Receita Federal do Brasil busca dar mais clareza ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária
Glauber Mesquita
A Lei nº 13.254, de 13 de janeiro de 2016, – regulamentada pela IN RFB nº 1.627, de 11 de março de 2016 – criou o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária – RERCT, mediante o qual a União Federal oferece aos contribuintes a oportunidade de legalizar, entre 04 de abril e 31 de outubro de 2016, os recursos mantidos no exterior sem o conhecimento da Receita Federal.
O regime permite a regularização de recursos, bens e direitos não declarados ou declarados incorretamente, remetidos ou mantidos no exterior, ou repatriados por residentes ou domiciliados no Brasil, desde que tenham origem lícita.
A adesão ao RERCT se faz mediante o preenchimento da Declaração de Regularização Cambial e Tributária (Dercat), com o consequente recolhimento do imposto de renda à alíquota de 15% (quinze por cento) sobre o ganho de capital, acrescido de multa de 100% (cem por cento). Isto é, a tributação efetiva será de 30% (trinta por cento) tendo como base de cálculo os valores mantidos no exterior em períodos anteriores a 31 de dezembro de 2014, ainda que, nesta data, o contribuinte não mais possua saldo de recursos ou o título de propriedade de bens e de direitos.
A expectativa inicial do Governo Federal era de arrecadar com o RERCT entre 100 e 150 bilhões de reais, considerando a estimativa de que os contribuintes brasileiros mantêm no exterior aproximadamente 650 bilhões de dólares americanos em recursos não tributados – mas oriundos de atividade econômica lícita.
Ocorre que decorridos mais de três meses do início do regime, pouco mais de duzentas adesões foram registradas, totalizando cerca de 4 bilhões de reais em arrecadação, valor considerado baixo, tendo em vista as estimativas da própria Receita Federal (1).
A lentidão no ritmo de adesões ao RERCT pode ser explicada – pelo menos em parte – pelo receio dos contribuintes em assumir a existência de recursos não declarados no exterior associada à dubiedade na interpretação de artigos da Lei nº 13.254/2016 e da IN RFB nº 1.627/2016, especialmente no que diz respeito à postura que a Receita Federal adotará ao ter a posse de tais informações, além, é claro, de não haver segurança sobre o que o Ministério Público fará.
Com o objetivo de sanear as dúvidas dos contribuintes, foi criada a “Dercat – Perguntas e Respostas 1.0”, que consiste em uma compilação de esclarecimentos fornecidos pela Receita Federal sobre diversas questões levadas à sua apreciação em seus centros de atendimento ao contribuinte (CAC) espalhados pelo país.
Uma das dúvidas mais excruciantes enfrentadas pelos contribuintes dizia respeito à forma de comprovação da origem dos recursos mantidos no exterior, já que a legislação de regência do RERCT autoriza a legalização apenas dos recursos cuja gênese seja lícita.
Na pergunta 40 da “Dercat – Perguntas e Respostas 1.0”, esclarece-se que basta a declaração do contribuinte atestando a legalidade dos recursos e que o ônus de provar o contrário recai sobre a própria Receita Federal. Veja-se:
"40) O declarante precisa comprovar a origem lícita dos recursos?
O contribuinte deve identificar a origem dos bens e declarar que eles têm origem em atividade econômica lícita na Dercat. Não há obrigatoriedade de comprovação. O ônus da prova de demonstrar que as informações são falsas é da RFB."
Ocorre que mesmo diante deste (inédito!) esclarecimento, o receio dos contribuintes não foi totalmente dissipado, já que as perguntas e respostas mantidas no site da Receita Federal não têm caráter vinculante, estando sujeitas a alterações sem prévia comunicação, o que coloca sob suspeita o comportamento do órgão.
A Receita Federal, notando que a simples divulgação de perguntas e respostas não conferia segurança suficiente para amparar as decisões dos contribuintes acerca da adesão, ou não, ao RERCT, editou o Ato Declaratório Interpretativo nº 05, de 11 de julho de 2016, no qual dispôs que:
"Art. 1º As disposições da Lei nº 13.254, de 13 de janeiro de 2016, e da Instrução Normativa RFB nº 1.627, de 11 de março de 2016, relativas ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) e à Declaração de Regularização Cambial e Tributária (Dercat) interpretam-se conforme o “Dercat - Perguntas e Respostas 1.0” disponível no sítio da Secretaria da Receita Federal do Brasil na Internet, no endereço http://rfb.gov.br."
