação ocorre na extração, o que era a intenção do Poder Legislativo. Entretanto, pareceu indicar que as exportações serão tributadas, o que não tem respaldo constitucional.
Para mais informações sobre essa e outras alterações que serão introduzidas pela Reforma Tributária, a equipe de consultoria tributária do VLF Advogados está à disposição.
Giovanna Villegas
Estagiária da Equipe de Consultoria Tributária do VLF Advogados
Vinícius Vasconcelos
Advogado da Equipe de Consultoria Tributária do VLF Advogados
(1) Art. 410. Considera-se ocorrido o fato gerador do Imposto Seletivo no momento:
I - da primeira comercialização do bem;
II - da arrematação em hasta pública;
III - da transferência não onerosa de bem mineral extraído ou de bem produzido;
IV - da incorporação do bem ao ativo imobilizado pelo fabricante;
V - da exportação de bem mineral extraído;
VI - do consumo do bem pelo produtor-extrativista ou fabricante; ou
VII - do fornecimento ou do pagamento do serviço, o que ocorrer primeiro.
(2) Art. 411. Aplica-se:
I - imunidade do Imposto Seletivo para:
a) as exportações para o exterior dos bens e serviços de que trata o art. 406, ressalvado o disposto no inciso V do art. 405.
(3) Art. 411. Considera-se ocorrido o fato gerador do Imposto Seletivo no momento:
I - do primeiro fornecimento a qualquer título do bem, inclusive decorrente dos negócios jurídicos mencionados nos incisos I a VII do § 1º do art. 4º desta Lei Complementar;
II - da arrematação em leilão público;
III - da transferência não onerosa de bem produzido;
IV - da incorporação do bem ao ativo imobilizado pelo fabricante;
V - da extração de bem mineral;
VI - do consumo do bem pelo fabricante;
VII - do fornecimento ou do pagamento do serviço, o que ocorrer primeiro; ou
VIII – da importação de bens e serviços.
(4) Art. 413. A base de cálculo do Imposto Seletivo é:
I - o valor de venda na comercialização;
II - o valor de arremate na arrematação;
III - o valor de referência na:
a) transação não onerosa ou no consumo do bem;
b) extração de bem mineral; ou
c) comercialização de produtos fumígenos.
IV - o valor contábil de incorporação do bem produzido ao ativo imobilizado;
V - a receita própria da entidade que promove a atividade, na hipótese de que trata o inciso VII do § 1º do art. 408 desta Lei Complementar, calculada nos termos do art. 244. § 1º Nas hipóteses em que se prevê a aplicação de alíquotas específicas, nos termos desta Lei Complementar, a base de cálculo é aquela expressa em unidade de medida. § 2º Ato do chefe do Poder Executivo da União definirá a metodologia para o cálculo do valor de referência mencionado no inciso III do caput deste artigo com base, entre outros, em cotações, índices ou preços vigentes na data do fato gerador, em bolsas de mercadorias e futuros, em agências de pesquisa ou em agências governamentais. § 3º Na comercialização de produtos fumígenos, o valor de referência levará em consideração o preço de venda no varejo.
(5) Art. 412. Considera-se ocorrido o fato gerador do Imposto Seletivo no momento:
I - do primeiro fornecimento a qualquer título do bem, inclusive decorrente dos negócios jurídicos mencionados nos incisos I a VIII do § 2º do art. 4º desta Lei Complementar;
II - da arrematação em leilão público;
III - da transferência não onerosa de bem produzido;
IV - da incorporação do bem ao ativo imobilizado pelo fabricante;
V - da extração de bem mineral;
VI - do consumo do bem pelo fabricante;
VII - do fornecimento ou do pagamento do serviço, o que ocorrer primeiro; ou
VIII - da importação de bens e serviços.
Art. 414. A base de cálculo do Imposto Seletivo é:
I - o valor de venda na comercialização;
II - o valor de arremate na arrematação;
III - o valor de referência na:
a) transação não onerosa ou no consumo do bem;
b) extração de bem mineral; ou
c) comercialização de produtos fumígenos.
IV - o valor contábil de incorporação do bem produzido ao ativo imobilizado;
V - a receita própria da entidade que promove a atividade, na hipótese de que trata o inciso VII do § 1º do art. 409 desta Lei Complementar, calculada nos termos do art. 245.
§ 1º Nas hipóteses em que se prevê a aplicação de alíquotas específicas, nos termos desta Lei Complementar, a base de cálculo é aquela expressa em unidade de medida.
§ 2º Ato do chefe do Poder Executivo da União definirá a metodologia para o cálculo do valor de referência mencionado no inciso III do caput deste artigo com base, entre outros, em cotações, índices ou preços vigentes na data do fato gerador, em bolsas de mercadorias e futuros, em agências de pesquisa ou em agências governamentais.
§ 3º Na comercialização de produtos fumígenos, o valor de referência levará em consideração o preço de venda no varejo.
(6) Art. 413. O Imposto Seletivo não incide sobre:
I - as exportações para o exterior de bens e serviços de que trata o art. 409 desta Lei Complementar.
(7) Presidência da República. Mensagem nº 88, de 16 de janeiro de 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2025/Msg/Vep/VEP-88-25.htm. Acesso em: 25 fev. 2025.
(8) Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. ARTIGO 32 DA LEI FEDERAL 9.430/1996. PROCEDIMENTO DE “SUSPENSÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA, EM VIRTUDE DE FALTA DE OBSERVÂNCIA DE REQUISITOS LEGAIS”. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ARTIGO 146, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR. INEXISTÊNCIA. DEVEM SER VEICULADAS POR LEI COMPLEMENTAR AS NORMAS QUE DIGAM RESPEITO ÀS CONDIÇÕES PARA O GOZO DAS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS. ASPECTOS PROCEDIMENTAIS REFERENTES À FISCALIZAÇÃO E AO CONTROLE ADMINISTRATIVO DO ATENDIMENTO DAS FINALIDADES CONSTITUCIONAIS DAS REGRAS DE IMUNIDADE SÃO PASSÍVEIS DE DEFINIÇÃO POR LEI ORDINÁRIA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONHECIDA E JULGADO IMPROCEDENTE O PEDIDO. 1. A Constituição Federal reserva à lei complementar a veiculação das normas que digam respeito às condições para o gozo das imunidades tributárias – atualmente previstas na Lei federal 5.172/1966 (Código Tributário Nacional), recepcionada pela ordem constitucional vigente com o status de lei complementar. 2. Os aspectos procedimentais necessários à verificação do atendimento das finalidades constitucionais das regras de imunidade, referentes à fiscalização e ao controle administrativo, são passíveis de definição por lei ordinária. Precedentes. 3. In casu, o artigo 32 da Lei federal 9.430/1996 trata do procedimento de “suspensão da imunidade tributária, em virtude de falta de observância de requisitos legais”, fazendo referência expressa à inobservância de “requisito ou condição previsto nos arts. 9º, § 1º, e 14, da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional”. Assim, o dispositivo legal ora impugnado não versa requisitos para gozo de imunidade tributária, mas dispõe sobre normas de procedimento administrativo fiscal, matéria que pode ser validamente veiculada por lei ordinária. 4. Ação direta conhecida e julgado improcedente o pedido.
(ADI 4021, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 03-10-2019, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-232 DIVULG 24-10-2019 PUBLIC 25-10-2019)