Superior Tribunal de Justiça afirma que envio de boletos de cobrança de IPVA equivale a lançamento de ofício
Rafhael Frattari
No último dia 10, o Superior Tribunal de Justiça considerou que o prazo prescricional pra o ajuizamento da ação executiva se iniciava a partir do inadimplemento do tributo, cujo prazo era fixado na notificação de cobrança.
O entendimento bem aplica as normas do art. 174 do CTN, conjugadas com as determinações sobre o lançamento de ofício e não deveria causar qualquer perplexidade, muito menos ser objeto de recurso repetitivo, representativo de controvérsia relevante e frequente.
É que o prazo prescricional se inicia após a formalização do crédito tributário, compreendido na linguagem do CTN como a “constituição” do crédito. Neste caso, como a tal formalização ocorre com o lançamento de ofício, o STJ determinou que é a partir da data de pagamento fixada que o prazo prescricional começaria a fluir, já que apenas a partir daí o contribuinte estaria em mora, e, portanto, haveria a actio nata para a Administração Tributária, entendida como o direito de ação.
O raciocínio é claro e correto, mas por que foi questionado? Por quem?
Em verdade, há inúmeros outros casos do Estado do Rio de Janeiro, em que a Fazenda Pública aproveita-se de sua própria torpeza para alegar que a notificação enviada para a residência do contribuinte não deve ser tratada como lançamento, mas sim com um mero aviso de cobrança. Logo, o tributo de vários exercícios fiscais ainda não teria sido lançado, e seria possível a realização do lançamento em até cinco anos a partir do ano seguinte ao que o lançamento poderia ter sido efetuado e não o fora, a teor do art. 173, I do mesmo CTN.
Segundo a Fazenda Carioca, o Fisco teria ainda o prazo para lançar o tributo e, apenas depois de realizado o ato, contar-se-ia o prazo prescricional.
Ora, com todo o respeito, a Administração utiliza a própria torpeza para salvar seu direito, seja como for.
Há anos o STJ decidiu que o simples envio de carnê de pagamento acompanhado com publicação em edital seria suficiente para a configuração do lançamento em relação ao IPTU, imposto “periódico” que é, segundo o próprio Tribunal.
Esse entendimento já foi criticado por mim, em obra específica sobre o tema [1], porque não se pode equiparar simples correspondências com a notificação do lançamento, que deve ser feita pela intimação pessoal, com aviso de recebimento postal.
No entanto, Estados e Municípios pressionaram o Superior Tribunal de Justiça a equiparar meras cartas enviadas aos contribuintes à notificação de lançamento, ainda que apenas para os casos de tributos periódicos sobre o patrimônio e desde que publicados em edital.
De qualquer modo, em oportunidades anteriores, a equiparação entre a notificação do lançamento (com AR) e o mero envio de boletos de cobrança foi defendida pela Administração Tributária como medida de praticidade e economia e aceita pelo STJ, ainda que sob críticas.
Assim, não tem sentido que agora o Estado do Rio de Janeiro passe a defender solução oposta, a de que o envio dos carnês e boletos não vale como lançamento, o que equivale a dizer que nessas hipóteses a Fazenda ainda teria o prazo decadencial para a cobrança administrativa, apenas porque neste caso o argumento lhe favorece. Como se diz aqui em Minas: pau que dá em Chico, dá em Francisco também.
Se o STJ entende que o envio de boletos, nesses casos, suprime a necessidade da notificação pessoal do lançamento (pela exigência periódica do imposto), deve entender também que no caso discutido o lançamento está realizado e, portanto, não se pode cogitar da aplicação de prazo de natureza decadencial, pois nada mais há a ser feito. Superada a formalização administrativa do crédito, o caso é de sua exigência judicial, que, quando feita a tempo e hora, impede a ocorrência do fato prescricional.
Portanto, a insistência do Estado do Rio de Janeiro numa tese jurídica descabida e sem lugar é a razão pela qual o Superior Tribunal de Justiça precisou afirmar o óbvio.
Rafhael Frattari
Doutor em direito tributário pela UFMG e sócio coordenador da área tributária do VFL Advogados
[1] FRATTARI, Rafhael. Decadência e prescrição no direito brasileiro: em defesa da norma geral no direito tributário. Belo Horizonte: Arraes, 2010.