Veja-se que o Ato Declaratório Interpretativo nº 5/2016 traz mais estabilidade ao cenário, vez que permite ao contribuinte planejar melhor a sua opção pela adesão ao RERCT, na medida em que os atos declaratórios interpretativos só geram efeitos prospectivos (ex nunc) e porque a atuação do órgão será balizada pelos limites estabelecidos na “Dercat – Perguntas e Respostas 1.0”.
Embora seja um avanço, sob o ponto de vista da “segurança jurídica”, o Ato Declaratório Interpretativo nº 5/2016 não dirimiu todas as dúvidas dos contribuintes, existindo ainda questionamentos para os quais não há resposta satisfatória na “Dercat – Perguntas e Respostas 1.0”. Entre eles destaca-se, por exemplo, as questões relativas aos efeitos criminais da regularização pelo RERCT, notadamente os prazos prescricionais dos crimes relacionados à remessa e à manutenção de recursos, bens e direitos no exterior sem a devida informação ao Fisco.
Na pergunta 45 da “Dercat – Perguntas e Respostas 1.0”, a Receita Federal afirma que, em relação aos efeitos tributários, devem ser informados os bens e direitos havidos no prazo decadencial dos tributos. Já em relação aos efeitos penais, devem ser declarados os bens e direitos havidos no prazo prescricional das condutas que deseja anistiar. Veja-se:
"45) O que devo declarar para os efeitos da Lei nº 13.254, de 2016, retroagirem a todas as condutas?
Declarar todos os bens relacionados às condutas.
Em relação aos efeitos tributários devem ser declarados os bens e direitos havidos no prazo decadencial dos tributos.
Para fins dos efeitos penais o declarante deve inserir os bens e os direitos havidos no prazo prescricional das condutas que deseja anistiar."
Note-se que a resposta não menciona expressamente nenhum prazo, mas pode-se afirmar com alguma certeza que o prazo decadencial a que se refere a Receita Federal é o assinalado no Código Tributário Nacional: 5 anos.
A mesma dúvida persiste em relação aos prazos prescricionais regidos pelo Código Penal (2), pois várias são as condutas típicas envolvidas, cada qual com um prazo de prescrição distinto, como, por exemplo, o crime de lavagem de dinheiro (3), que prescreve em 16 anos, ou o crime de manutenção de dinheiro não declarado no exterior [4], que prescreve em 12 anos.
Em que pesem todos os questionamentos a respeito da legalização de recursos mantidos no exterior, não há dúvida de que a adesão ao RERCT pode ser uma boa escolha, pois os benefícios aos contribuintes são grandes: carga tributária efetiva de apenas 30% e extinção da punibilidade dos crimes correlatos.
Além disso, o RERCT tem sido tratado como the last window, ou seja, a última oportunidade conferida aos contribuintes para a regularização de ativos mantidos no exterior sem o conhecimento do Fisco Brasileiro. Isso porque o mundo tem caminhado para um cenário de total transparência, em que o sigilo bancário fatalmente deixará de existir em futuro bem próximo.
Basta considerar os diversos tratados internacionais (5) firmados no âmbito da OCDE, com destaque para o Common Reporting System (CRS), que consiste em um sistema global para a troca automática (on line) de informações fiscais e bancárias entre mais de 53 jurisdições, e que começará a viger no Brasil a partir de janeiro de 2017.
O cenário esperado dificultará a manutenção de bens, direitos e recursos no exterior sem que a Receita Federal do Brasil tenha conhecimento de sua existência, o que torna a adesão ao RERCT um instrumento de legalização indispensável aos contribuintes que mantêm, ou mantiveram, ativos de origem lícita no exterior.
Para mais informações sobre a adesão ao RERCT, consulte a Equipe Tributária do VLF Advogados.
Glauber Mesquita
Advogado da Equipe Tributária do VLF Advogados
(1) A estimativa da Receita Federal do Brasil é que o RERCT arrecade cerca de 35 bilhões de reais.
(2) Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no §1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze; II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito; IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro; V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois; VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.
(3) Lei nº 9.613/2008 - Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
(4) Lei nº 7.492/1986 - Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.
(5) Citamos os principais acordos de cooperação para troca de informações fiscais e bancárias: Acordos para Evitar a Dupla Tributação (OECD MTC), os Tratados para Troca de Informações Tributárias (TIEAS), a Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Fiscal (CMAAT), as Diretivas da Comunidade Europeia ou originada nos acordos de implementação da Lei de Conformidade Tributária de Contas Estrangeiras (em inglês FATCA).