Teoria Geral do Esquecimento, livro de José Eduardo Agalusa, e Vá e Veja, filme de Elem Klimov
Rafhael Frattari e Bruno Fontenelle
Teoria Geral do Esquecimento, livro de José Eduardo Agalusa
O título da obra de Agalusa é bastante curioso e se impõe ao texto que retrata a redemocratização de Angola, com uma prosa lírica e poética, típica do autor, mas também bastante direta ao narrar as crueldades do período.
No livro, a personagem Ludovica passa vinte anos reclusa em seu apartamento, sem saber ao certo o que se passa do lado de fora, que só lhe é visível a partir de sua sacada. O início pode indicar que o livro seja monótono, mas é exatamente o inverso, especialmente pela presença de vários outros personagens com histórias aparentemente paralelas, mas que estão todos envolvidos no caos vivido pela sociedade angolana.
Sem dúvida, é uma das melhores obras de Agalusa, o que é sugerido pelas premiações que o livro obteve e pelo entusiasmo com que foi recebido nos círculos literários. Romance que oferece boas lições históricas, crítica social inteligente, sem ser panfletária e excelentes histórias. Um dos livros mais bacanas que li em 2024. Se nunca leu autores africanos, uma excelente oportunidade de começar!
Rafhael Frattari
Sócio-fundador responsável pela Área Tributária do VLF Advogados
Vá e Veja, filme de Elem Klimov
Vá e veja (1985), dirigido por Elem Klimov, é um dos filmes mais impactantes já feitos sobre a Segunda Guerra Mundial e a resistência contra o nazismo. Diferente de outros filmes que mostram batalhas e estratégias militares, este foca na destruição completa de um povo. A guerra aqui não é um jogo de soldados lutando por territórios, mas um processo brutal de aniquilação. O filme acompanha Florya, garoto bielorrusso que, como tantos outros jovens, acredita estar se juntando a uma causa nobre. Ele sonha com a resistência, com a luta pela liberdade, mas logo descobre que não há heroísmo onde a guerra passou. O que ele encontra é morte, destruição e o apagamento sistemático de comunidades inteiras.
Durante a Segunda Guerra Mundial, mais de 600 vilas bielorrussas foram completamente destruídas pelos nazistas, junto com suas populações. O filme retrata esse horror sem amenizar nada: em uma das cenas mais perturbadoras, soldados nazistas reúnem os habitantes de uma vila dentro de uma igreja e os queimam vivos. Não há misericórdia, não há justificativa, apenas um massacre frio e metódico. Enquanto as pessoas morrem, os soldados riem, fazem piadas e posam para fotos, como se aquilo fosse um espetáculo. Desse modo, na Segunda Guerra não ocorreu apenas mortes decorrentes de um armamento bélico, mas a tentativa de apagamento completo de culturas e histórias diferentes daquelas incentivadas pela Alemanha das décadas de 1930 e 1940.
Assim como no início do filme 1917 (2019), Florya começa sua jornada acreditando que a guerra tem um propósito e que existira um motivo para lutar. Mas, ao longo do filme, sua expressão muda. O menino cheio de energia se transforma em alguém exausto, de olhar vazio em questão de semanas ou meses. Ele não envelhece literalmente, mas sua fisionomia parece décadas mais velha. Ele sobrevive, mas a que custo? O que sobra de alguém depois de testemunhar um genocídio?
Vá e veja não é um filme fácil. Ele não tem momentos de alívio, não oferece esperança e não tenta suavizar nada. Na verdade, ele nos lembra do que realmente acontece quando a guerra vira um instrumento de extermínio. Não há espaço para discursos sobre honra ou glória – só para o horror absoluto e a violência total. É um dos retratos crus e viscerais já feitos sobre o impacto da guerra, e uma lembrança do que jamais pode ser esquecido.
O filme está disponível na íntegra no Youtube.
Bruno Fontenelle
Advogado da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados